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Democracia também
é coisa de criança

Escola da Prefeitura de Guarulhos Manuel Bandeira - Guarulhos (SP)

RESUMO DAS EXPERIÊNCIAS

  • Desde a educação infantil, temas que afetam diretamente os alunos são discutidos em um conselhinho;
  • Processo de escolha chega à sala de aula e dá origem a projetos;
  • Alunos se tornam mais críticos e prontos para levar a cultura da participação para outras escolas e a vida.

Participação se aprende desde cedo. No caso da Escola da Prefeitura de Guarulhos Manuel Bandeira, na Grande São Paulo, isso significa incluir alunos da educação infantil e do fundamental 1 no processo de decisão sobre como devem ser as aulas, o investimento de dinheiro, o recreio, as refeições ou as respostas à indisciplina.

A abertura para a gestão democrática na escola começou em 2013, com a chegada de uma nova diretoria e a sistematização do Projeto Político-Pedagógico da rede municipal. Inspirada na experiência do Projeto Âncora, escola de Cotia (SP), a gestão da Manuel Bandeira procurou criar ações que pudessem garantir a participação de todos os envolvidos nesse processo – alunos, pais, professores e comunidade – com objetivo maior de criar um território educativo.

Pouco a pouco, as questões extraclasse começaram a ser decididas pelas crianças até que hoje, mais autônomas, elas são capazes de fazer suas próprias reivindicações. Em lugar de um grêmio, a escola trabalha com representantes de classe que participam do conselhinho, que avalia propostas saídas das rodas de conversa em sala de aula. Uma vez aprovadas, essas sugestões chegam à assembleia geral para serem votadas por todos os alunos.

O Porvir acompanhou de perto a primeira sessão do conselhinho de alunos do fundamental 1 da parte da manhã após a volta às aulas do segundo semestre. Eram 8h30 de uma segunda-feira, os olhos ainda pareciam pesados e bocas abriam de tempos em tempos denunciando o sono quando a coordenadora Camila Tesche começou a ler as menções deixadas no cartaz "Precisamos aplaudir/Precisamos conversar", em que alunos elogiam ou pedem explicações sobre pessoas ou processos da escola. Naquele reinício das aulas, mereceram aplausos a diretora da escola Solange Adamoli, a professora de artes Jaqueline Nascimento e a professora Nerli do Nascimento, do 4º ano.

Logo em seguida, começaram os trabalhos para discutir cinco grandes questões previamente debatidas e devidamente relatadas nos cadernos, seja na letra bastão dos mais novos, ou com caligrafia mais desenvolvida, no caso dos representantes dos 4º e 5º anos. Pela ordem: ampliação do tempo do recreio, refeições seguindo o modelo self-service, uso de motocas na rampa por alunos da educação infantil, racismo, brinquedos do parquinho e demanda por mais interruptores de luz em sala de aula.

Por ser uma escola com três períodos, a Manuel Bandeira, conta com apenas quatro horas de aula. São dois horários para refeição, com 15 minutos cada, e as crianças tiveram que discutir como seria possível ampliar esse horário sem prejudicar o andamento das aulas. Mariana Cardeal, do quinto ano (que agora acontece em período integral), propôs abrir mão dos 15 minutos de parada pela manhã porque já tem uma hora de descanso à tarde. Lara Aguiar da Silva, do 3º ano, propôs que os 15 minutos fossem mantidos, mas sua turma pretendia comer em cinco minutos para poder brincar nos dez minutos restantes. Outra proposta, que acabou sendo vencedora na assembleia escolar, determinava que crianças que não queiram comer ou que já tenham terminado sua refeição podem ficar brincando no palco do pátio interno.

Para tentar solucionar a questão do desperdício, também foi discutida a volta do sistema de self-service para as refeições, que havia sido abandonado por problema elétrico (agora já solucionado). Lara foi direto ao ponto: "Eu nunca tinha ouvido falar desse self-service". A coordenadora teve que intervir e explicar. Venceu o sim, porque as crianças querem ter autonomia para se servir, mas com a condição de que todas teriam que experimentar novos sabores, verduras e legumes – e não só arroz. NÃO CAIA NA ARMADILHA

A conversa que durou cerca de 1h30 deliberou ainda que o parquinho teria os equipamentos atuais reparados, sem trepa-trepa, gira-gira ou até mesmo a montanha-russa e a área de bate-bate que o primeiro ano tanto defendia. Além disso, eles decidiram abrir mão de ter alguém controlando o uso das motocas da educação infantil e vão tentar evitar acidentes por meio da conversa e conscientização.

Acordo parecido foi estabelecido para casos de racismo presenciados na escola. Como cartazes com mensagens podem ser facilmente ignorados e bilhetes de advertência são pouco efetivos, segundo os próprios alunos, o combinado foi a retomada do trabalho com os cinco valores que estão estampados simbolicamente nas colunas do pátio interno e servem como pilares da filosofia da escola: autonomia, responsabilidade, respeito, amizade e conhecimento.

Escolher o que aprender

Na Manuel Bandeira, a proposta democrática também ecoa em sala de aula, com projetos desenvolvidos de acordo com o interesse dos alunos. "Fica mais gostoso aprender assim (por projeto), porque não tem aquela aula chata que você não vê a hora de acabar. No ano passado, o trabalho foi sobre relação sexual. A nossa professora estava grávida e a sala inteira decidiu fazer um projeto para explicar de onde vêm os bebês", lembra Mariana, do quinto ano.

Vitória Matos, que está no grupo de Mariana no projeto sobre vulcões, diz que ter a possibilidade de escolha nas mãos é que faz a diferença. "A gente acaba aprendendo bastante porque não é o professor que decide o projeto para a sala inteira e você precisa fazer mesmo quando não tem interesse naquele tema". Mesmo sem conseguir traduzir em muitas palavras, ela tenta se explicar melhor. "Você não fica 'Meu Deus, acaba logo, acaba logo!'. Parece que o professor faz uma mágica e plim! Agora você vai gostar dessa matéria".

Mas até chegar a esse ponto, professores tiveram que rever certos conceitos que aprenderam durante a formação inicial e colocavam em prática até a chegada do novo projeto pedagógico da Manuel Bandeira. "Até o professor levanta a mão em sala e espera sua vez para falar. No começo parecia que nossa mão ia cair. Você segurava a mão precisava de um poste para escorar, mas com o tempo percebe que eles vão aprendendo e ganhando autonomia", diz Giselle Rodrigues, professora do segundo ano, que admite que hoje não consegue trabalhar de outro jeito. "As crianças escolhem o que elas querem estudar e dentro disso a gente trabalha todos os eixos dos saberes (linguagem oral e escrita, linguagem matemática, natureza e sociedade). O bom de tudo isso é que você não precisa falar para o aluno que ele precisa ficar fazendo lição e se interessar mais. Ela já sabe disso porque foi ele quem escolheu".

A liberdade de escolha, porém, não impede correção de rotas. Com frequência, as crianças escolhem projetos relacionados a ciências e tecnologia. Por isso, a escola desenvolve três aulas especiais ao longo do ano que marcam a chegada de um novo ciclo ao apresentar temas às crianças por meio de vivências, vídeos e brincadeiras. Após literatura e cultura popular no primeiro semestre, o segundo ano voltou a tratar de tecnologia, porém com mais bagagem sobre tudo o que orbita o mundo dos celulares. "As crianças trouxeram celular e fotografaram tudo o que eles entendiam como sendo ciência, assistiram a filmes voltados à ciência e a partir disso fizeram votação e no final escolheram o celular. E aí começamos a perguntar para eles o que eles gostariam de saber sobre o celular. No começo, eles pensam que só vão estudar sobre o aparelho. Mas dá para trabalhar texto com português, preço e consumismo com matemática, sua história e de onde ele veio, que é geografia", diz Giselle.

Autonomia gera engajamento e aprendizagem

Mesmo na educação infantil, o foco no desenvolvimento da autonomia traz resultados dentro e fora de sala de aula. "Costumo dizer que estamos criando monstrinhos", diz Adelita Barbosa, professora de educação infantil. "Quem está há muito tempo consegue ver a evolução das crianças na forma de pensar e questionar. Você não consegue mais falar "agora a gente não vai" sem explicar o porquê".

A cultura da escola e os hábitos dos alunos geram algumas saias justas com professores substitutos que chegam com a receita de lousa cheia de conteúdo para alunos copiarem. Após um dia de licença a professora Nerli do Nascimento conta ter recebido uma ficha de reivindicações. "Eu falo para eles que eles não são obrigados a ficar sem conversar, até porque a aprendizagem precisa disso. Aí veio a eventual (substituta) e eles ficaram revoltados. Ela queria que eles ficassem quietos e eles não podiam nem tossir".


Todas essas mudanças na maneira de ensinar também trazem impacto nas avaliações. A professora Adelita, da educação infantil, diz que as carinhas (ou emojis) que pede para os alunos desenharem para dar sua opinião sobre as aulas hoje não são mais 100% de sorrisos :) e trazem também caretas :(, segundo ela, porque alunos perderam o medo de se posicionar e contestar. No terceiro ano, a professora Letícia dos Santos vê um processo parecido quando passa o questionário em que seus alunos precisam dizer se cuidaram dos materiais e como autoavaliam seus trabalhos e comportamento. "No começo, todo mundo responde sim para tudo. Até que eu expliquei o que era uma autoavaliação e agora surgem os 'às vezes'. Disse por favor, obrigado, com licença? 'Às vezes'".

O resultado para além das notas pode ser percebido rapidamente quando se escuta (algo tão comum na Manuel Bandeira) alunas como Mariana, que acumula anos como representante de classe, um papel que diz ter assumido para mudar aulas e atitudes. "Aqui é totalmente diferente. A gente que faz a escola". Ou ainda no depoimento de ex-alunos, como Andressa Oliveira dos Montes, hoje com 14 anos e estudante do 8º ano de uma escola estadual, para onde levou a ideia de criação de rodas de conversa e de representantes de sala.

"Nessa escola que estou agora, para conseguir as coisas, tem que ter participação da grande maioria, senão não consegue. No Manuel Bandeira, era só comunicar a representante de sala que ia para o conselhinho e falava", compara. Em termos práticos, essa diferença de abordagem se manifestou logo nos primeiros meses, por conta do sol forte que entrava pelas janelas na parte da tarde. "Eu e a outra representante sempre pedíamos a instalação de cortinas e recebíamos a desculpa de que estavam lavando ou comprando. Conversei com a sala e combinamos de colocar guardas-chuvas nas janelas. No dia seguinte, ficamos até impressionados, mas só a nossa sala tinha cortina. As outras turmas viram que nossa manifestação teve efeito e começaram a fazer o mesmo até que a escola realizou o serviço".

Segundo a jovem, a oportunidade de participar das decisões da escola acabou sendo decisiva para mudar também seu aprendizado. "Eu vou carregar todos os conselhos que me deram porque eu era uma menina que não tinha futuro, vamos dizer assim. Eu não participava de nada e ia só por obrigação. Quando fiz um projeto sobre depressão percebi que tinha condição de pôr em prática tudo aquilo que o Manuel Bandeira me ensinou".

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