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Projeto apresenta comunidade a alunos por meio da fotografia

Professora Aparecida Silva estimula estudantes a fotografar as sutilezas do cotidiano, valorizando o entorno no qual estão inseridos

por Marina Morena Costa ilustração relógio 11 de dezembro de 2015

Usar a fotografia como ferramenta de percepção do entorno da comunidade escolar e estímulo ao olhar dos alunos é o projeto pedagógico desenvolvido pela professora de artes visuais Aparecida Silva há mais de 10 anos no subúrbio do Rio de Janeiro (RJ). No trabalho realizado com os alunos, ela faz um convite à valorização dos detalhes do cotidiano, levando-os a refletir sobre sua identidade cultural.

“A fotografia é uma aliada para a ampliação do olhar, principalmente do universo do bairro, que é muito importante. Valorizar o local onde o aluno está inserido, onde ele mora ou trabalha, para ele conhecer e se reconhecer nesse espaço”, afirma.

O projeto leva o nome de “Fragmentos do Subúrbio Carioca: Quintino e Adjacência” e revela, por meio do olhar dos jovens um Rio de Janeiro que não se vê no cartão postal, tão belo quanto. A cada ano, Cida (como é chamada) trabalha com os alunos de uma forma diferente. A professora já realizou uma caminhada fotográfica com os alunos do Colégio Estadual Professor Sousa da Silveira de Quintino Bocaiúva, onde fica a escola, até o bairro vizinho Cascadura, já levou os estudantes para visitar uma exposição fotográfica no centro de cidade e neste ano trabalhou a temática étnico-racial em ensaios fotográficos que eles escolheram a locação.

Os alunos tiveram aulas teóricas sobre fotografia, técnicas de enquadramento, luz, contraste, e estudaram como afrodescendentes eram representados em três épocas: período escravocrata, pós-abolição e na atualidade. A parte prática foi um convite a identificar as africanidades no contexto do subúrbio. Pela primeira vez, o projeto foi finalizado com uma exposição dentro da escola, chamada de Afroaceito, graças a uma parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) que possibilitou a impressão das imagens em papel fotográfico.

“Nunca tinha feito um trabalho assim. Estudei em escolas que não tinham aula de Artes ou quando havia era uma coisa muito expositiva. O professor mostrava uma obra famosa e pedia para a gente fazer algo parecido”, conta a aluna Natasha Virgínia dos Santos Brandão, de 17 anos, que escolheu fotografar no Mercadão de Madureira, comércio tradicional do subúrbio carioca, onde é possível encontrar diversos artigos de religiões afro-brasileiras.

Alan Luís de Oliveira, de 17 anos, fez da proposta da professora um “desafio pessoal”. Queria conhecer pessoas novas, conversar com elas, retratá-las. Na exposição, expôs a foto de um músico negro e de um xequerê. “Escolhi esse instrumento, porque ele é usado na capoeira, que é uma coisa muito íntima para mim, porque vem dos meus ancestrais e porque eu praticava quando criança.”

Estímulo

A turma do 2º ano do ensino médio noturno do Sousa da Silveira tem aulas de Artes somente às sextas-feiras. Concorrer com o cansaço dos alunos, somado ao desejo de se divertir na sexta-feira à noite, é um desafio a mais para a professora Cida. “Muitos trabalham a semana inteira, acordam cedo e têm o hábito de achar que sexta-feira não é dia de escola, é um dia do lazer. Eles vêm, com aquela vontade de já ir embora”, relata.

Para a aluna Daudivânia Menezes Gonçalves, de 17 anos, a exposição foi um estímulo importante para ir à escola. Ela conta que já tinha já tinha passado na disciplina e poderia faltar alguns dias, mas depois que soube da exposição das fotos, passou a frequentar todas as aulas e até a chegar mais cedo para tirar dúvidas com a professora.

Daudivânia lembra que suas primeiras fotos, feitas em aula, saíram ruins, mal enquadradas. “Sempre aparecia alguém no fundo das minhas fotos, ou um caderno, uma mochila. Tive dificuldades para aprender a enquadrar, mas agora eu sei.” Ela também escolheu o Mercadão de Madureira e teve cinco fotos selecionadas para a exposição.

A fotografia é uma aliada para a ampliação do olhar, principalmente do universo do bairro, que é muito importante. Valorizar o local onde o aluno está inserido, onde ele mora ou trabalha, para ele conhecer e se reconhecer nesse espaço

Expor os trabalhos para os colegas e para os pais foi muito significativo para os estudantes. “Eles estavam eufóricos com a exposição. Eles veem as fotografias, como se fossem parte deles. É a primeira vez que o trabalho engloba a escola. No ano que vem, eu posso trabalhar com mais tranquilidade, porque eles viram o produto final. Fazer um slide e apresentar para a classe é uma coisa, mas fazer uma exposição e eles participarem, circularem entre as imagens, conversarem com os colegas sobre as fotos, é outra visão”, define Cida.

Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cida realizou o Curso de Extensão em História e Cultura Negra do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Uerj e apresentou na conclusão um plano de aula de Fotografia e Educação, inspirado no projeto pedagógico “Fragmentos do Subúrbio Carioca”. O material foi publicado no caderno Propostas Pedagógicas para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, pela editora Outras Palavras.

A exposição Afroaceito ficará permanente no Colégio Estadual Professor Sousa da Silveira, em Quintino Bocaiúva (Rua Amália, sem número) e faz parte do Programa de Reflexões e Debates para a Consciência Negra, criado pela coordenação da unidade para atender a lei federal 10.639, que determina o ensino de História Africana e da Cultura Afro-brasileira nos currículos escolares.


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ensino médio, uso do território

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