Telas e crianças: conheça os mitos e riscos desta exposição - PORVIR
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Inovações em Educação

Telas e crianças: conheça os mitos e riscos desta exposição

Veja orientações de especialistas e entenda até que ponto funciona a liberação ou proibição do acesso aos dispositivos

por Larissa Domingos, do Catraquinha Livre ilustração relógio 16 de março de 2017

Telas e crianças. Um assunto que sempre gera especulações, dúvidas e, às vezes, até polêmicas. Em um mundo tão conectado e tecnológico, é praticamente impossível que as crianças não tenham acesso, em algum momento, à “telinha” de computadores, televisões, tablets, telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos. E, é também cada vez mais difícil, que os pais consigam “blindar” seus filhos de possíveis perigos relacionados à este crescente acesso.

Mas, até que ponto este contato é saudável para a saúde e o desenvolvimento infantil? Ele é importante e produtivo, mas também pode causar danos. Ele faz parte do cotidiano familiar, mas deve ser controlado. Afinal, quais orientações os pais devem seguir em relação a este mundo? Existem regras a serem seguidas? E como usar a tecnologia a favor das crianças?

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2015, conduzida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), oito em cada dez crianças e adolescentes entre nove e 17 anos usam a internet com frequência, o que representa 23,7 milhões de jovens em todo o país. Este número teve um aumento expressivo em um ano, já que em 2014, 21% dos entrevistados disseram ter acesso a rede mais de uma vez por dia e, em 2015, essa proporção atingiu 68%.

A 4ª edição da pesquisa TIC Kids Online Brasil – que entrevistou 3.068 crianças e adolescentes entre nove e 17 anos em 350 cidades de todas as regiões do país – ainda constatou que o uso de equipamentos móveis para acessar a internet se manteve significativo entre o público jovem. Em 2014, 82% revelaram acessar a rede por meio do telefone celular e, em 2015, essa proporção foi de 85% – sendo que 31% desta porcentagem de crianças e adolescentes tiveram acesso exclusivamente por este dispositivo.

Ainda de acordo com a pesquisa, 18% dos entrevistados disseram ter deixado de comer ou dormir por causa da internet; 20% confessou ter passado menos tempo com família, amigos ou fazendo lição; 20% se sentiu mal em algum momento por não poder usar a rede; e 15% se pegou navegando sem estar realmente interessado no que via.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou no fim do ano passado um conjunto de orientações sobre exposição às telas e seus possíveis efeitos nocivos, de acordo com as idades e as etapas do desenvolvimento cerebral, mental, cognitivo e psicossocial das crianças e adolescentes. O documento “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital” foi inspirado em estudos e recomendações internacionais e adaptadas à realidade nacional.

A SBP recomenda que bebês com até dois anos não tenham nenhum acesso às telas, principalmente durante as refeições ou antes de dormir. Para crianças entre dois e cinco anos, o limite recomendado é de uma hora diária. Já as de seis anos não devem ter contato com jogos violentos e, até os dez anos, nenhuma criança deve ter televisão ou computador nos próprios quartos para evitar a vulnerabilidade do acesso a conteúdos inapropriados.

Para Liubiana Arantes de Araújo, neurologista pediátrica e presidente do Departamento de Desenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria, a criança não deve gastar essas duas horas máximas recomendáveis de uma só vez, e sim fazer intervalos para a exposição às telas. “A criança também não deve ter acesso às telas durante as refeições, para que a alimentação não seja prejudicada, e duas horas antes de dormir, para não afetar a qualidade do sono”, explica.

Em relação aos possíveis perigos para o desenvolvimento infantil, a SBP alerta que a exposição constante às telas pode aumentar a ansiedade, estimular um comportamento violento ou agressivo, causar transtornos de sono ou de alimentação, prejudicar o rendimento escolar, afetar relações em sociedade, facilitar o incentivo à sexualidade precoce, e expor a criança precocemente a drogas, entre outros.

De acordo com Liubiana, a criança que tem uma grande exposição a computadores e celulares, por exemplo, podem ter problemas em sua saúde ocular (devido ao olhar fixo e aberto diante da tela), auditiva (devido ao uso de fones de ouvido), manual (pela repetição de movimentos) e de postura.

Ainda segundo a presidente da SBP, “o cérebro da criança é como uma esponja e recebe estímulos que moldam o seu comportamento e sua personalidade”. Portanto, se a criança for exposta, mesmo que passivamente, às telas com cenas de violência ou de uma tragédia, isso vai gerar um sofrimento para o pequeno. Por isso, os pais devem tomar cuidado com o que deixam ligado perto de seus filhos.

Como são as orientações lá fora?

A Academia Americana de Pediatria reviu as suas recomendações sobre a exposição de crianças à tecnologia. Orientações como a de que pequenos de até dois anos não deveriam ter nenhum contato com telas e a de que o acesso das crianças maiores à televisão deveria ser restrita a duas horas diárias foram mudadas pelos médicos.

Após a flexibilidade, as recomendações sobre o tempo de tela saudável – aquele usado para fins de entretenimento, ou seja, sem contar o período destinado a pesquisas e tarefas escolares – é de nenhuma exposição diária às telas para crianças de 0 a 18 meses; de uso limitado a uma hora por dia, com programação de qualidade e apropriada à idade, para as de dois a cinco anos; e de quantidade de tempo determinável pelos pais, mas sempre com monitoramento aos conteúdos acessados, para as de 6 anos ou mais.

Os pediatras americanos mudaram suas recomendações com foco mais no conteúdo assistido e menos no tempo em que os pequenos passam na frente às telas. Eles ainda passaram a orientar, por exemplo, que os pais tivessem um papel ativo na relação das crianças com os aparelhos eletrônicos.

Críticas de pesquisadores

Vários governos têm recomendações relacionadas ao tempo de exposição das crianças à tecnologia. Porém, alguns pesquisadores contestam a falta de evidências científicas sobre o real impacto da tecnologia na vida das crianças.

Uma recente carta aberta publicada por cientistas e pesquisadores de várias áreas (como Educação, Psicologia e Direito) de diversas universidades (como Harvard, Oxford, Cambridge e Columbia) questiona o que eles chamam de “pânico moral” sobre a atual preocupação em relação ao tempo de exposição às telas.

Para o grupo, o que há atualmente é um alarmismo em relação aos danos que as telas podem causar às pessoas e não evidências. Eles explicam na carta que não faz sentido discutir sobre a quantidade de exposição, mas sim sobre a qualidade do conteúdo acessado pelas crianças, por exemplo.

Em defesa de que as tecnologias digitais são parte da vida das crianças do século 21, os pesquisadores ainda afirmam que o foco na exposição dos pequenos às telas é uma abordagem inapropriada, já que a saúde e o bem-estar infantil dependem de vários fatores, como o ambiente familiar e o nível socioeconômico.

Perigo para os olhos?

O constante acesso às telas de televisores, computadores e smartphones, por exemplo, causa mesmo algum dano à visão das crianças? De acordo com Dr. João Alberto Holanda de Freitas, presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, a resposta para essa pergunta é “não”.

Segundo o oftalmologista, o que pode acontecer é a chamada síndrome do olho seco, caracterizada pela evaporação mais rápida do canal lacrimal devido a falta do piscar. “O certo é piscar cerca de 35 vezes por minuto. E as telas trazem tantas informações que as pessoas nem piscam para ver tudo”, explica.

João Alberto reforça que o contato visual com as telas não oferece risco oftalmológico, nem afeta a quantidade de lágrimas das crianças. Entretanto, em casos de caso visão cansada, olhos secos, ou qualquer outro incômodo após longa exposição às telas, ele recomenda o uso de um colírio lubrificante. “Mas o ‘piscamento’ é essencial para lubrificar o olho”, conclui.

De acordo com estudos da Academia Americana de Oftalmologia, o olhar direto para telas não causa danos oculares permanentes. Segundo os oftalmologistas americanos, o que acontece é que olhar por muito tempo para elas, principalmente se a distância até os olhos for pequena, faz com que a pessoa pisque menos, o que pode ocasionar uma vista cansada ou a síndrome do olho seco.

Liberar ou proibir?

No mundo atual é praticamente inevitável que qualquer criança não tenha acesso (mesmo que muito restrito) à televisão, computador, videogame, tablete, ou aparelho celular. A não ser quando a criança vive em condições remotas de acessibilidade, possibilidades e informação, é comum que os pequenos tenham contato com este mundo das telas brilhantes, seja em casa, na sala de aula, ou por meio de amigos.

E, entre as questões que permeiam as dúvidas de pais em relação ao acesso dos filhos às telas está a de liberar ou proibir o uso de aparelhos eletrônicos e tecnológicos, bem como o acesso à Internet.

Para quem pensa que não ter televisão em casa é uma tarefa difícil, Anne Sobotta prova o contrário. Instrutora e formadora em yoga para gestantes, mães e bebês em Santo Antônio do Pinhal (SP), Anne conta que quando engravidou de Jada – sua filha que hoje tem dez anos – já não tinha TV na casa onde morava na Bahia.

A francesa, que vive no Brasil há cerca de 15 anos, diz achar que a televisão tem um poder de atração enorme perante as pessoas e que não queria isso para sua família. “A TV aberta ou fechada tem mais porcarias do que coisas boas. Decidi que a televisão não ia fazer parte das nossas vidas e que há muitas outras possibilidades de diversão”, fala.

Em relação ao uso de outras telas, Anne conta que ela e seu parceiro usam muito o computador e tablet em seus trabalhos. Jada também tem permissão para usá-los, porém, sob supervisão da mãe. A menina tem acesso a vídeos com conteúdos pedagógicos – como um programa de ciências francês –, filmes em outros idiomas para estimular a linguagem trilíngue da família, aplicativos educativos ou pesquisas. Jada não tem acesso a nenhuma rede social, nem sob monitoração. “Prezo por ela poder se relacionar com pessoas em carne e osso, com outras crianças e outros adultos. Tento adiar o máximo possível as relações virtuais de minha filha”, diz Anne.

A instrutora de yoga fala ainda que se apavora ao ver tantas crianças ganhando celulares de seus pais, alguns até sem bloqueio de segurança. “Minha filha vê as amigas com celular, me pergunta quando terá um e então eu explico os meus motivos. Há muita conversa e contextualização dentro de casa”, afirma.

Ana Paula Silva, proprietária da empresa socioambiental Morada da Floresta, e seu marido também já não tinham televisão antes de terem filhos. Com a chegada de Violeta e Micah, atualmente com oito e seis anos respectivamente, o costume da família permaneceu o mesmo. “Preferimos não ter TV para um maior controle sobre o que eles (os filhos) têm acesso”, conta Ana Paula. Porém, as crianças assistem à TV na casa de familiares ou amigos, o que também não acontece com frequência. Em relação a computadores, as crianças têm acesso limitado e a conteúdos supervisionados pelos pais.

Com pensamentos diferentes aos de Anne a Ana Paula, Fabiana Almeida, mãe de Pedro e de Lucas, de oito e cinco anos respectivamente, diz que o acesso às telas em sua casa é liberado, mas sob supervisão dela e do pai das crianças. “Eu controlo conteúdo, conversamos muito e ficamos de olho no que eles assistem, tento me policiar para não ficarem o dia inteiro com as telas e evito deixar usarem antes de dormir”, conta.

A mãe fala que cada um dos meninos tem um tablet e, no quarto deles, há uma televisão e um videogame. Segundo Fabiana, os filhos gostam muito de jogos e de verem vídeos na Internet. O uso do tablet, inclusive, é liberado quando a família sai a passeio ou vai a um restaurante. “Eles não têm paciência nesta idade. Mas, se estão com o tablet, conseguimos ficar mais tempo e aproveitar um pouco mais o lugar”, explica.

Elisa Dreux, mãe de Julia, de um ano e sete meses, também acredita que as telas devem ser liberadas para as crianças sem maiores preocupações. Ela, que parou de trabalhar para se dedicar à filha em casa, conta que recorre à televisão para poder fazer tarefas domésticas, já que a pequena pede sua atenção para brincar e só fica sozinha se estiver em frente à TV. “Em casa sempre estamos com a TV ligada em vídeos ou desenhos praticamente o dia inteiro”, diz.

Para Elisa, o tablet – que tem aplicativos pedagógicos e vídeos infantis – é um recurso para que sua filha se mantenha entretida durante trajetos no carro ou em um restaurante com os pais, por exemplo. “Eu sempre falei que minha filha não teria tablet e não assistiria à televisão. Mas, por mais que muitos falam que faz mal, na prática não funciona desse jeito. Hoje eu preciso da TV e do tablet”, conta. De acordo com Elisa, a tecnologia até ajuda na educação, pois sua filha tem aprendido palavras, números e letras com jogos no tablet. “Não podemos somente falar que a tecnologia atrapalha a criança. É só saber usar”, conclui.

Quando se trata da liberação ou proibição das telas na infância, cada família tem seu ponto de vista e seu costume, de acordo com seu estilo de vida – que devem ser respeitados e seguidos fora de casa por parentes, educadores e cuidadores da criança. As telas e as tecnologias podem oferecer benefícios ou prejuízos, depende de como são usadas e por quem são avaliadas.

 


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brincadeiras, dispositivos móveis, educação infantil, tecnologia

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