4 livros para conhecer melhor o legado de Darcy Ribeiro
Para celebrar o centenário de nascimento do antropólogo e educador Darcy Ribeiro, o Porvir selecionou algumas das obras mais marcantes do intelectual mineiro
por Ana Luísa D'Maschio 26 de outubro de 2022
Antropólogo, escritor, educador, etimólogo e político. Darcy Ribeiro (1922-1997) sempre se dividiu entre muitas causas e profissões. Tanto que uma das seções do site da Fundação Darcy Ribeiro se chama “Peles de Darcy” e divide, por atuações, a biografia do intelectual mineiro.
Falar da história da educação brasileira é revisitar os feitos de Darcy, que sempre defendeu a educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Ele implementou o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, a convite de Anísio Teixeira, base para a criação da UnB (Universidade de Brasília), nos anos 1960, antes de assumir o Ministério da Educação e Cultura e, pouco tempo depois, ser levado ao exílio, com o golpe militar de 1964.
Neste período, até 1975, Darcy se tornou um cidadão latino-americano, escrevendo livros e reestruturando os programas de universidades no Uruguai, na Venezuela, no Chile e no Peru. Elaborou projetos para a Universidade do Terceiro Mundo (México) e para a Universidade de Ciências Humanas (Argélia).
Nos anos 1980, coordenou os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) no Rio de Janeiro, nos quais era oferecida a proposta de ensino integral público, com duração igual à jornada de trabalho dos pais e acesso a diversas atividades educativas aos alunos das classes populares.
Na década de 1990, projetou a Universidade Norte Fluminense. Quando senador, participou da criação do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), aprovado em 1996, também chamada de Lei Darcy Ribeiro.
Defensor das classes populares, Darcy sonhava com um país mais justo e igualitário. Seu legado inclui, ainda, o Parque Indígena do Xingu, o Memorial da América Latina e o Sambódromo do Rio de Janeiro, que poderia ser usado como escola fora dos períodos de Carnaval.
Relembre, no vídeo a seguir, a participação de Darcy Ribeiro no Programa Roda Viva, da TV Cultura.
Em entrevista à BBC Brasil, o escritor e tradutor Eric Nepomuceno, amigo de Darcy, assim resume sua obra:
“Recorro ao próprio Darcy para chamar à lembrança os três pontos cruciais de tudo que ele fez, que moveram sua luta perene: educação para todos, salvar os indígenas e a floresta, reforma agrária. Criar uma sociedade com plena e palpável noção de seus direitos, distribuir a consciência da necessária cidadania. Entender, como defendeu com clareza um de seus amigos, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (As Veias Abertas da América Latina), que a história não pode se limitar a ser herança, tem de ser construída.”.
Para celebrar o centenário de seu nascimento, neste 26 de outubro, o Porvir selecionou quatro livros fundamentais para entender a obra de Darcy Ribeiro. Confira:
A Universidade Necessária: Lançado em 1969, o livro é considerado uma referência dos estudos brasileiros ligados à educação.
O prefácio é de Anísio Teixeira, que escreve: “A Universidade Necessária, de que Darcy Ribeiro nos esboça o modelo teórico, é a universidade moderna, pela sua estrutura e pelos seus objetivos, mas é, sobretudo, a universidade das múltiplas e variadas culturas nacionais do mundo latino-americano, proposta à sua crítica e constante reformulação, instrumento supremo de reavaliação do esfôrço nacional, tanto no campo cultural quanto no econômico, visando a integração social das respectivas populações, o vigor do caráter nacional de cada uma das nações irmãs e a riqueza de sua contribuição específica à civilização latino-americana”.
Nossa Escola é uma Calamidade: Neste livro de 1985, Darcy discute o modelo e a baixa oferta de escolas públicas brasileiras. Ele explica os motivos da redução dos compromissos públicos com o ensino e a incapacidade de investir corretamente na educação gratuita e de qualidade. “Nossas escolas do passado queriam ser equivalentes às escolas públicas francesas, argentinas, norte-americanas, onde se generalizou concretamente o ideal de uma educação universal gratuita e obrigatória. Seu defeito era serem tão poucas. O defeito nosso é termos sido incapazes de multiplicá-las no nível de qualidade que alcançaram, quando elas foram chamadas a atender à população engrossada das cidades”, afirma.
E complementa: O fracasso brasileiro na educação – nossa incapacidade de criar uma escola pública generalizável a todos, funcionando do com um mínimo de eficácia – paralelo a nossa incapacidade de organizar uma economia para que todos trabalhem e comam. Só falta acrescentar que essa incapacidade é uma capacidade. É o talento espantosamente coerente de uma classe dominante deformada, que condena o seu povo ao atraso e penúria para se manter intocada por séculos, essa continuidade de sua dominação hegemônica.”
O Povo Brasileiro – a Formação e o Sentido do Brasil: Darcy dizia que passou 30 anos escrevendo o livro e não poderia morrer sem vê-lo publicado. Tanto que, mesmo internado na UTI, tido como paciente terminal, ele fugiu do hospital para a casa de praia no Rio de Janeiro para finalizar a obra, lançada em 1995, que também virou documentário. No livro, ele lança a pergunta: “Por que o Brasil ainda não deu certo?” e traça uma explicação histórico-antropológica da nossa miscigenação.
Em um dos trechos, Darcy assinala: “A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária”.
Educação como Prioridade: Lançado em 2018, o livro reúne artigos publicados por Darcy Ribeiro em livros, revistas e jornais. Entre eles, o artigo “Fala aos moços”, publicado originalmente na revista Carta, produzida em seu mandato enquanto senador, em 1994. Desse texto, vem uma de suas frases mais conhecidas:
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e lutando, como um cruzado, pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isto não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas.”