Participação de Estudantes: Uma Experiência Pessoal - PORVIR
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Participação de Estudantes: Uma Experiência Pessoal

Com base na sua trajetória, Anna Penido, diretora Instituto Inspirare, conta como a participação dos estudantes pode dar mais sentido à aprendizagem e preparar para a vida

por Anna Penido ilustração relógio 5 de outubro de 2017

A efetiva participação dos estudantes melhora a escola, dá mais sentido à aprendizagem e prepara para a vida. Faço essas afirmações com a convicção de quem vive essa verdade desde o início da adolescência.

Eu tinha 16 anos quando me juntei a um grupo de colegas para atuar como voluntária no meu primeiro projeto social. A essa altura, já tinha ocupado quase todos os espaços de participação na minha escola. Fui líder de classe, integrante do grupo de teatro e monitora dos encontros de jovens que aconteciam nos finais de semana. Montei um time de handebol, apresentei o festival de música e, para meu deleite supremo, fui duas vezes líder de gincana.

Meus professores hão de me perdoar, mas essas experiências foram mais relevantes para a minha formação do que as aulas que assisti. Claro que saber escrever bem me abriu caminhos e que os conhecimentos de história e matemática ampliaram a minha capacidade de pensar criticamente e resolver problemas. Mas, sinceramente, não sei o que faria com tudo isso se não fossem as oportunidades que me estimularam a criar, propor, liderar, empreender e exercer a minha cidadania.

Quando me juntei aos amigos do Grupo Fermentão para realizar atividades de recreação com crianças em uma comunidade popular de Salvador, na Bahia, não sabia que me lançava em um caminho sem volta. Em meados dos anos 1980, a região ainda não tinha saneamento, nem pavimentação. Por essa razão, as crianças que participavam das nossas brincadeiras viviam cobertas de poeira. Quando estávamos com eles, seus beijos e abraços enchiam as nossas camisetas de pequenas impressões digitais, que ficaram para sempre gravadas na minha alma.

Decidi ser jornalista para dar visibilidade a essas populações excluídas, mas logo percebi que seria mais transformador oferecer aos adolescentes e jovens dessas comunidades as mesmas experiências que tive o privilégio de desfrutar. Acreditava que, dessa forma, eles teriam o estímulo e a capacidade necessária para construir as suas próprias narrativas e mudar a sua realidade.

Como projeto de graduação na faculdade, produzi um jornal com e para jovens, que falava de sexualidade e cidadania, entre outros temas importantes para eles naquela época. Depois da formatura, aprofundei minhas experiência no que passamos a chamar de educação pela comunicação.

Organizávamos oficinas para que a garotada pudesse se desenvolver enquanto elaborava peças e campanhas comunicativas para educar seus pares, defender seus direitos e melhorar suas comunidades. Também sensibilizávamos veículos de comunicação voltados ao público adolescentes, para que fossem mais relevantes e fortalecessem a participação juvenil. Queríamos vencer dois estigmas: o de que a mídia seria necessariamente alienante e o de que a mídia educativa seria necessariamente desinteressante.

Foi assim que nasceu a CIPÓ – Comunicação Interativa e os muitos programas e ações que criamos para promover a atuação dos jovens de Salvador como agentes de comunicação para o desenvolvimento. Esse também foi um dos princípios que orientou a participação dos adolescentes na Plataforma dos Centros Urbanos quando trabalhei no UNICEF. Inesquecível o dia em que um grupo deles foi à Prefeitura de São Paulo para uma audiência pública juvenil, em que apresentaram suas propostas para o Plano de Metas do prefeito recém empossado.

No intervalo do ano sabático que passei na Universidade de Harvard, vendi meu carro, comprei uma passagem “volta ao mundo” e visitei seis países em cinco continentes para realizar oficinas de mídia com jovens. O objetivo era entender o que fortalecia ou dificultava a sua participação como agentes de mudança na família, escola, comunidade e nos meios de comunicação.

Estive com grupos de jovens imigrantes vivendo em bairros periféricos na França, com moradores de uma comunidade da África do Sul que foi palco de um dos maiores massacres do Apartheid, com voluntários que criaram uma escola para crianças empobrecidas em Bangladesh, com jovens maori na Nova Zelândia, com pacifistas no México e com afro-americanos no sul dos Estados Unidos. Independentemente de sua nacionalidade, cultura ou condição socioeconômica, a grande maioria deles se sentia incompreendida e subestimada por suas famílias e escolas, ignorada ou intimidada por lideranças políticas e comunitárias e estigmatizada pela mídia e opinião pública.

Passei uma semana com cada um dos grupos, debatendo os mais variados assuntos, ouvindo suas histórias de vida e ajudando-os a produzir vídeos sobre temas de seu interesse. Após intensa convivência, posso afirmar que eles tinham um potencial enorme, ainda que muitas vezes latente. Queriam mudar o seu próprio destino e a realidade à sua volta, mas não recebiam o respeito e suporte necessário dos adultos do seu entorno.

De volta ao Brasil, aceitei o convite da família Gradin para criar o Instituto Inspirare. Mergulhada no desafio de pensar o futuro das escolas, percebi que seria impossível aproximar a educação formal do universo dos alunos do século 21 sem engajá-los nesse processo. Seguindo essa intuição, começamos a desenvolver iniciativas para escutar os estudantes e criar soluções com eles.

Em 2016, a pesquisa Nossa Escola em (Re) Construção ouviu mais de 132 mil jovens brasileiros com idade entre 13 e 21 anos sobre o que pensam das escolas que têm e como gostariam que elas fossem. O estudo trouxe a perspectiva dos alunos para as nossas palestras e discussões. No Transformar, importante evento sobe inovações educacionais que realizamos com a Fundação Lemann e o Instituto Península, organizamos uma mesa redonda para que estudantes das cinco regiões do país compartilhassem alegrias e angústias em relação a suas instituições de ensino.

Com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, apoiamos o Projeto Gestão Democrática, que ouviu quase meio milhão de pessoas, incluindo mais de 300 mil estudantes, sobre a importância de participarem das decisões nas suas escolas e redes de ensino. A pesquisa mostrou que a criação desse tipo de oportunidade aprofunda o engajamento e gera mais aprendizagem. Alunos, familiares, professores, funcionários e gestores também foram convidados a construir propostas conjuntas para fortalecer a gestão democrática no seu cotidiano escolar.

Mais radical das iniciativas, a Faz Sentido (http://fazsentido.org.br/) disponibiliza orientações metodológicas e ferramentas para redes de ensino, escolas e professores que querem redesenhar a educação para adolescentes e jovens. Além de estudos, práticas e recomendações de referência, a plataforma propõem trilhas de mudança, que começam com a escuta inspiracional dos envolvidos, sugere a realização de oficinas de cocriação e gera produtos concretos para transformar currículo, abordagens pedagógicas e ambiente da escola, entre outros.

Em todas essas iniciativas, os estudantes são participantes ativos e têm a oportunidade de desenvolver uma série de habilidades, como pensamento crítico, argumentação, empatia, responsabilidade, liderança, colaboração e resolução de problemas.

Toda essa trajetória me levou a ser selecionada para participar de uma residência temática da Fundação Rockfeller sobre jovens como agentes de mudança. Durante as duas semanas que passei à beira do Lago Como, no norte da Itália, com jovens artistas e ativistas, além de acadêmicos e lideranças de organizações políticas, sociais e empresariais de diferentes nacionalidades, tive a oportunidade de revisitar, expandir e reafirmar as minhas convicções.

Conversamos muito sobre a importância de permitir que os jovens falem por si, de respeitar suas diferentes linguagens, de saber ouvir e compreender o que está nas entrelinhas do que dizem e do como se expressam. Refletimos sobre a necessidade de valorizar o seu jeito de ser e estar no mundo, assim como suas estratégias de atuação, oferecendo mentoria sem direcioná-los, mesmo quando temos boa intenção. Discutimos, sobretudo, que é preciso dar sustentação ao que a juventude já está fazendo.

Ao final dessa experiência, estou ainda mais convicta de que se as escolas e a sociedade ajudarem as novas gerações a reconhecer suas raízes, seu potencial e seu propósito, elas serão capazes de se engajar e promover mudanças ainda não imaginadas, para transformar um mundo que carece de imaginação.


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participação dos estudantes, protagonismo jovem

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