Jovem de 16 anos se une a colegas para valorizar estética negra na escola - PORVIR
Crédito: liyavihola/Fotolia.com

Inovações em Educação

Jovem de 16 anos se une a colegas para valorizar estética negra na escola

'Projeto Solta esse Black' combate o machismo e o racismo em escola municipal do Rio de Janeiro

por Marina Lopes ilustração relógio 8 de março de 2017

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Série Protagonismo Jovem

Lydianne Ribeiro é uma adolescente que se ama. Aos 16 anos, tem orgulho de exibir o black power loiro, hoje encarado como um dos maiores símbolos da sua identidade: “Isso aqui são os meus ancestrais. Eu nasci com essa coisa linda e não posso arrancar de mim”, diz em tom de satisfação. Mas quem vê tanta autoestima, não imagina que nem sempre foi assim para a estudante e moradora do Complexo do Chapadão, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Apesar de nunca ter feito um alisamento químico, a infância dela foi marcada por inúmeras tentativas de reduzir o volume. Hoje, essas experiências se converteram em motivação para ajudar outras colegas da escola a valorizarem o seu cabelo natural.

Com o projeto “Solta esse Black”, ela se uniu a outras adolescentes para combater o machismo e o racismo dentro da Escola Municipal Levy Miranda, localizada no bairro da Pavuna. Há quase dois anos, as estudantes organizam palestras sobre preconceito, debatem o que é ser mulher na sociedade atual e fazem oficinas de confecção de turbantes, penteados afro ou até mesmo cuidados com o cabelo crespo. “A gente não trata só de cabelo, mas também da estética da menina negra. O projeto trabalha aceitação, autoestima e motivação”, explica Lydianne, que continua envolvida na causa mesmo depois de ter mudado para o Colégio Estadual Hilton Gama, em São João de Meriti, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde cursa o primeiro ano do ensino médio.

foto01Crédito: Reprodução/Criativos da Escola

As atividades giram em torno da troca de conhecimentos e de experiências vividas pelas meninas. A ideia é mostrar que elas não estão sozinhas para enfrentar questões do seu cotidiano. “A menina negra já cresce um pouco ferida. Ela passa por coisas que a ferem durante a infância e adolescência. Quero que elas encontrem o apoio que eu não tive anos atrás”, afirma a adolescente, referindo-se ao momento em que disse sim ao volume do cabelo.

A aceitação dos cachos só veio aos 12 anos, depois que Lydianne decidiu usar tintura pela primeira vez. “Quando eu olhei no espelho e vi meu cacho destacado pela cor, comecei a gostar. Eu já pintei várias vezes, mas sempre volto para o loiro porque me faz lembrar do momento em que eu comecei a gostar de mim.” Foi nesse período que ela também se reconheceu enquanto mulher negra. “Eu não me via como preta, falava que eu era morena. Ainda não tinha conhecimento sobre o que era ser negra ou ser branca”, recorda.

O desejo de assumir o black power como um símbolo da sua identidade surgiu anos mais tarde, lá no início de 2015. Inspirada por youtubers que falavam sobre cuidados com o cabelo, ela passou a tesoura nos fios. No mesmo ano, por incentivo da professora de artes Pâmela Souza, a adolescente chamou as amigas Ana Lorrane Barbosa e Amanda Gonçalves para organizarem uma atividade no Dia da Consciência Negra (20), em novembro.

foto02Crédito: Reprodução/Facebook

Com a ajuda de uma equipe, ela e as colegas passaram de sala em sala convidando as meninas para uma conversa. “A gente fez uma palestra sobre cuidados com cabelos cacheados e depois organizamos uma apresentação para elas dançarem. Na verdade, isso foi só uma estratégia inicial para juntar elas”, conta a estudante carioca, que também passou a contar no projeto com a ajuda e participação das amigas Layz Fernanda da Silva, Camila Santos, Brenda Marcelli Rodrigues e Dhandara Silva.

Para a apresentação de dança na escola, foi escolhida a música “Sou Poderosa”, da cantora carioca Lellêzinha. “Bem-vinda ao mundo das mulheres lindas. Vai fazer bem pra você conhecer o seu poder”, sauda a canção. Antes de serem embaladas pelo ritmo do passinho, as estudantes foram para uma pequena sala da escola para se arrumar e cuidar dos cabelos. “Só tinham três meninas me ajudando a preparar as demais, mas no final uma começou a cuidar da outra. Quando a gente foi ver, estava todo mundo se maquiando e se amando.”

A gente não trata só de cabelo, mas também da estética da menina negra. O projeto trabalha aceitação, autoestima e motivação

Semanas depois da atividade, ela conta que algumas meninas começaram a aparecer na escola com o cabelo natural solto. “Foi aí que a gente começou a ver que o trabalho tinha resultado. De lá para cá, o “Solta esse Black” começou a crescer. No ano passado, o projeto criado dentro da Escola Municipal Levy Miranda foi um dos vencedores do desafio Criativos da Escola, que premia iniciativas transformadoras protagonizadas por jovens de todo o país. Dentro de dois meses, ela e as colegas também vão organizar o seu primeiro evento, o Encontro de Cacheadas(os): #SoltaEsseBlack.

Apesar de ainda não saber exatamente qual carreira deseja seguir, Lydianne tem a certeza de que deseja trabalhar com pessoas para levantar o debate sobre questão racial, preconceito, estética negra e valorização da mulher. “Eu vou continuar fazendo isso. Quero ver o projeto crescer e chegar a outras escolas para ajudar mais garotas. As pessoas não esperam nada de bom da favela, mas a gente veio para quebrar esse tabu.”

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Este conteúdo faz parte da série Protagonismo Jovem. Mensalmente você irá conhecer histórias de jovens brasileiros que desenvolvem projetos de impacto social para transformar suas escolas e comunidades.


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diversidade, ensino fundamental, ensino médio, gênero, Série Protagonismo Jovem

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