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Participação resgata valor que alunos dão à educação

Colégio Estadual Professor José Souza Marques - Rio de Janeiro (RJ)

RESUMO DAS EXPERIÊNCIAS

  • Processo de escuta deu início a mudanças na escola mesmo diante da falta de infraestrutura;
  • Grêmio estudantil, conselho escolar e portas abertas aproximam alunos de toda a comunidade escolar;
  • Alunos acolhidos e participativos valorizam escola, e índices de reprovação diminuem após dois anos.

Se é na crise que surgem as oportunidades, pode-se dizer que no Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, em Brás de Pina, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), o diretor André Barroso soube aproveitar tudo o que enfrentou logo em seu primeiro ano de gestão para mudar a maneira como a escola de ensino médio via os alunos e se relacionava com a comunidade. Com um envolvimento crescente dos alunos nos processos de decisão, de quebra, conseguiu algo ainda maior, recuperar o valor que a educação pode ter em suas vidas.

Para entender como era o clima escolar e a percepção dos estudantes sobre a escola como um todo, uma das primeiras medidas de sua gestão iniciada em 2015 foi a realização de uma pesquisa. Em oito perguntas, os estudantes eram convidados a opinar sobre aprendizagem, professores, direção, merenda, infraestrutura e espaços. "Em nenhuma das questões a gente teve as respostas negativas. A merenda, item com respostas menos satisfatórias, ficou com regular e ótimo em mais da metade das respostas. Com a infraestrutura foi a mesma coisa, e 80% disseram que a infraestrutura era boa, mesmo a gente sabendo que não é. Eu olho para o prédio e sei que ele não é bom, mas acho que aquilo que o aluno tem em casa, de repente, é o parâmetro para olhar o que está aqui. Ele não conhece um bom para dizer", diz.

Pouco depois, em março, o diretor é quem seria testado. André teve que enfrentar a "revolta da merenda", que eclodiu após uma tentativa de organizar a fila de distribuição dos lanches. Na época, todos os alunos do primeiro ano estavam no período da tarde e dezenas deles disputavam espaço nos corredores apertados até que o diretor resolveu interromper os trabalhos. "Eles começaram bater na mesa e gritar: Queremos merenda! Queremos merenda! Queremos merenda! Cara, como vou resolver isso?", lembra o diretor. Com um microfone ligado a uma caixa de som, afirmou que por causa de uma minoria, toda a escola estava sendo responsabilizada. Para reorganizar as turmas, pediu para que todos voltassem para a sala de aula. "Um aluno subiu, depois outro e, no final ficaram 10, que eram os que estavam criando tumulto".

Desde aquele dia, ficou combinado que as turmas devem se reunir antes na pequena quadra da escola e aguardar a vez para fazer a merenda. Não houve mais episódios parecidos com aquele da revolta, mas o colégio ainda teria de enfrentar uma outra questão que colocava em risco sua própria existência: a ameaça de despejo.

Funcionando em um prédio dos anos 1960 que já abrigou uma instituição particular de ensino, a escola recebeu no final de 2015 a visita de um oficial de justiça com uma ordem de desocupação. Por lei, as atividades da escola não poderiam ser interrompidas, mas a chance real de não haver mais aulas no ano seguinte uniu a comunidade escolar e do entorno. A mobilização chamou a atenção da imprensa e da opinião pública, ganhou a página no Facebook Minha Escola Não Pode Acabar e, além do acordo entre o estado e o antigo proprietário, a escola entrou em uma nova fase. Em um discurso que reverbera entre alunos, ex-alunos e professores, todos atribuem as mudanças à postura do diretor.

Ex-aluno de escola pública, André começou a carreira de educador em 1994 e, em 2008, reencontrou a realidade que viveu como aluno ao ser aprovado no concurso para professor de filosofia da rede estadual. "Essa minha postura é uma ideia de resgate. Eu já vinha fazendo isso (escuta dos alunos) em sala, a aula fluía, os caras gostavam, mas fui percebendo que era pouco".

Em janeiro de 2015, após novo concurso, chegou à direção do José de Souza Marques, que fica encravado entre os bairros de Cidade Alta, Parada de Lucas, Braz de Pina, Morro do Alemão, Morro do Juramento e Irajá, em uma região que convive sob ameaça da violência e do tráfico de drogas.

Na conversa com o Porvir, André contou que a decisão por assumir uma nova função na carreira tem muito a ver com a ideia de "autorreparação". "Eu sofri as consequências da escola. Eu estudei em escola pública e percebi que ela não me completava. Se não fossem meus pais insistirem que a única saída para mim era a educação, eu não estaria aqui".

O grêmio e os novos diálogos

O processo de ressurgimento da escola se confunde com o do grêmio e do conselho escolar que se reúne a cada dois meses. Agora ex-aluna, Thaianne de Souza Santos, 19, continua a frequentar a escola para apoiar os atuais alunos. Ela acompanhou de perto o processo de transição e, à medida que a escola se abria, também subia nos quadros representativos. Tudo começou quando era representante de classe. "Às vezes, os alunos queriam pedir alguma coisa e não conseguiam porque colocavam o professor no pedestal. Nós fazíamos essa ligação para mostrar que eles também podiam, desde que houvesse respeito. Eles também tinham medo de entrar na sala da direção, por mais que o André e a Carol (diretora-adjunta) sejam superabertos", diz a jovem, que também passava tardes na escola ajudando amigos em sessões de reforço antes do colégio ter um profissional específico. "Foi muito bom quando colocaram um profissional para oferecer reforço porque durante o tempo que eu explicava as matérias percebi como a vida de professor é difícil".

Graças a essa proximidade com os colegas, foi convidada a integrar a chapa do grêmio que venceu a eleição após a chegada do novo diretor. "No grêmio, a pressão é maior para democratizar esses espaços com os alunos, fomentar debates, dizer por que é importante e colocar neles um sentimento de posse da escola". Mas até que a ideia de participação seja compartilhada por todos, a escola tem usado diferentes estratégias, incluindo algumas mais visíveis para os alunos, como o ponto no boletim. "A dificuldade é quebrar o primeiro gelo. Alguns são proativos e independente de ponto em troca vão ajudar. Outros não, que pensam sempre 'o que vão ganhar com isso?' e temos que negociar de alguma forma", diz a diretora-adjunta Ana Carolina Garrido.

Thaianne, no entanto, diz que o grêmio deve ir por outro caminho e compreender que precisam de apoio para desenvolver projetos e ter uma atuação significativa. "Eu chegava dizendo que não tinha nada a oferecer, mas precisava muito que eles entendessem por que participação era tão importante. Eu via melhora, mas não tinha pressa. Não dá para impor a participação ao aluno e dizer que agora ele é o protagonista e tudo está em suas mãos", diz.

O cuidado com a progressão ajuda a explicar, por exemplo, como Jéssica Carvalho de Abreu, 17, do segundo ano, se tornou a atual líder do grêmio estudantil. De alguém que inicialmente não queria "nada certo", mas sempre achou importante a participação do estudante, ela hoje comanda uma gestão que diz ter os pés no chão. Por mais que todos reclamem do calor que supera os 40ºC no verão, o grêmio pouco pode fazer para cobrar a instalação de aparelhos de ar condicionado porque a infraestrutura elétrica da escola é antiga e não suporta tamanha carga. A mesma coisa acontece com a merenda. Como a escola não possui cozinha, o lanche servido é composto quase sempre por frutas da época, pão, bolo ou biscoitos e sucos, achocolatados em caixinha ou iogurte.

Entre as medidas que "ajudam o aluno em seu dia a dia na escola", o caderno de intenções da chapa "Jovens em ação" de 2017 inclui três grandes propostas. No "Book Night", a sala do grêmio receberá parte das obras da biblioteca para que alunos do noturno consigam estudar (o espaço começou a fechar mais tarde por alguns dias e, por ora, o projeto foi engavetado). O plano para reciclagem de lixo, por outro lado, representa a expansão das atuações do grêmio para além da escola. "Primeiramente, a gente queria vender esse lixo separado, mas iríamos ganhar muito pouco. Então pensamos: por que não doar e ajudar a cooperativa? Iríamos ganhar separando o lixo e ainda iríamos ajudar outras pessoas, diz Jéssica. Um terceiro, chamado "Pegue por necessidade e doe por boa vontade" disponibiliza absorvente no banheiro feminino e evita o constrangimento de alunas terem que pedir na direção.

Em todos os casos, em maior ou menor grau, o grêmio teve seu poder de comunicação colocado à prova. Como a chapa é formada apenas por representantes do período da manhã, foi criado um revezamento para comunicar as iniciativas aos demais estudantes do período da tarde e da noite. No caso do banheiro feminino, a falta de colaboração para repor a caixa de absorventes pode fazer com que o projeto acabe. E a reciclagem também enfrenta dificuldades porque "nem sempre os alunos colaboram" e acabam usando os cestos errados, conta Jéssica. NÃO CAIA NA ARMADILHA

Oportunidades para alunos

Apesar disso, o progresso é perceptível. Jean Lucas dos Santos, 17, aluno do segundo ano que também participa do grêmio, usa como exemplo a presença de mais de 500 pessoas na edição deste ano da festa junina. "No ano passado, poucos alunos participaram e esse ano o número aumentou bastante. Todo mundo saiu satisfeito", diz o aluno, que também vê melhora no aspecto pessoal. "Se dou mau exemplo e fico conversando em aula, os outros vão falar 'Olha lá, é do grêmio!'. É só um cargo, mas procurei melhorar por conta disso".

E não é só no círculo de alunos pertencentes ao grêmio que existe algo de novo acontecendo. Hoje no terceiro ano, Maria Roberta Borges, 18, tinha um "histórico horrível" e sempre ouvia pelos corredores que uma hora ou outra chegaria um pedido de transferência de escola. "Eu perturbava, não aguentava ficar dentro de sala de aula, não queria estudar. Com o tempo, professores e diretores foram conversando comigo e fui vendo que aqui existe muita oportunidade para os alunos e fui melhorando". Para convencer a classe durante a escolha do representante, diz que sua "facilidade de comunicação" pesou muito e isso a ajuda a mediar desde tarefas da festa junina até questões de sala de aula. "Tive uma matéria que a professora dava muita aula em slide e os alunos estavam pedindo mais revisão. Fui conversar com ela e avisar que os alunos não estavam aprendendo daquele jeito".

Envolvimento de professores e familiares

Entre os professores, a abertura à participação também é vista de maneira positiva. Em alguns casos, esse movimento trouxe ganhos de materiais que podem ser usados em aula, como no caso da sala de informática, que foi construída com a ajuda da comunidade. "Eu assisto muito em alguns programas de TV que as escolas que mais deram certo e que todo mundo briga para estudar são aquelas em que houve um envolvimento de professores, da direção, dos pais e de toda a comunidade escolar. Quando isso acontece, a escola só tem a dar certo e é isso que eu vejo que o André está fazendo", diz Alexandre Dutra, professor de matemática. "A partir do momento que aluno aprende a gostar da escola, ele vem com outro espírito para aprender".

Erick de Oliveira, professor de filosofia, diz que a postura tem impactado também a participação dos pais no dia a dia escolar. "Tenho percebido um aumento na quantidade de familiares que vem até as reuniões. Essa maior participação dos alunos também faz com que os pais tenham maior consciência e queiram participar da educação de seus filhos."

Resultados após dois anos

No terceiro ano de gestão, a política de participação, acolhimento e inclusão já faz a escola reduzir os índices de reprovação. De maneira mais precisa, em diversas turmas os números de aprovações diretas passaram a superar o de reprovação ou reprovação com dependência. No curto prazo, também está prevista a participação dos alunos no projeto político-pedagógico – o famoso PPP. Do lado de fora, enquanto comerciantes recebem alunos, a comunidade comparece às feijoadas que geram receita para os projetos do grêmio.

"Eu não vou me cansar. Quando você vê uma reunião com 27 alunos, você vê que tem jeito sim. No ano passado, teve uma aluna que passou em psicologia na UFRJ. Isso é uma vitória que não tem preço e isso é o que me alimenta. Eu falo sempre que não gosto da exceção, mas enquanto a gente não pode ser a prática, a exceção também vale. Mas eu trabalho sempre para que a escola pública seja o lugar de excelência porque é nela que estão 82% dos estudantes brasileiros. Se a gente não faz essa escola um lugar bom, de excelência, é porque a gente não quer construir um país de excelência. Ou a gente melhora ou significa que é uma política para que não funcione".

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