Incomodado com o mato alto que crescia no jardim da Escola Cidadã Integral Crispim Coelho, em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba, o estudante Filipe Cândido Soares Abrantes, 15, começou a pensar em soluções de baixo custo para resolver esse problema. Foi daí que surgiu uma ideia: “Eu tinha um liquidificador parado lá em casa. Peguei esse motor, amarrei um cabo de vassoura e fiz um cortador de grama”, conta o jovem que está no primeiro ano do ensino médio.
Depois de já construir um braço hidráulico, consertar ventiladores e montar um museu para preservar a história da escola, agora Filipe está em fase de pesquisa para construir um ventilador mecânico para pacientes com Covid-19. Essas e outras ideias foram desenvolvidas pelo estudante durante a disciplina Colabore Inove, que desde 2018 está sendo implementada no currículo das Escolas Cidadãs Integrais e Técnicas da rede estadual da Paraíba.
Em contato com conceitos de empreendedorismo, ferramentas de planejamento e práticas de gestão, durante o primeiro ano do ensino médio os estudantes são estimulados a trabalhar em equipe e desenvolver projetos para contribuir com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). “Nós estruturamos o coração da disciplina em uma perspectiva de trabalhar o empreendedorismo na educação, mas com esse caráter da responsabilidade social”, explica a professora Luiza Iolanda Cortez, integrante da equipe pedagógica da Comissão Executiva de Educação Integral da Paraíba.
A proposta de trazer o empreendedorismo social para o currículo surgiu em 2017, quando Iolanda e a colega Giovania Lira participaram de um intercâmbio na Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere (TAMK), na Finlândia. A viagem foi custeada pelo programa Gira Mundo, criado pelo Governo do Estado da Paraíba, por meio da Secretaria Estadual da Educação e da Ciência e Tecnologia (SEECT), para incentivar o mapeamento de metodologias educacionais inovadoras em diferentes países.
“Na cultura finlandesa, nós percebemos como o empreendedorismo é um conceito que perpassa toda a educação básica e segue para o ensino superior. Ele está presente no cotidiano e ajuda a desenvolver não apenas competências cognitivas, mas também socioemocionais”, observa Iolanda.
Estimuladas por essa proposta, em 2018 as educadoras construíram uma unidade curricular nas escolas cidadãs integrais em que trabalhavam, a ECIT (Escola Cidadã Integral Técnica Estadual) Presidente João Goulart, em João Pessoa, e a ECI (Escola Cidadã Integral ) Severino Cabral, em Campina Grande. “Ela integrava a fazia parte da parte diversificada do currículo. Era um componente curricular que durava seis meses e era oferecido aos estudantes do primeiro ao terceiro ano do ensino médio”, conta a educadora.
O projeto piloto deu certo, e em 2019 foi expandido para noventa escolas integrais da rede. A partir da experiência de implementação de uma eletiva semestral, a Colabore Inove se transformou em uma disciplina ofertada ao longo do primeiro ano do ensino médio. “Já no primeiro bimestre, ela foi um grande sucesso nas escolas. Os estudantes das outras etapas também falavam que queriam ter essa experiência”, recorda Aldileia Gonçalo da Silva, coordenadora do Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) na Paraíba.
O currículo dessa disciplina, que atualmente está presente em 123 escolas da rede, foi construído a partir de quatro pilares fundamentais: 1) O desenvolvimento de competências, como criatividade, inovação e colaboração; 2) O uso de metodologias ativas na educação, incluindo propostas como a educação baseada em problemas e projetos; 3) O estímulo ao compromisso social, que visava desenvolver nos jovens um senso de responsabilidade com a sua comunidade e com o mundo; e 4) O protagonismo dos professores e dos estudantes.
Implementação na escola
Situada no sertão da Paraíba, a Escola Cidadã Integral Crispim Coelho foi uma das noventa instituições selecionadas para dar início ao processo de implementação da nova disciplina. Nesse período, após mais de meio século de existência, a escola tinha acabado de passar por uma reforma para adotar o modelo da educação integral. “Foi um período muito difícil para nós, mas os professores vestiram a camisa e ajudaram a organizar tudo para receber os estudantes”, lembra a diretora Elizângela Paiva.
Em um contexto de transição, no qual muitos jovens e famílias estavam desacreditados em relação a nova proposta da escola, a Colabore Inove integrou um conjunto de ações para conquistar o engajamento da comunidade escolar. “Nós começamos a ver uma diferença nos estudantes, porque eles só queriam alguém que pudesse acreditar neles. Eles não eram ouvidos, mas agora começaram a experimentar um novo patamar de protagonismo”, afirma.
Inicialmente, foi um desafio para a escola implementar um disciplina que tinha a proposta central de trabalhar colaboração, criatividade e empreendedorismo. “ Tivemos que estudar muito, mas a secretaria ajudou bastante com o envio de materiais”, conta a educadora Josevania Oliveira. Como coordenadora pedagógica, ela teve o papel de identificar o professor que tinha o perfil mais adequado para colaborar com a proposta.
O escolhido para essa missão foi o professor de física Renato Nunes. “Ele já trabalhava com a pedagogia de projetos, que é uma uma das metodologias utilizadas pela ‘Colabore Inove’. Quando fiz o convite, ele aceitou o desafio”, destaca Josevania.
Ao topar a experiência, que inicialmente trouxe aquele ‘frio na barriga’, o professor de física conta que as formações promovidas pela secretaria de educação foram fundamentais para apoiar o processo de implementação da Colabore Inove na escola. “Eu sempre vi muito potencial nessa disciplina. Tenho certeza de que ela vai servir de modelo para todo o Brasil”, afirma o professor, orgulhoso pelos resultados que os estudantes têm alcançado.
Atualmente, a disciplina compõe duas horas de aula semanais. O percurso formativo tem início com um processo de autoconhecimento e reflexão sobre o próprio projeto de vida. “Depois começamos a trabalhar com problemas que estão próximos dos alunos ou que fazem parte da realidade mundial. A partir daí, eles se juntam em equipes para desenvolver um projeto”, detalha Renato.
Estudante do segundo ano do ensino médio, Francisco José Ferreira da Silva ,18, recorda que a chegada dessa proposta foi vista com desconfiança pelos colegas. “No começo, a gente não queria fazer isso, não queria fazer mais um projeto”, diz. No entanto, bastou o incentivo do professor e algumas aulas trabalhando em equipe para que eles pudessem perceber que poderiam contribuir com a melhora da sua comunidade.
Desde então, Francisco José já colocou a mão na massa para desenvolver diferentes produtos e serviços, como o óculos para deficientes visuais e o corte solidário, um evento para oferecer corte de cabelo gratuito aos alunos e vizinhos da escola que não tinham condições de pagar. “Eu achei que a Colabore Inove não iria funcionar, mas ela me ajudou a fazer amizades novas com pessoas que eu não tinha contato. Eu era um pouco anti social, não gostava muito de sair e conversar. Agora consigo me soltar mais e passo mais tempo com os meus amigos da escola”, avalia o estudante.
Itinerário integrado do Novo Ensino Médio
Por esses e outros resultados alcançados por estudantes e educadores que trabalharam com a disciplina, a proposta agora é que a Colabore Inove se expanda para o currículo de todas as escolas da rede estadual da Paraíba. “Como tivemos uma resposta muito positiva, essa experiência foi trazida para a construção dos itinerários formativos do ensino médio”, destaca Luiza Iolanda Cortez.
Nesse momento, a secretaria está em processo de redação de um itinerário formativo integrado, que traz as contribuições de profissionais de todas as áreas de conhecimento para identificar como trabalhar criatividade, empreendedorismo e inovação no currículo do ensino médio, a partir de tópicos e discussões coletivas cotidianas, como saúde, alimentação, ecodesign e sustentabilidade. “Em breve vamos colocar esse documento para consulta pública. Queremos ouvir a resposta dos professores e das partes interessadas sobre o que nós produzimos.”