Dentre os 38 institutos federais existentes no país, desde 2015 o Instituto Federal do Paraná (IFPR – Campus Jacarezinho) começou a se destacar por uma mudança de paradigma. Localizado em um município agrícola com cerca de 40 mil habitantes, a instituição abriu mão da tradicional divisão por séries e disciplinas para conectar sua proposta educacional à realidade local e às demandas do mundo contemporâneo. Por lá, os projetos de pesquisa e extensão estimulam o olhar para a comunidade e a busca por soluções inovadoras para desafios do cotidiano.
“Desde que eu comecei a estudar no IFPR, tive outras ideias e maneiras de ver como as coisas funcionam na minha região”, observa Maria Clara Rezende, 19, que desenvolveu como trabalho de conclusão de curso um sistema de segurança e monitoramento de objetos para ser utilizado em processos industriais. “Com todos os projetos, eu tenho visto muitos amigos que conseguiram fazer estágio e se inserir no mercado de trabalho antes mesmo de se formar”, relata a estudante, que desde do início do curso passou a ter um olhar mais sensível para as questões do território.
A transformação do projeto pedagógico do IFPR Jacarezinho, que possibilitou uma maior conexão com as demandas locais, teve início em 2014. Na época, a equipe de gestão e os professores identificaram que os jovens estavam sob forte estresse. “Tínhamos estudantes que não estavam dando conta. Imagine ter de 12 a 16 disciplinas com professores mestres e doutores pedindo trabalhos com nível de graduação. Fora outras pressões, como o vestibular e o ENEM”, recorda o professor David José de Andrade Silva, que participou do processo de mudança do currículo.
Nesse período, além dos discentes estarem sobrecarregados, a instituição passava por um período de declínio de investimento do governo federal. Em um cenário em que 80% dos estudantes eram cotistas (por fatores econômicos, sociais, de raça, entre outros), a perda de recursos também estimulou uma reflexão sobre como continuar oferecendo apoio para os jovens permanecerem na escola e levarem para a comunidade os benefícios dos seus estudos e pesquisas.
ara conectar a educação com as novas demandas e desafios enfrentados pelos jovens, a instituição investiu em um modelo curricular que promove a autonomia dos estudantes e estimula a autoria. “Construímos um currículo fluido e dinâmico, em que as áreas dialogam entre si e são contextualizadas”, conta Rodolfo Fiorucci, diretor do IFPR Jacarezinho.
Sem uma estrutura tradicional de disciplinas e séries, o currículo do ensino médio integrado ao técnico passou a ser organizado em 160 unidades curriculares. Os estudantes podem escolher o que desejam estudar para cumprir 810 horas em cada um dos eixos ligados às ciências da natureza e matemática, ciências humanas e linguagens. Em média, os jovens passam quatro anos na escola, tendo liberdade para se formar em mais ou menos tempo, conforme completam a carga horária.
Dentro dessa estrutura, ao invés de aulas de 50 minutos, os estudantes participam de encontros de uma hora e meia, onde aprendem por meio de experimentos, trabalhos em grupo, debates e visitas de campo. Os projetos e os desafios são parte importante do processo de aprendizagem, possibilitando que os jovens desenvolvam competências e apliquem o seu conhecimento em prol do desenvolvimento do território.
“Não queremos formar os estudantes apenas para que eles se desloquem para os grandes centros urbanos, mas para que eles permaneçam aqui e contribuam com o desenvolvimento da região”, afirma a professora de física Maria Fernanda Bianco Gução, coordenadora de pesquisa e extensão do IFPR Jacarezinho.
Desenvolvimento local
Para gerar um impacto sistêmico no território, em parceria com empresas, entidades de serviços, instituições financeiras, órgãos públicos, representantes de instituições religiosas e outras instituições de ensino, o IFPR participa do Sistema Regional de Inovação do Norte Pioneiro do Paraná e do Comitê Gestor de Desenvolvimento, que aposta na inovação, na educação e no empreendedorismo como um caminho para o desenvolvimento sustentável da região. “Como instituição de ensino, nós somos responsáveis por plantar essa sementinha da cultura de inovação e do empreendedorismo nos estudantes”, destaca Maria Fernanda.
Com o propósito de atender às necessidades locais, em parceria com o Sebrae ( (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o campus Jacarezinho também promove a feira GeniusCon, que é considerada um dos maiores eventos de inovação, tecnologia e empreendedorismo do norte do Paraná. Durante o ano, os estudantes têm a oportunidade de participar de trilhas de startup que ajudam ter ideias para apoiar o desenvolvimento da região. Em contato com agentes do ecossistema, eles aprendem sobre o conceito de startup, design thinking e canvas, além de construir um plano de negócios e montar um pitch para defender a viabilidade do seu projeto.
O estudante Rafael Junior de Oliveira, 18, começou a participar da trilha de startup deste ano já com uma proposta em mente. A partir de uma conversa com um pequeno agricultor, que é amigo do seu pai, ele identificou uma demanda local e teve a ideia de criar um aplicativo para ajudar empregados autônomos a encontrarem empregos no meio rural. “Aqui na região não temos falta mão de obra, mas falta organização”, conta.
Na avaliação do jovem, a busca por alternativas inovadoras para resolver desafios locais é uma grande contribuição que o IFPR traz para os estudantes. “Desde o primeiro ano, os professores nos falam que devemos ter um olhar crítico diante da nossa realidade”, lembra .
Caminho do empreendedorismo social
No IFPR Jacarezinho, o olhar crítico para a realidade do território aparece em diferentes unidades curriculares. “Nós mostramos para eles as nossas necessidades, oportunidades e potencialidades, que também são muitas. Aí chegamos no empreendedorismo social e vamos trabalhar a resolução de problemas”, explica a professora da unidade curricular de empreendedorismo Danusa Freire Costa Diniz.
“O que queremos com tudo isso é que os estudantes tenham uma atitude empreendedora. Também acontece de alguns deles terminarem o ensino médio e abrirem seus próprios negócios, mas o nosso objetivo principal é que eles desenvolvam a capacidade de resolver problemas, questionar e se impôr diante de uma situação”, analisa a professora.
Os resultados da proposta de aprendizado também são percebidos pelos estudantes que estão no ensino superior, como é o caso de Hugo Fernando Yamanaka, que está no terceiro ano de Engenharia de Controle e Automação do IFPR Jacarezinho. “Com todos os projetos, a gente consegue ver a teoria de forma prática”, aponta. Ele também conta que as experiências vividas na instituição reforçam o compromisso social dos estudantes com o seu território. “Os pequenos e médios agricultores sofrem muito com a falta de recursos e de investimento na tecnologia. O curso veio para agregar nas rotinas deles, não somente dos fazendeiros.”