No primeiro dia de aula da eletiva de Empreendedorismo Social, a professora Lidia Caxa apresentou a disciplina, mostrou o plano de aulas e, no final, perguntou aos 36 estudantes quais deveriam ser os critérios de avaliação. “Eles mesmos foram apontando: presença na aula, entrega do que foi pedido, participação nas atividades, dar ideias e sugestões, fazer a apresentação final”, conta ela, sobre o que ouviu dos próprios alunos que cursaram a disciplina em 2018.
Coube à Lidia, que é professora de filosofia e sociologia, e a sua colega Camila Nogueira, docente da área de matemática, referendar os critérios de avaliação levantados pelos alunos e formalizá-los. A disciplina foi oferecida pelas duas docentes a estudantes dos três anos do ensino médio da escola Jardim Buscardi, em Matão, interior de São Paulo, uma escola de tempo integral.
Durante um semestre, os estudantes tiveram algumas aulas teóricas sobre empreendedorismo social e sustentabilidade. Na sequência, se dividiram em grupos, fizeram pesquisa de campo e criaram seus projetos. No final da trajetória, apresentaram os resultados à comunidade escolar, em um momento de culminância.
Na rede estadual de São Paulo, as eletivas atualmente fazem parte da matriz curricular. Todos os alunos do segundo ciclo do fundamental e do ensino médio cursam uma eletiva a cada semestre. A oferta de eletivas varia de escola para escola, de semestre para semestre. No início de cada ano letivo, há um processo de acolhimento, em que professores e gestores escutam dos alunos quais são seus projetos de vida. A partir dos desejos dos estudantes, as eletivas são definidas.
O Empreendedorismo Social, assim como todas os componentes disciplinares eletivos da rede estadual de São Paulo, em vez de conceitos ou notas clássicas, teve a avaliação de acordo com o engajamento do estudante. São três conceitos possíveis: total, parcial ou insuficiente. Portanto, de partida, mais do que um projeto bem sucedido no final, o que contou para a “nota” foi o processo.
A avaliação contínua e somativa, feita a partir da observação das professoras, permitiu que as atitudes dos alunos pudessem ir se ajustando ao longo do semestre. A cada semana, os grupos precisaram entregar um relatório sobre o que foi feito, quais as decisões tomadas. “A gente percebe no processo quem não está se envolvendo, ou os próprios colegas indicam. Assim que percebe a falta de envolvimento de alguém, já encaminha para uma conversa, que pode ser com um colega, com a própria professora, ou com a coordenadora”, diz Lídia.
Embora os trabalhos tenham sido em grupo, a avaliação sempre foi pensada para ser individual. Essa decisão deu flexibilidade às aulas e abriu a possibilidade para que houvesse mudanças na configuração dos grupos no meio do trabalho. “Um grupo precisava construir uma estrutura de madeira para segurar um garrafão, mas não tinha ninguém que soubesse por a mão na massa. Eles convidaram um aluno que estava em outro grupo, que tinha esse tipo de experiência, e estava descontente no grupo dele. Conversei com a turma inteira; todos aceitaram a mudança”, lembra a professora.
Num curso de empreendedorismo social, professores e alunos precisam estar preparados também para a possibilidade de fracasso de algum dos projetos – e entender que, mesmo nesses casos, podem haver grandes aprendizados. “O mundo precisa de ideias, mas nem todas vão dar certo. Teve um grupo que queria produzir slime, mas não funcionou. Não deu certo por vários motivos: porque brigaram, demoraram para escolher qual seria o projeto, porque não se planejaram. Eles fizeram essa análise e também se apresentaram no dia da culminância, contando para todos por que não deu certo”, diz a professora.
Mais do que conseguir uma boa nota, Lidia acredita que a grande motivação dos estudantes é o dia de mostrar o resultado para as famílias. “É um dia em que toda a escola mostra para a comunidade o que foi feito, como uma feira. Eles mesmos organizam o espaço, montam tudo e chamam as famílias. Depois, alguns grupos foram até apresentar para outras escolas em uma feira de ciência”, afirma a docente.
Para Adryan Marques, hoje com 17 anos, um dos estudantes que cursou empreendedorismo social em 2018, a experiência teve impactos para além da escola, e do próprio projeto que fez com os colegas. “Levo para a vida a importância de nunca desistir, a perseverança. A eletiva também me ajudou a desenvolver um lado social – eu tive dificuldade em fazer as atividades em grupo, porque antes sempre preferi fazer tudo sozinho”, conta ele.
O estudante confessa inicialmente ter estranhado receber conceitos de engajamento em vez de notas, mas hoje acredita que é a forma mais correta de avaliação para as eletivas. “Eu acho super certo porque mostra o quanto você se esforçou, o quanto estava disposto a fazer aquilo.“
Bruna Waitman, coordenadora do centro de mídias da Secretaria Educação do Estado de São Paulo, ressalta que as disciplinas eletivas fazem parte de um ideia mais ampla de educação, que tem o projeto de vida de cada aluno como a “espinha dorsal” da escola. “O projeto de vida é que vai trazer significado para toda a experiência do estudante. As eletivas são, portanto, um espaço para que os repertórios e a experiência da escola se conectem com os sonhos de cada um”, explica. Assim, só vai procurar a disciplina de empreendedorismo quem de alguma forma já tem interesse pelo tema.
Como as disciplinas eletivas têm a missão de responder a anseios reais dos estudantes, não há muitas padronizações. Os docentes têm liberdade para definir tanto o conteúdo a ser abordado, o plano de aulas, como as formas de avaliar. “O docente vai indicar quais as habilidades ele espera desenvolver e como vai monitorar. No fim, ele vai registrar tudo no sistema. O aluno cursa a eletiva, recebe o conceito e aquilo vai fazer parte do histórico escolar”, afirma Bruna.
A secretaria sugere alguns parâmetros que podem ajudar o professor a montar sua rubrica de avaliação. Eles são:
- O aluno se comprometeu com as atividades? Fez as entregas? Cumpriu as metas que colocou para ele?
- Como que foi conseguindo alcançar as metas? Planejou suas ações para isso?
- Ele interagiu com os colegas? Apoiou outros colegas a também atingirem os objetivos?
- Como foi dedicação e participação nas aulas? Desenvolveu as propostas apresentadas?
“A gente também propõe que o professor convide o aluno a se autoavaliar nesse processo”, recomenda Bruna. A educadora indica ainda que o professor tem de dar um feedback com frequência, para poder potencializar o engajamento do aluno. “A gente acaba olhando muito mais para o processo do que para o produto.”
O produto, contudo, ganha relevância durante a apresentação para as famílias e a comunidade escolar. “É o momento para o projeto sair do papel. A culminância acaba sendo uma forma de ter ele um feedback da relevância do produto que ele fez para a comunidade”, diz Bruna.