O processo de formação no BERV começou de maneira tradicional, com os professores reunindo-se em um local fora das escolas, em um espaço emprestado pela Faculdade Ruy Barbosa, parceira da iniciativa. A certificação era feita pelo Instituto Anísio Teixeira (IAT), uma extensão da Secretaria de Educação do Estado.
Cada educador fazia a sua inscrição e, em um dia da semana, com horário definido, aconteciam as reuniões. Nesses encontros eram realizadas atividades que introduziam ou complementavam aprendizados em educação integral.
Não demorou, porém, para que essa estratégia se revelasse complicada. Os horários dos encontros eram incompatíveis com as agendas dos professores, o que resultou em uma alta taxa de evasão na primeira turma.
Foi necessária uma reformulação da estrutura formativa e, dessa mudança surgiu um núcleo interno de formação, gestado na Cipó. A missão era promover uma articulação com a comunidade e formar os professores, mas dessa vez dentro das escolas. As ações passaram a acontecer durante as Atividades Complementares ou ACs, espaços pedagógicos, de planejamento e de formação continuada dos professores. E, quando o programa foi organizado no ambiente escolar e em horário dedicado à escola, a adesão aumentou significativamente.
O professor Josué Leite, que coordenou a formação, avalia: “ir para as escolas demandou maior trabalho e energia da equipe, mas foi mais exitoso, no sentido de a gente ter a permanência desses profissionais”. O programa de formação também estabeleceu um currículo mínimo, com temáticas essenciais à construção de um território educador.
Foram discutidas questões relacionadas às práticas inovadoras, à articulação entre o bairro e a escola, às redes de cooperação formadas com os parceiros da comunidade. Também se destacou a importância de se realizar um mapeamento de potencialidades do bairro e como usá-las nos processos pedagógicos e nas práticas docentes.
O passo seguinte foi materializar essa formação de maneira sustentável. Josué explica que a via encontrada foi uma articulação com o Projeto Político Pedagógico das escolas. “A formação teve um desdobramento, que era uma assessoria que a gente desenvolvia como extensão, uma revisão dos PPPs. Porque a gente entendia – e entende – que esse é o meio democrático de manter e garantir todas essas transformações que a gente esperava que acontecessem dentro das escolas”.
O trabalho de formação assumiu um caráter de imersão na realidade dos professores, identificando as necessidades da escola e do entorno a partir da vivência no ambiente deles. “Foi muito lindo porque nesse momento participaram os pais, alguns parceiros, alunos, funcionários, a gestão, os professores. Foi uma participação completa, o ideal que a gente espera de uma escola”, recorda Josué.
Esse processo evoluiu para as mentorias, que aplicavam a formação dentro das escolas e de maneira prática, apoiadas nas trilhas educativas. A equipe de formação participava do dia a dia do professor, acompanhando o planejamento e mantendo o diálogo, inclusive, para além dos encontros escolares. “Foi algo que extrapolou nossa carga horária e isso se dava muito mais pela intimidade e pela aproximação, pela conquista de experiências”, pontua Josué. Ele conta que a formação ultrapassou o aspecto profissional e assumiu um viés afetuoso.
Josué vê como maior desafio ao processo de formação dentro dessa metodologia fazer com que a escola e a comunidade entendam o papel da escola pública contemporânea. E também que conheçam o público dessa escola. “Não é mais um lugar onde estudam os filhos da classe média, como foi na década de 80. O perfil dos alunos é outro, são outros arranjos familiares, a gente tem uma multidão de crianças em situação de vulnerabilidade, de risco, de muitas violências, que chegam na escola sem clareza quanto aos seus projetos de vida”, observa. E completa: “Quando deixamos de trabalhar pensando em alunos ideais e passamos a dialogar com essa realidade, a formação tem bem mais êxito”.
Uma rede de ensino desconectada das redes virtuais mudou suas práticas pedagógicas e o alcance de seus aprendizados por meio da tecnologia. Pode-se resumir assim uma das experiências mais exitosas no processo de formação em São Miguel dos Campos. O município, que não tinha uma cultura escolar inserida em práticas tecnológicas, mudou o conteúdo e o formato de muitas de suas aulas depois que professores e alunos passaram a aderir a uma série de plataformas de conhecimento.
“Não havia um jeito melhor para os profissionais da educação entenderem a cabeça dos jovens de hoje do que utilizando a tecnologia”, avalia o professor e então gestor da Secretaria Municipal de Educação Edmildo Duarte. Ele participou da formação da Khan Academy, voltada para o ensino da matemática, e da Meu Tutor, cujo foco é a Prova Brasil.
Junto com outros professores, Edmildo pôde repensar a grade de conteúdo e a matriz curricular da escola, norteado por um material criado pelos próprios professores que participaram dos processos formativos. “O interessante foi que também pudemos replicar esses aprendizados entre outros professores da rede”.
Segundo o professor, o uso dessas plataformas tornou as aulas mais atrativas e colaborou para desfazer a ideia generalizada de que a matemática deve ser temida. “Isso trouxe uma integração maior entre os setores, que é o que define o andamento de uma boa gestão, políticas públicas que vão melhorar a educação no contexto geral, porque acaba atingindo a escola, mas também todo o município, em uma mudança educacional, social, cultural, enfim, territorial de nossa comunidade”.
Para além do uso da tecnologia pelos professores, Edmildo destaca que o processo formativo em São Miguel dos Campos representou uma atualização e expansão do conhecimento. “Todos os profissionais de educação fizeram parte disso. Formadores, professores, diretores, coordenadores, merendeiros, foi realmente um trabalho coletivo para melhorar a educação em todo o município.”