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Inovações em Educação

Como a arte pode reforçar a aprendizagem e as mudanças sociais

Cineasta May Taherzahed discute como o engajamento de estudantes e professores é capaz de trazer a solução dos problemas que enfrentam juntos

por Laís Semis, da Nova Escola ilustração relógio 27 de abril de 2018

A realidade de estudantes no Malawi, submetidos a oportunidades desiguais na educação – conforme tenham nascido meninos ou meninas –, está gerando uma conversa entre milhares de estudantes em 50 países, incluindo Brasil. No curta-metragem “A Escolha” (Mercy’s Blessing), a cineasta britânica May Taherzahed faz uso de uma questão local para provocar o debate e sensibilizar estudantes, ainda que suas realidades estejam distantes das de Blessings e Mercy, personagens do filme. “Tentamos inspirar coragem para mudanças”, diz a diretora, que veio ao Brasil para participar de debates. “As pessoas discutem o filme não apenas no seu contexto, mas dentro de suas próprias realidades e, por isso, as discussões são muito mais ricas e refletem as nossas próprias escolhas. Nesse ponto, o filme é apenas uma ferramenta para iniciar as discussões e mobilizá-los para ações”.

Escolhido pelo Programa para Educação das Meninas no Malawi, promovido pelas ONU (Organização das Nações Unidas), “A Escolha” tem sido usado para chamar atenção para temas da justiça social, direitos humanos e igualdade de gênero, além de evasão escolar. Desde 2015, quando estreou, já recebeu prêmios em 12 festivais de cinema e gerou debates e oficinas em escolas.

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“A essência do filme é sobre o amor e sacrifício de um irmão e uma irmã para prosseguir nos estudos, mas o contexto em que ele se passa é educacional e de igualdade de gênero”, diz May. O filme se passa no Malawi, país africano em que apenas o ensino fundamental é gratuito, o acesso das meninas à escola é muito baixo e os professores lecionam para classes de cerca de 100 alunos. Apesar dos sistemas educacionais serem bem diferentes, May conta que os estudantes brasileiros se identificam com o filme.

“No Malawi hoje há uma luta para manter as meninas na escola. E, aqui no Brasil, as escolas públicas têm altas taxas de evasão escolar na adolescência”, diz a diretora. Atualmente, 24,2% dos alunos do 9º ano do fundamental não prosseguem para a etapa seguinte. Os apontamentos do Censo Escolar 2017 também mostram um percentual de 11,2% de abandono no ensino médio.

Em abril, May passou por escolas em Brasília, São Paulo e também em Limeira, Nova Odessa e Americana, no interior paulista. As escolas interessadas em apresentar o filme podem organizar uma exibição gratuitamente (saiba mais aqui). Outro tema das suas conversas no Brasil – esta no evento ClassUP: Escolas Exponenciais –  foi como o storytelling (narrativas e contação de histórias) pode ser uma ferramenta poderosa para a comunicação entre escola e família. Em entrevista exclusiva para NOVA ESCOLA, a cineasta fala sobre o poder das narrativas e das artes na aprendizagem e como os problemas do sistema educacional, sejam no Brasil ou no mundo, podem ser encarados de outra forma para criar impacto.

Nova Escola – Em seu curta-metragem “A Escolha”, você reflete sobre temas como evasão escolar e igualdade de gênero. Como estão sendo as discussões nas escolas?
May Taherzahed – Cerca de 4900 estudantes brasileiros já assistiram ao filme. O valor da educação e a questão da igualdade entre mulheres e homens são dois temas abordados no filme e que têm gerado discussões muito significativas junto aos estudantes. Em uma das escolas, o filme foi associado a uma atividade em que eles se mobilizaram para buscar jovens que haviam abandonado a escola para questionar: por que você deixou a escola? O que motivou sua escolha? Em muitos casos, eles queriam convencer aqueles jovens a voltar a estudar. Eles fizeram a mesma coisa com estudantes que persistiram, apesar das dificuldades, e concluíram o ensino médio: por que você escolheu terminar a educação básica? Como se sente em relação a isso? Os vídeos foram compartilhados depois nas redes sociais.

Nova Escola – Embora o Brasil e o Malawi tenham condições diferentes de acesso à educação, como tem sido a resposta dos estudantes ao filme? E quais semelhanças você vê entre as escolas de lá e aqui?
May Taherzahed – Mesmo não sendo a mesma realidade, estamos falando de temas universais, que tocam os corações de todos. Todos nós sofremos com alguma coisa, temos sonhos, esperanças. Todos sabemos como é estar desesperado ou desapontado. Então esses sentimentos universais também nos lembram o que é comum à humanidade.

Pelo que tenho visto e ouvido, eu acho que os sistemas educacionais do Brasil e Malawi são bem diferentes. Mas há alguns pontos parecidos: o Malawi está lutando para manter as meninas na escola e aqui no Brasil, as escolas públicas enfrentam altas taxas de evasão escolar na adolescência. Então, acho que os desafios são parecidos de certa forma: ambos estão tentando manter os estudantes na escola, sejam eles meninas ou meninos. Há também um esforço para mantê-los motivados e compreender o que os impede de ir à escola. É o ambiente? A cultura? O sistema? É por que eles não têm outra escolha? Eu acho que todo mundo está tentando entender esse assunto melhor e buscar diferentes soluções. A esperança é que essas soluções permitam que os jovens fiquem ou voltem para a escola.

Eu sinto que quando nós começamos a culpar instituições, organizações, a lei ou pessoas, nós perdemos o poder de criar a mudança

Nova Escola – Houve alguma questão que apareceu mais forte nas falas de professores e estudantes brasileiros?
May Taherzahed – Os estudantes brasileiros questionam bastante e falaram muito sobre evasão escolar. Com frequência, eles me perguntaram de quem seria a culpa. Eu sinto que quando nós começamos a culpar instituições, organizações, a lei ou pessoas, nós perdemos o poder de criar a mudança. É por isso que nas perguntas que fazemos após o filme, nós não estamos procurando entender como mudar outras pessoas ou suas organizações, mas como nós podemos criar mudanças onde estamos, como podemos nos empoderar e tomar decisões que podem criar impacto a partir disso. Sei que essa tendência de querer culpar alguém parte de do sentimento de frustração por saber que deveria ser de outro jeito.

Em outros países em que participei das apresentações, a reação é muito semelhante, você percebe que os estudantes falam de suas próprias frustrações e acham que não fazem parte da solução. Nós temos que saber que nem sempre se trata de mais dinheiro ou mudança de leis. No Malawi, nesse momento, o ensino fundamental é gratuito. Mas, então, por que nós temos menos de 25% das meninas com fundamental completo? E menos de 3% delas completam o ensino médio? É um contexto muito complexo. Eu sempre tento fazer com que os estudantes comecem a olhar para suas realidades e criar consciência sobre ela. Então, ao invés de culpar as organizações ou apontar o dedo, que as pessoas possam reconhecer a injustiça e usá-la como uma energia para combater a evasão. Como os estudantes que fizeram os vídeos e compartilharam nas redes para conscientizar os adolescentes a não abandonar a escola.

May_TaherzahedCrédito: Divulgação/Centro Paula Souza

Nova Escola  – Outro tema das suas conversas no Brasil é o storytelling. Como essa ferramenta pode apoiar a educação?
May Taherzahed – Existe um poder no storytelling e na arte, de forma geral. Durante a produção de “A Escolha”, nós percebemos que o filme poderia ser mais do que apenas entretenimento. Filmes podem desafiar nossas suposições, criar consciência, reorientar nossas perspectivas e redirigir nossas energias. E passamos a usar o filme para inspirar outras pessoas. Provocar compaixão, incentivar a curiosidade e nos tornar mais corajosos. Ao tocar o coração das pessoas é possível também abrir sua mente para que sejam receptivas a novas ideias e comportamentos. O storytelling é uma ferramenta muito poderosa que pode ser usado pelas escolas para conectar as pessoas aos temas que queremos discutir.

Nós vemos como as pessoas têm usado o filme na educação em diferentes partes do mundo para refletir sobre sua própria educação e entender o que eles podem fazer para serem agentes ativos de mudanças sociais, para entender o propósito de sua educação e também explorar como podem ter mais equidade em suas escolas bem como em suas comunidades e lares. Inclusive em algumas escolas os pais também são convidados para essas discussões. Geralmente é um facilitador para apresentar os desafios que cada comunidade e escola tem. O filme pode criar espaço para endereçar esses problemas.

Eu sinto que há definitivamente um lugar para a arte na educação porque ela permite nos ver como seres humanos completos, não fragmentados

Nova Escola –  Como o storytelling pode ajudar professores no seu dia a dia?
May Taherzahed – Quando usamos as artes, é possível reforçar o que os alunos estão aprendendo na escola. Se pensarmos “Ok, as crianças só precisam estudar certos temas que estão no currículo e que são mais acadêmicos e excluir as artes”, seria uma pena porque as artes são parte da nossa identidade e cultura. Há uma frase que diz que a arte é um instrumento de consciencialização das ideias e dos interesses mais nobres do espírito. Eu sinto que há definitivamente um lugar para a arte na educação porque ela permite nos ver como seres humanos completos, não fragmentados. Cada indivíduo é mais do que alguém que absorve conhecimento: ele pode aplicar e gerar conhecimento e isso é ótimo para as escolas. Claro que as ciências são tão importantes quanto as artes, mas juntamente com Matemática, História e outras disciplinas, essa soma de conhecimentos cria conexões e nos ajuda a expandir nossas ideias.

* Conteúdo publicado originalmente no site da NOVA ESCOLA e reproduzido mediante autorização


TAGS

cinema, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, equidade, gênero

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