As primeiras atividades de campo já estavam sendo realizadas no Rio Vermelho quando o psicólogo Eduardo Santos passou a integrar o projeto do Bairro-Escola, em 2013. Ele conta que a tarefa inicial era sensibilizar as lideranças locais para transformar a educação, partindo da experiência do Bairro-Escola na Vila Madalena, em São Paulo.
A metodologia aplicada ao BERV e conhecida como Bola de Neve era simples, mas eficaz. O Inspirare, cuja sede em Salvador fica no Rio Vermelho, identificava as pessoas mais conhecidas na comunidade e conversava informalmente com elas sobre educação em sentido amplo. O grupo responsável pela sensibilização dessas lideranças perguntava o que elas achavam da educação no Brasil e em Salvador e que preocupação tinham com a formação de crianças, adolescentes e jovens.
Depois, o questionamento se voltava para a realidade do território. Foi a partir do imaginário das pessoas que a proposta do BERV foi se consolidando. “Não éramos estrangeiros àquela comunidade, trazendo um programa pronto. A gente chegava como quem queria contribuir e buscava encontrar pares em diversas áreas”, lembra Eduardo.
Os pares podiam ser empresários, professores, moradores, estudantes, gente convocada a trazer junto a sua bagagem. “Isso era muito rico, a maneira como a gente foi conseguindo engajar as pessoas em um movimento que não era nosso, era delas também. Chegamos ao ponto em que nem existia mais essa divisão entre nós e eles. Éramos uma coisa só”, diz Eduardo, para quem essa característica é um dos maiores diferenciais em termos de sensibilização comunitária.
Mas o que uma bola de neve tem a ver com tudo isso? Eduardo explica: “As pessoas foram se aproximando e, mesmo as mais resistentes, se engajaram no movimento. Iam para as rodas de conversa e debatiam essas questões com mais profundidade. Depois, passaram a indicar o nome de outros indivíduos que poderiam se interessar e a nossa lista de contatos foi crescendo. Outra vez, não éramos mais estranhos, mas tínhamos referência. A gente ligava para essas novas pessoas e dizia: ‘Olhe, falamos com Fulana e ela indicou seu nome. Você tem um tempinho agora?’”.
Muita gente teve o tempo e o interesse necessários, e as reuniões evoluíram para um seminário de planejamento de ações, pensado e executado de forma coletiva, que subsidiou as definições do que deveria ser a iniciativa. Eduardo, que depois dessa experiência fundou o programa Arvorar Jovem, de desenvolvimento pessoal de adolescentes, resume: “O Inspirare assumia uma parte do trabalho, principalmente a logística, mas desde o começo, o que aconteceu no Rio Vermelho partiu do desejo das pessoas e do envolvimento da comunidade. Os frutos desse processo inicial ainda são visíveis, e novas pessoas continuam se engajando”.
Em São Miguel dos Campos, o Instituto Inspirare solicitou à organização Avante – Educação e Mobilização Social que aplicasse sua expertise em pesquisa para contribuir com o diagnóstico participativo da realidade educacional do território. Em 2013, a Avante participou ativamente da sensibilização das lideranças locais, começando com a “Estratégia de Chegada”.
A pedagoga e consultora associada da Avante, Mônica Sâmia, conta que essa aproximação em uma localidade é algo delicado e deve ser feita com cuidado. De saída, ela explica, foi preciso saber se aquela era uma demanda do município. Porque, se não fosse, seria necessário construir o sentido dessa chegada. No caso de São Miguel dos Campos, havia uma mobilização.
“A gente chegou num momento em que a rede ainda estava com um olhar bastante diverso para essa intervenção. Tinha gente entendendo, tinha gente que nem sabia o que estava acontecendo e tinha gente desconfiada, querendo saber o que estávamos fazendo ali”, lembra Mônica, que coordenou esse trabalho de aproximação no município. Para ela, a resistência não é uma prerrogativa miguelense. “Avaliação e diagnóstico não fazem parte da cultura educacional brasileira. Nossa experiência escolar é muito negativa com avaliação, então temos certa resistência”.
Por isso, a construção de sentido em um primeiro contato foi e é sempre tão importante, explica a pesquisadora. É nesse momento que as principais lideranças entendem o porquê de o projeto estar ali. E depois podem passar esse entendimento adiante. A tecnologia social adotada precisa considerar essa subjetividade, pontua Mônica.