Experiências do Eixo 8: Institucionalização


Inspirações do bairro educador para um estado educador

O Programa de Educação Integral do Estado da Bahia (ProEI) foi instituído em 2014 e, de acordo com Cataria Cerqueira (que foi coordenadora da Educação Integral da Secretaria da Educação da Bahia), teve a contribuição direta do Bairro-Escola Rio Vermelho. “A concepção de educação coaduna muito com a referida no Bairro-Escola, de pensar a formação humana integral dos sujeitos, de pensar o tempo de forma qualificada e de redimensionar os espaços. O BERV contribuiu muito para a gente pensar em um estado educador”.

Catarina explica que as ações pedagógicas ganharam novos contextos, unindo esporte, arte, trabalho, ciência e cultura. Os estudantes têm aulas de iniciação científica e pesquisa; cidadania e participação estudantil, além de relações étnico-raciais, culturais e de identidade; educação ambiental; comunicação digital e uso de mídias.

Segundo a gestora, a inspiração do ProEI veio de uma demanda das próprias escolas. Ela conta que a rede tem contextos bastante heterogêneos, com escolas em bairros de vulnerabilidade social, outras mais ligadas à educação do campo, além de escolas em assentamentos. Comparando a experiência do Rio Vermelho com a de outras escolas do estado, Catarina destaca a relevância de ter uma articulação mais forte com o bairro.

“Há outros lugares onde essa interlocução tem acontecido de forma independente. A Escola Luiz Macedo, em Cajazeiras, por exemplo, tem uma parceria muito forte com a comunidade do entorno; o Colégio Ipiranga tem um alicerce bem bacana com o bairro Dois de Julho; temos o Severino Vieira, em Nazaré, que faz parcerias com instituições ligadas à arte e cultura, como os museus do Centro da Cidade”. Os perfis são diversos e, para Catarina, eles continuarão em processo contínuo de mudança, uma característica das próprias escolas.


Mapas visuais ajudam a materializar a Política de Educação Integral de São Miguel dos Campos

Em 2015, o Instituto Inspirare convidou a Associação Cidade Escola Aprendiz para dar continuidade ao trabalho iniciado em São Miguel dos Campos de apoiar a gestão central da Secretaria Municipal de Educação. A tarefa era discutir os avanços ligados ao programa Mais Educação, do governo federal, e pensar em como implementá-lo com maior qualidade.

Essa ação já vinha sendo gestada um ano antes, quando o Aprendiz apoiou as escolas de São Miguel no mapeamento dos seus indicadores de qualidade. Desde então, foi fortalecido um diálogo entre as instituições parceiras e a Secretaria de Educação, estabelecendo um processo formativo da gestão central, com o envolvimento de diretores escolares e coordenadores pedagógicos.

“As múltiplas interações que o território oferecia foram necessárias para construir oportunidades para esses sujeitos”, pontua Júlia Dietrich, que coordenou a ação no município. O primeiro passo foi identificar esses estudantes. Quem eles eram e o que o projeto esperava que eles pudessem alcançar com essa nova política. Em um exercício colaborativo, diversos representantes da comunidade começaram a construir essas diretrizes levando em conta dois aspectos: os diagnósticos participativos e o Plano Intersetorial.

Criou-se então uma espécie de matriz curricular orientadora da rede com estratégias pedagógicas a serem cumpridas. Em seguida, foi estabelecido um mapa de qualificação de ambiência, mostrando como eram pensados os espaços das escolas, das salas de aula aos refeitórios e banheiros. Para além disso, e dentro da ideia de educação integral, discutiu-se o entorno escolar, incluindo os espaços públicos e os lugares geridos pela cultura e pela assistência social, por exemplo.

Do mapa de qualificações foi criado o mapa intersetorial, destacando as ações que pudessem estar imbuídas ou presentes nessa política, além das estratégias para mobilizá-las. Nesse ponto da metodologia, foi realizado um grande levantamento com o apoio de diferentes secretarias a partir de um disparo da atividade no Fórum Intersetorial, ação que teve o apoio e a chancela da prefeitura.

Estabelecido o mapa da intersetorialidade, o projeto avançou para discutir quem eram todos os atores, dos setores público e privado, que estavam ligados à vida das crianças, adolescentes e jovens a quem o projeto se destinava.  O Aprendiz aproveitou uma ação desenvolvida pela Comunidade Educativa CEDAC e incluiu nessas discussões o aprendizado do guia de orientação para as famílias. “Tudo o que a gente estava fazendo, queríamos que já fosse integrado”, explica Júlia.

A metodologia coordenada pelo Aprendiz avançou para discutir as práticas pedagógicas necessárias à política de educação integral.  Foi quando se discutiu a intencionalidade que todo professor, todo agente educativo e todo funcionário deveria buscar quando em contato com crianças, adolescentes e jovens, dentro ou fora da escola. Novamente, práticas foram mapeadas, incluindo as colaborações dos parceiros do projeto.

Mapas visuais

O levantamento aprofundou conteúdos, transformando-se em um documento. Foi uma preocupação da equipe, porém, ampará-lo por meio de mapas visuais, para que o texto se tornasse acessível a mais pessoas.  Cada uma das temáticas abordadas ganhou um mapa visual para ajudar as pessoas a entender melhor o que estava sendo sistematizado.

Esses mapas tornaram-se também chaves de comunicação entre todos os envolvidos no processo, conta Júlia. “Muitos desses desenhos viraram cartazes, distribuídos nas escolas ou usados em documentos internos, até que começamos a construir o texto de uma política e a pactuar isso com todos os envolvidos”.

Depois de um ano de criação coletiva desses materiais, que destacaram os objetivos da política, seus agentes, suas formas de funcionamento, sua articulação intersetorial e com os fóruns democráticos do município, o texto ganhou uma primeira versão.  A Secretaria de Educação, então, saiu para pactuá-lo com diferentes instâncias. Foram diversas reuniões e, com a validação junto ao Conselho Municipal de Educação, teve início a formalização da institucionalização.

O Conselho fez uma série de ponderações e o documento voltou para a SEMED, que reconvocou o grupo de representantes escolares e de outras secretarias para avaliar as sugestões. Após um debate, o texto foi alterado e voltou ao Conselho, para nova validação. De lá o texto seguiu para o Fórum Intersetorial e para o Fórum Comunitário. Este último, Júlia destaca como o espaço que mais aproxima a escola do cotidiano da cidade e que deu voz às crianças, idosos e grupos culturais.  “Ali aconteceu um enorme processo de pactuação”, lembra. 

Na avaliação de Júlia Dietrich, chegar a um marco legal em um processo de institucionalização é uma estratégia fundamental para garantir a continuidade do processo. Para ela, a lei garante que o que inicialmente era uma agenda de governo torne-se uma política de Estado. “Essa é a grande diferença. A gente sabe que as mudanças de governo no Brasil são drásticas do ponto de vista das políticas públicas. É muito comum ver mudanças de governo, até em um partido de continuidade, apagarem a marca da gestão anterior e começarem uma nova marca”.

Mas o marco legal é apenas uma etapa. Há que se trabalhar para que essas leis façam parte do cotidiano da cidade, mudando o comportamento das pessoas. “É essa mudança de comportamento que, a meu ver, institucionaliza de fato um processo de transformação em educação”, afirma Júlia.

Desafios

A lei não finda a mobilização pela mudança, ela continua acontecendo e se atualizando. Júlia aponta como desafios dessa metodologia justamente garantir a legitimidade do processo. Para ela, um projeto dialógico e democrático como esse tem que estar na agenda pública. “Teria sido um desafio tremendo se a Secretaria de Educação não tivesse bancado isso, assumido que era fundamental para o legado que pretendia deixar para a gestão e para o município”.

Para transpor esse obstáculo, a sugestão é colocar ideias em prática. Fazer muitas reuniões, escrever, envolver pessoas, estimular que elas participem. Outro desafio é traduzir esses textos de forma que eles consigam comunicar aos mais diferentes públicos que fazem parte da rede. Sistematizar aprendizados de forma visual é uma boa estratégia, aconselha Júlia. “A gente logo percebeu que se ficássemos em ata de reunião, discutindo texto duro pelo texto duro, a gente ia perder as pessoas. Foi muito positivo usar esses apoios visuais e ter a certeza de que todos estavam entendendo o que a gente estava falando”.

Metodologia do Eixo 8