Um brasileiro na Kaospilot... - PORVIR

Inovações em Educação

Um brasileiro na Kaospilot…

Henrique Vedana, da CoCriar, fala sobre experiência de estudar na escola voltada para projetos e para a colaboração

por Henrique Vedana ilustração relógio 21 de outubro de 2013

O Porvir publicou matéria sobre a famosa escola dinamarquesa, Kaospilot, que aposta no ensino colaborativo e baseado em projetos para formar seus alunos. O primeiro brasileiro a estudar por lá, Henrique Vedana, escreve abaixo um artigo no qual fala da sua experiência e do impacto da escola em sua carreira. Vedana é sócio da CoCriar, organização que ajuda grupos de pessoas, como empresas, ONGs, escolas, institutos, a se entenderem melhor por meio de conversas que valorizem a habilidade de cada membro para a realização de um trabalho coletivo. Vedana é um dos palestrantes do TEDx Unisinos, que acontece na próxima semana em Porto Alegre.

A ESCOLA

A Kaospilot é uma escola internacional de empreendedorismo, criatividade e inovação social localizada na cidade de Aarhus, no interior da Dinamarca. Fundada em 1991, propõe uma formação de 3 anos onde os “alunos profissionais” são protagonistas do seu próprio aprendizado, e onde estudos de caso são completamente substituídos por projetos reais com clientes de verdade. A formação, não reconhecida formalmente pelo Governo Dinamarquês, tem três ênfases: desenho e gestão de projetos criativos; desenho e liderança de processos criativos; desenho e criação de novos negócios. A cada ano, formam-se 35 novos pilotos do caos. Em 2009, formou-se o primeiro brasileiro.

 

O ANTES – ou como fui parar lá?

Estudei (e cheguei a me formar em) ciência da computação, na UFRGS em Porto Alegre. Durante os anos da faculdade, descobri o quanto gostava de viajar, conhecer pessoas e culturas. Isso me levou a ingressar na AIESEC, onde atuei de forma bem ativa por mais de cinco anos (de intercambista até presidente nacional). Nesse ambiente jovem, dinâmico e multicultural, passei rapidamente a me interessar por educação (estava fazendo algo “extracurricular” mas estava aprendendo – e me desenvolvendo – mais do que nas disciplinas curriculares ou até mesmo do que qualquer estágio de trabalho). Depois de formado fui morar em São Paulo e conheci o modelo das escolas democráticas. Me encantei. Nessa época um amigo me sugeriu conhecer a Kaospilot. Visitei o website, fiquei super instigado e curioso, mas achava que isso estava muito longe da minha realidade, geográfica e financeira. Dois anos se passaram, e o destino me levou a Amsterdã, onde trabalhei por um ano com sustentabilidade. De repente a minha realidade não era tão distante, e a escola ficava logo ali no país vizinho. Me inscrevi, fui convidado a participar do processo de seleção e em agosto de 2006 me mudei pra Dinamarca.

O DURANTE – ou como foi a experiência?

Vivi três anos em Aarhus. A Kaospilot, embora seja uma escola internacional, com o idioma oficial sendo o inglês, ela é predominantemente escandinava. Tanto na maioria dos alunos que são dinamarqueses, suecos e noruegueses, mas principalmente o “DNA” da instituição sendo muito influenciado pela cultura nórdica. E para um brasileiro, isso foi extremamente marcante, o oposto da nossa cultura. Não vou entrar em detalhes aqui, afinal quero falar sobre a escola, mas o DNA cultural é sempre parte fundamental de qualquer instituição de ensino. Sempre.

Minha turma tinha 36 alunos (formaram-se 32 após os 3 anos). O horário da escola era sempre de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h. Parte do tempo estávamos em “aula”, tendo palestras, aulas ou oficinas práticas, facilitadas por todo tipo de gente: consultores, empreendedores, artistas, acadêmicos, empresários, ativistas… Essas participações poderiam ser por 2 horas ou 3 semanas, sempre de acordo com o tema que estávamos estudando (marketing, branding, comunicação, design de negócios, coaching, entre outros). Mas grande parte do tempo era dedicado aos projetos. Alguns projetos eram individuais, outros em pequenos grupos e outros em grandes grupos. Um dos projetos mais marcantes foi o de escrever um livro (e publicá-lo) de forma colaborativa com 35 colegas ao longo de um semestre. O livro está disponível em: http://issuu.com/simonk/docs/socialinnovationonline

O processo de seleção na Kaospilot é feito de forma a criar a turma (chamada equipe) mais diversa possível, não apenas em gênero, idade ou país de origem, mas principalmente na forma de pensar, de agir, de sentir, nas diferentes experiências prévias de vida. Eu convivi em três anos com pessoas incríveis, com histórias inacreditáveis, mas ao mesmo tempo extremamente difíceis de lidar e conviver em equipe (grupos de trabalho). Aprendi muito com essas pessoas, que foram os que mais me desafiaram ao longo do meu tempo na escola.

E os professores? E a coordenação da escola? Bom, a escola não tem corpo docente, os professores são todos externos, convidados a medida que podem contribuir melhor com o aprendizado da turma. O papel mais desafiador na Kaospilot pertence ao team leader, ou gestor da equipe, que é a pessoa que traduz o currículo da escola em módulos, em convidados externos, em atividades práticas, em clientes e projetos. Essa costura é feita de forma artesanal, o que faz com que cada turma, cada semestre seja único. O gestor da equipe não é um mentor ou pedagogo. A escola dispõe de algumas pessoas que atuam como coaches, e os alunos têm acesso a esse apoio individual, caso queiram.

Olhando pra trás, foi como se os três anos tivessem sido uma transição gradual de estilo de vida e forma de atuação profissional. Se antes eu me sentia obrigado a “buscar um emprego”, agora eu só queria “criar meu trabalho”

Os projetos são, inicialmente, trazidos aos alunos pela escola (geralmente são organizações locais que buscam algum tipo de aporte). Ao longo do curso, os alunos passam a assumir a responsabilidade de encontrar seus próprios clientes, negociar escopo de projetos, contratos e condições de trabalho – inclusive remuneração, até a relação com o cliente, finalização dos projetos, entregas e feedbacks. Para a escola pouco importa qual é o projeto, contanto que ofereça as condições para que os alunos exercitem e se desafiem nos aspectos que estão colocados no currículo.

Ao longo de três anos na Kaospilot, realizei umas duas dúzias de projetos, alguns curriculares e outros não. Construí um “portfólio” de experiências profissionais bem bacana (e útil!). Desses, fui avaliado (digamos, em um exame) em apenas quatro ocasiões. As provas na Kaospilot não tem a conotação de punir ou testar conhecimento. Elas são rituais (e bem ritualizadas) de passagem, onde o aluno tem a oportunidade de demonstrar sua fluência e consciência adquiridos a partir da prática. O que importa é a experiência de aprendizado.

O DEPOIS – e aí, serviu pra que?

Bom, depois de morar tanto tempo em terras nórdicas, eu percebi que esse lugar paradisíaco em tantos aspectos não era onde eu gostaria de viver. Voltei ao Brasil em 2009 com vontade de tocar projetos, de atuar de forma coerente com o que eu acreditava. Olhando pra trás, foi como se os três anos tivessem sido uma transição gradual de estilo de vida e forma de atuação profissional. Se antes eu me sentia obrigado a “buscar um emprego”, agora eu só queria “criar meu trabalho”. Se antes eu queria “seguir uma carreira”, agora eu só queria fazer algo relevante, que me fizesse sentir bem e ser remunerado por isso. Mesmo que praticamente ninguém conhecesse a Kaospilot em 2009, eu me sentia confiante, capaz de colocar meus novos planos em ação.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, empreendedorismo, kaospilot

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