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Coletivos trazem causas da nova geração para a escola

Escola Estadual de Educação Profissional Professor José Augusto Torres - Senador Pompeu (CE)
Escola Estadual Sebastião Pereira Machado - Piranguinho (MG)

RESUMO DAS EXPERIÊNCIAS

  • Para discutir preconceito em Senador Pompeu (CE), meninas convidam professor para apoiá-las no coletivo Crespinianas;
  • Após realizar rodas de conversa em escolas e seminários, rede de Minas Gerais lança programa para fomentar o protagonismo estudantil;
  • Escola de Piranguinho (MG) vê 12 coletivos surgirem após alunos decidirem causas de seu interesse.

Jovens que procuram integrar o que aprendem em sala de aula com a realidade ou tentam trazer para a escola temas importantes para mudar o clima entre alunos têm encontrado nos coletivos um novo formato de representatividade. Esses grupos surgem tanto espontaneamente, sem interferência da gestão e de forma paralela ao grêmio, como partir do estímulo da própria escola. De uma maneira ou de outra, os coletivos representam um desafio para educadores e gestores, que precisam encontrar maneiras para dialogar e ter flexibilidade para tratar de questões feministas, raciais e sociais que normalmente não constam nos currículos tradicionais ou estão na agenda de debates das instituições de ensino.

A vontade dos jovens de abraçar causas que vão além do dia a dia e contribuem para a formação cidadã já foi identificada tanto na pesquisa Sonho Brasileiro na Política (2014), como também na Pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, que ressaltou a importância do contato com a comunidade como característica importante para a construção da escola dos sonhos dos alunos. Em busca de exemplos dessa nova realidade de representação estudantil, o Porvir se deparou com dois casos, no Ceará e em Minas Gerais, em que jovens movidos por causas têm mexido com as estruturas de suas escolas.

Geração espontânea

No exemplo cearense, a Escola Estadual de Educação Profissional Professor José Augusto Torres, localizada em Senador Pompeu (município de 26,5 mil habitantes a 273 km da capital Fortaleza) viu surgir o coletivo Crespinianas durante discussões da semana da Consciência Negra de 2015. Na pauta levantada por Giselle Viana, Yasmin Lima e Joyce Silva estava o combate à discriminação às meninas que tinham o cabelo crespo, o empoderamento feminino e a luta por representatividade na mídia. "Desde o começo, sempre pensamos em ir além dos muros da escola, ter uma visão ampla das coisas", diz Giselle, hoje com 17 anos e no 3º ano do ensino médio.

Para dar conta desse trabalho, as meninas convidaram o professor de sociologia Denis Lima. Ademais das pesquisas, o trio teve que realizar trabalhos de campo, que acabaram reforçando suas hipóteses iniciais. "Um ponto importante foi visitar os distritos da zona rural, porque uma coisa é ver nas grandes cidades, outra é ir a áreas mais afastadas. Você percebe como as meninas sofriam e chegavam a chorar na hora dos depoimentos", conta.

Para funcionar de maneira harmônica dentro da escola, o contato mais próximo com colegas respeita o horário de aula. "Já que não podíamos sair toda hora da sala, resolvemos fazer um canal no YouTube para todo mundo ver. Estamos em uma escola de tempo integral e na hora do almoço fazemos roda de discussões de assuntos que envolvem nossa temática, como estética e beleza, preconceito racial e a imposição da indústria cultural", explica a aluna.

Outra "crespiniana", Yasmim Lima, 18, também do 3º ano, diz que a atuação do coletivo busca sensibilizar também os meninos. "Quando a gente ia apresentar o projeto, era engraçado porque nos perguntavam se ele era só para as meninas crespas. Eu dizia que era para pessoas que se identificam e que querem abrir a mente a algo novo. No início, veio um menino, depois outro e hoje a gente vê o respeito que eles têm por nós".

Segundo a diretora Zeneide Gonçalves, o coletivo Crespianianas foi o primeiro que surgiu de maneira independente a conquistar visibilidade externa. "Temos jovens que estão se desenvolvendo na música, grupos de leitura e de robótica que são sugeridos pela escola. Agora esse foi sugerido pelas próprias alunas", conta.

Ao tentar explicar como a escola pode ter contribuído para despertar nas alunas a iniciativa de empreender, a diretora encontra possíveis motivações no currículo, que já é mais flexível dentro do ensino médio do Ceará. "Nós temos aqui na escola as disciplinas de projeto de vida, no 1º e no 2º ano, e de formação para cidadania, no 2º e no 3º. Foi aí que eu acho que despertou a ideia do projeto". Outro fator importante, segundo ela, é a proximidade do professor com os estudantes. "O Denis consegue uma sinergia com os alunos, dando voz e chance à participação de todos, com respeito à diversidade. O menino acaba se sentido à vontade e se desenvolvendo como ele quer. Não é mais o aluno como figurinista em sala de aula"

O professor Denis, por sua vez, diz que o importante foi respeitar o interesse das alunas. "O meu papel foi somente de orientação, porque o projeto cresceu em uma proporção tão grande que elas precisavam de alguém que as dissesse até onde poderiam ir e explicar as questões de conteúdo". NÃO CAIA NA ARMADILHA

Dois anos depois do início dos trabalhos, além de ouvir "Olha aí as Crespinianas" pelas ruas de Senador Pompeu, as meninas do coletivo não são um trio, mas um grupo. Hoje, elas participam das feiras de ciências estaduais, ganharam destaque graças ao Desafio Criativos da Escola e dizem ter conseguido mexer com velhos hábitos na cidade e na escola. "Essas feiras são para projetos fechados, onde as pessoas acham que é só ter um pensamento científico e pronto. Mas a gente leva algo que não é uma coisa só científica, mas social", diz Yasmin.

Estímulo da gestão

Em Minas Gerais, os coletivos começam a aparecer após uma determinação da Secretaria Estadual de Educação para que fossem adotadas ações para favorecer o protagonismo do jovem dentro das escolas. Segundo Cecília Resende Alves, superintendente de ensino médio, juventude e educação profissional, a adoção desse formato é resultado de dois momentos: rodas de conversa promovidas desde 2015 em escolas, regionais de ensino, e congressos destinados ao público jovem.

"Nós não dizemos o que eles devem fazer, mas demos condições para que começassem o debate. Temos que ser realistas, não tem uma escola de ensino médio em nosso país que acha grêmios estudantis ou coletivos algo legal, porque geralmente são excludentes, com professores e diretores organizando tudo", disse a representante da secretaria. NÃO CAIA NA ARMADILHA

Para convencerem gestores a adotarem uma nova postura, o governo de Minas Gerais elaborou um Programa de Convivência Democrática no Ambiente Escolar (clique para download), que demanda que todas as 2.236 escolas de ensino médio elaborem um plano específico para fomentar a participação dos estudantes. "O mais difícil no projeto todo é convencer a equipe gestora, porque a participação e o movimento dos coletivos podem virar castas para os meninos bonzinhos e que estudam bem".

Uma dessas escolas que atendeu ao chamado da secretaria foi a Escola Estadual Sebastião Pereira Machado, de Piranguinho, no sul do estado. Ali mesmo diante de um problema burocrático que retardou o recebimento de verba federal, o projeto chamou a atenção dos alunos que se dividiram em 12 coletivos que atendem os temas: luta contra o bullying, luta pela conscientização política, luta contra a intolerância religiosa, luta contra a homofobia, luta feminista, luta pela preservação ambiental, luta pelos direitos humanos e outros grupos em vulnerabilidade, luta pela valorização do meio rural, luta pelo direito à educação, luta contra a desigualdade social, luta pelo direito dos trabalhadores.

Para chegar a essas 12 lutas, a supervisora Vanessa Caberlim conta que primeiro teve que recorrer ao empréstimo do megafone do padre da cidade, que serviu para mostrar que os alunos tinham voz, e depois abriu mão das assembleias gerais em que poucos alunos falam. Na definição dos temas dos coletivos, todos foram convidados a preparar cartazes respondendo à pergunta "Se você fosse para a rua hoje por qual luta se mobilizaria?". Sala por sala, estudante por estudante, cartazes foram afixados nas paredes do salão da escola, com uma palavra, frase ou desenho. "A parede ficou cheia e deu um trabalho porque só pela manhã são 400 alunos e todos participaram", lembra Vanessa, que após tabular e identificar interesses comuns, ainda passou pelas salas de aula pedindo para que cada um entrasse no grupo que quisesse.

A mudança é grande, especialmente quando comparada à maneira com que a escola funcionava até recentemente. "Estamos acostumados a separar um tema por sala, mas quando se separa por interesse, entram cinco alunos de uma sala, cinco de outra, de outra… e para reunir esses coletivos dá trabalho, até porque alguns professores ficam bravos quando é necessário chamar aluno em sala de aula". NÃO CAIA NA ARMADILHA

Para os estudantes, a novidade fez com que velhos hábitos, que sempre foram adotados, mas ninguém sabia muito bem por que, fossem revistos. "Houve uma diversidade nos coletivos porque eles reúnem alunos do 9º ano (do fundamental), do 1º, 2º e 3º (do ensino médio) e tem uma diferença de idade grande. Fazer com que tantas pessoas seguissem a mesma ideia foi muito legal", diz Bárbara Guimarães, 17, do 3º ano, integrante do coletivo feminista e diretora cultural do grêmio escolar.

E como diferenciar a atuação do grêmio e dos coletivos? No primeiro, uma vez definida a chapa, cada um já tinha seu papel definido. Agora tudo parece mais fluido. "A gente está tentando quebrar uma hierarquia. Nas nossas reuniões não fica mais aquilo de o que a maioria decidir. A gente junta o que todos estão precisando e une o útil ao agradável", explica.

Apesar de reconhecer que pode haver sobreposição de funções, os alunos dizem que o formato de coletivos é mais eficiente que grêmios para trazer as lutas atuais para a escola. "A nossa cidade é muito pequena, tradicional e essa é uma maneira de abrir a cabeça. Quando a gente começou a conversar com os alunos, muitos deles tinham ideia diferente daquilo que a gente queria passar, porque certos preconceitos eram vistos como normais e vinham de dentro de casa", diz Ana Luísa Mota, do 3º ano, outra integrante do coletivo feminista. Sua colega Suzana Azevedo, 17, do 2º ano, diretora de imprensa do grêmio, vai além: "O jovem tem que abrir a cabeça enquanto é tempo e a escola tem que ser essa base".

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