Podcast de 0 a 5: Uma conversa sobre classe, raça e tecnologia
Neste episódio bônus, Ruam Oliveira conversa com a infancialista Juliana Prates sobre as intersecções entre classe e raça quando se trata de tecnologia na educação infantil
por Ruam Oliveira 14 de dezembro de 2023
A interseccionalidade é uma área de estudo que observa as interações entre diferentes marcadores sociais como gênero, classe ou diferenças.
O episódio bônus do podcast de 0 a 5, produzido pelo Porvir, traz uma entrevista com a infancialista Juliana Prates.
Ela é professora de Psicologia do Desenvolvimento da Criança na Universidade Federal da Bahia.
A conversa tratou sobre alguns dos principais pontos discutidos ao longo da segunda temporada do episódio. Ouça na íntegra aqui.
Clique no play para ouvir o episódio bônus do podcast de 0 a 5
<< Ruam Oliveira >>
Oi para você! Eu tinha dito que o episódio passado era o último da temporada, mas tô aqui de novo para trazer uma conversa bônus pro nosso podcast.
Durante todo o percurso de produção desse programa, um tema surgiu vez ou outra na maioria das conversas que tive e desde o princípio eu sabia que tinha a necessidade de trazer uma conversa só sobre ele.
Nós estamos falando de Brasil, de uso de tecnologias digitais em escolas brasileiras e de crianças brasileiras. Por isso não tem como não citar questões de classe e raça quando a gente fala desses assuntos.
Para me ajudar a refletir um pouco mais sobre essa questão, eu conversei com a Juliana Prates, Professora de Psicologia do Desenvolvimento da Criança na Universidade Federal da Bahia. A gente passeou pelos principais tópicos que o podcast discutiu como acesso a tecnologia e a áreas verdes, a necessidade do cuidado e também como as famílias e as escolas se relacionam quando a gente pensa em tecnologia, classe e raça.
Aqui vai a nossa conversa
<< vírgula sonora >>
<< Ruam Oliveira >>
Ao longo dessa temporada eu percebi que a questão de classe e de raça ela apareceu muitas vezes, muito de passagem, quando a gente pensa na educação infantil e no acesso à tecnologia. E aí eu queria te ouvir um pouquinho sobre porque que é importante, né? Quando a gente tá falando desse acesso a tecnologias digitais, dentro do contexto escolar, claro, porque que a gente não consegue se esquivar de falar sobre classe e sobre raça?
<< Juliana Prates >>
Obrigada, Ruam pelo convite para conversar com você sobre esse tema. Eu acho que você toca em pontos fundamentais. Em primeiro lugar quando a gente fala de infância quando a gente fala de crianças o recorte raça, classe, gênero, território, capacidade ou incapacidade ele é fundamental, então é importantíssimo que a gente considere uma diversidade de modos de experiência da infância. A gente costuma – e as políticas públicas obviamente fazem isso – tratar as crianças como iguais a própria psicologia do desenvolvimento em muitos momentos ela trata esse sujeito universal crianças e falam que é benéfico ou o que que pode ser maléfico para cada uma das idades, né? Então quando a gente tem resoluções que falam sobre a proibição da exposição das crianças às telas por exemplo até dois anos de idade, né? Então essa é uma premissa geral que abarca todas as crianças e que são estudos que são feitos com crianças e que mostram os defeitos negativos disso.
No entanto, quando a gente vai falar da infância nas suas experiências de escolaridade, na experiência da vivência cotidiana, a gente obviamente tem muitos dilemas e paradoxos, né? Então obviamente a gente sabe e os estudos têm mostrado muito isso, os malefícios do uso excessivo das tecnologias por crianças tão pequenas. Então a exposição das crianças às tecnologias têm sido comprovado o efeito maléfico sobre as crianças. No entanto a gente tem uma realidade muito distintas, realidades muito distintas no Brasil, né? Então se por um lado a gente fala do excesso de telas como um problema a gente tem um outro público que não tem acesso e não terá acesso à tecnologias e não terá acesso às redes sociais e não terá acesso à internet.
Então a gente tá falando aqui de um direito e de uma privação de direito. Então se por um lado a gente imagina que a ferramenta hoje contemporâneas perpassam pelo uso das tecnologias e perpassa pelo acesso à informação à internet, a gente sabe da importância das crianças serem educadas nesse uso né? Que elas possam ter acesso para ter acesso ao conhecimento. Então quando a gente vai discutir a dimensão do uso da tecnologia a gente por um lado tem que falar do direito da criança de ter acesso a isso e por outro lado dos riscos do uso excessivo da tecnologia.
<< Ruam Oliveira >>
Eu queria aprofundar um pouquinho mais essa questão, em termos de qualificação mesmo do debate, assim, o quanto ainda falta que a gente inclua esses dois quesitos, classe raça dentro de muitas discussões aqui é especificamente a gente tá falando do acesso à tecnologias, mas porque a gente disse aqui né? Porque é que é importante, mas não indo além, porque que às vezes não se incluem, né? Porque às vezes não se fala sobre isso?
<< Juliana Prates >>
Pronto acho que nós temos várias questões, porque que isso não é dito, né? A invisibilidade da dimensão racial no Brasil ela se deve a uma lógica de que a gente não vive num país que é racista. Então a gente tem aqui o mito da democracia racial que pauta a nossa lógica de pensamento e também invisibiliza muito dos estudos que são feitos na dimensão racial, então é importante destacar isso. Há uma invisibilidade dos estudos raciais, né? Essa temática ela não é posta porque por muito tempo a gente acreditou que se a gente fala sobre a dimensão étnico-racial, a gente está reforçando o racismo. Ou seja, a gente está inventando um racismo que não existiria no Brasil. Então isso decorre, isso tem um efeito muito claro dessa nossa, desse mito né de democracia racial.
Por outro lado, a psicologia do desenvolvimento é brasileira, né? Ela é muito ela importa muitas teorias Americanas, europeias e que vão tratar dessa criança Universal essa criança como um sujeito puramente às vezes biológico, e que por isso é um sujeito que não tem muitas características lidas socialmente. Então a gente atribui muito dos estudos na psicologia quando vão falar de diferenças de desigualdades, falam muito de desigualdades sociais mais do que raciais então a gente atribuiu muito das questões de desigualdade, de injustiça, a questão de classe, né? Então a gente deixou de falar muito sobre a dimensão étnico-racial.
Contemporaneamente a gente tem cada vez mais estudos que vão mostrar o impacto do racismo para o desenvolvimento das crianças, né? Então, é diferente no Brasil ser uma criança branca ou ser uma criança indígena ou negra. Os efeitos disso estão desde o índice de mortalidade infantil, acesso à educação, acesso à vacina, né? a cuidados médicos. Então a gente tem diferenças muito gritantes nas oportunidades eh de acesso à direitos. É importante que a gente recupere isso para a gente pensar essas diferenças, né? Essas iniquidades e os resultados diferentes do processo ah de desenvolvimento das crianças.
Se você me fizesse uma pergunta, qual é o principal motivo da gente não ter esse debate em voga. Eu acho que isso se deve à nossa dificuldade em assumir o racismo como uma característica eh brasileira, né? Então assim para não falar mundial, porque nós temos uma forma específica de racismo, mas efetivamente nós temos repercussões desse racismo que se marcam na vida das Crianças, mas que a gente nega em muitos momentos.
<< Ruam Oliveira >>
Isso também impacta acho no jeito como os educadores educadores, eles vêm ou planejam as suas aulas, né? Se os educadores já tem esse tipo de recorte ou de perspectiva em mente toda aula que for preparada e planejada pode levar essas essas dois temas em consideração, queria te ouvir um pouquinho sobre isso se o quanto de certa forma mentalidade e a perspectiva de cada educador com essas sobre esses temas eles impactam na no planejamento de aulas.
<< Juliana Prates >>
Eu acho que tem uma uma dimensão bem importante que não perpassa só para uma formação individual assim. Ou seja não é a culpa dos Professores tá? É acho que a gente tem uma uma dificuldade socialmente em admitir o racismo e os seus impactos. Então como a gente viveu muito e repito, né sobre a égide do mito da democracia, a gente teve muita dificuldade de se instrumentalizar a gente não tem um letramento racial para conversar sobre isso, a gente tem muita dificuldade em falar sobre se reconhecer enquanto pertencente a uma raça, né?
A ideia então nós ainda temos muitas falas que dizem a raça humana, não importa a cor da pele somos todos iguais então há uma discussão que perpassa por uma lógica de igualdade que na verdade não reconhece as particularidades e especificidades. O que que isso acarreta? Acarreta que falta uma representatividade a gente não traz a gente não dialoga com essa criança e com seu repertório. Veja a gente já tem a gente é cercado por produtos e mercadorias culturais que mostram uma criança que é loira que é branca, se você fizer hoje essa pesquisa no Google, nesse momento, e você coloca assim uma crianças bonitas bebês lindos vão aparecer 90% de crianças brancas loiras olhos azuis. Continua sendo isso que se pensa quando se imagina essa imagem de criança, né por muito tempo se você olhar a capa de revistas voltadas pro público infantil, essas são as crianças da capa, né? Essa é o Imaginário que se associa pra criança padrão, uma criança bonita.
Por outro lado, as crianças negras, elas aparecem associadas a uma miserabilidade a fome a violência então há uma forma de compreensão desse corpo negro que é marcado por essas outras marcas que não a marca da Infância. Tem uma autora, inclusive que ela vai falar desse conceito de não criança, é como se houvesse um grupo de crianças que não se considera socialmente como criança. Ela não ela não recebeu esse status da vivência da criança, né?
A gente vive num país que é muito desigual e que a gente assiste a morte de crianças pretas e pardas cotidianamente na violência policial nas violências diversas e a gente não legitima essa violência a gente esquece essa violência ela ela não causa comoção que causaria a morte de crianças brancas, por exemplo. E isso eu eu costumo dizer, inclusive que a gente tem um conjunto de crianças que são quase crianças matáveis, porque são crianças que a gente não não nos mobiliza os afetos quando elas são violentadas.
O que é que isso tem impacto na educação, né? Quando eu não reconheço essa diversidade, eu não eu não valorizo. Tem um estudo que mostra que as crianças negras, elas recebem muito menos afeto da professora e das professoras na sala de aula. Elas são muito mais punidas, elas são muito elas sofrem muito mais reclamações dos adultos do que as crianças brancas, por exemplo. Então quando a gente não reconhece quando a gente não traz não é suficiente, né? A gente tem uma perspectiva de não ser racista. É preciso se engajar na luta antirracista, então isso significa um letramento no enfrentamento dessas inequidades, eu acho que modifica completamente quando esse professor ele se apropria desse debate, ele se apropria ele reconhece isso como um problema estrutural e ele vai pensando estratégias de enfrentamento, ele ajuda as crianças a se prepararem para isso, né.
Muitas vezes as crianças se deparam com a violência étnico-racial pela primeira vez no contexto escolar, porque quando ela tá em casa quando ela tá no ambiente de iguais, ela não percebe ainda as marcas da discriminação do racismo etc, mas é num ambiente escolar quando ela encontra os outros é que ela começa a perceber que é a cor da sua pele não é valorizada, a forma do seu cabelo não é valorizado, o seu nariz não é valorizado. Então os traços físicos não aparecem nos livros de história. Ela não tem uma princesa própria ela não tem um personagem que retrate e represente, né as suas características a sua família. Então essa ausência de representatividade e de imagem de poder se reconhecer nos espaços e na própria escola, isso é muito ruim para a formação da criança.
<< Ruam Oliveira >>
Assim, grande parte das famílias com pouco acesso às tecnologias digitais são famílias pobres e pretas ao mesmo tempo em que não se deve incentivar o uso excessivo de telas para crianças. Como também garantir que elas, principalmente as que fazem parte desse perfil, né de famílias, como garantir que elas também não sejam excluídas, sabe de um uso saudável de uso positivo dessas telas?
<< Juliana Prates >>
É Ruam, isso é realmente o nosso grande desafio, né? É como se a gente tivesse que ter duas falas simultâneas, por um lado eu tenho que dizer que esse uso tem que ser controlado mediado supervisionado. Ah de inclusive impedir ou diminuir muito uso dessa tecnologia das tecnologias pelas crianças, mas por outro lado eu preciso lembrar desse direito de acesso à informação. Então veja por exemplo, na época da pandemia quando a gente falava sobre as telas por mais que a gente tivesse toda uma um conjunto de estudos que nos dissesse sobre os prejuízos da tela os benefícios de uma socialização mediada pelas tecnologias era fundamental.
Então muitas foram as crianças que conheceram seus avós e seus parentes através a das redes sociais dos do dos dispositivos eletrônicos, né? Então só podia se conhecer o outro no momento de isolamento social através disso então era uma mediação simbólica importante, foi fundamental naquele tempo de pandemia. Então obviamente entre uma lógica de custos e benefícios era muito mais benéfico que a criança pudesse aparecer na frente da tela para poder ter acesso aos seus parentes as pessoas que estava distante delas, inclusive para o isolamento dessa dessa família.
A gente vive no país esse dilema por um lado no país e no mundo, né, mas por um lado é preciso defender o direito de todos de terem acesso a esses bens bens de consumo bens de comunicação, mas por outro lado saber que este uso precisa ser controlado. Então é como se eu tivesse que falar para um certo público tira o celular das crianças porque elas estão usando demais e para outra tivesse que dizer, olha vamos dar acesso à tecnologia para essas crianças porque elas precisam aprender porque isso é também democratização do acesso ao conhecimento, né? Se você tem acesso a um conhecimento que tá mediado por essa por esses dispositivos eletrônicos, não permitir que as crianças conheçam esses dispositivos é excluí-las de uma certa forma de produzir conhecimento.
Acho que a gente precisa ficar o tempo inteiro muito alerta muito atento para isso as crianças têm direito até acesso à dispositivos eletrônicos aquilo que é é importantíssimo pra produção de conhecimento hoje tem a gamificação da aprendizagem, por exemplo, tem estudos muito benéficos mostrando a importância da gamificação é para controles emocionais, pra regulação emocional então crianças por exemplo do espectro autista, crianças com autismo, né ou pertencentes ao espectro muitas vezes se beneficiam é uma forma de comunicação e de diálogo com o mundo e que a gente não pode impedir que essas crianças tenham acesso à tecnologia de ponta que vão facilitar o seu processo de interação e de comunicação. O tempo inteiro a gente vai precisar sair dessa lógica muito maniqueísta de que as tecnologias são completamente boas ou completamente ruins, mas entender que o acesso a essas tecnologias é um direito, mas esse direito precisa ser vivenciado com proteção, com mediação então o uso das tecnologias elas devem ser mediadas pelos adultos.
<< Juliana Prates >>
<< vírgula sonora>
O que é que isso torna muito diferente é difícil mediar o uso de tecnologia. Quando você próprio não teve acesso à tecnologia, então a gente na pandemia isso ficou muito evidente, não só muita gente não tem acesso a dispositivos como tem acesso precário isso na própria Universidade. Então essa essa lógica né? De que nós temos uma geração absolutamente tecnológica, ela é uma lógica muito hegemônica que não compreende e que não abarca todos os sujeitos. O conceito de geração não é suficiente para dar conta disso, não é só a geração de adolescentes. Uma Geração inteira tecnológica é uma geração atravessada pelo recorte de raça, classe, gênero, atravessando essa experiência, né do contato com a tecnologia. Então essa discussão ela é muito complexa e ela precisa ser enfrentada de forma complexa. A gente precisa encarar essas é disparidades iniquidades para pensar soluções que possam atender a todas essas necessidades.
<< Ruam Oliveira >>
E professora, você falando do do acesso à informação, até mesmo isso a gente talvez possa racializar no sentido de que ah ter acesso de de que “ah a criança ela não pode ficar tanto tempo com o celular” ou ela não pode ficar tanto tempo tantas horas vendo TV, esse tipo de acesso à informação de que pode ser negativo, às vezes não chega para essas famílias que são mais pobres que na majoritariamente são famílias pretas, é e como que a escola ela pode contribuir também para para essa conscientização, né? Em primeiro lugar, e também como que ela pode contribuir para evitar a exclusão completa dessas crianças?
<< Juliana Prates >>
Eu acho que a escola tem um papel muito importante e central, né? Porque a escola pode oferecer para as crianças acesso a dispositivos eletrônicos que favoreçam a educação que favoreçam o processo de ensino-aprendizagem. A criança que não tem acesso no seu contexto é familiar pode ter acesso a essas tecnologias no ambiente escolar, né? Então ela pode ser letrada nas tecnologias, ela pode aprender a usar um computador, ela pode aprender a usar um tablet, ela pode aprender a usar um celular nesse ambiente da escola, ela pode aprender a manipular e a usar os recursos e os softwares na escola. Obviamente com toda cautela e até quando a idade da criança, mas ela pode ter acesso a isso a esse uso da tecnologia porque é interessante a gente imaginar que a tecnologia ela entra mesmo como um direito, como uma possibilidade de abertura para o mundo, né?
Então a possibilidade de conhecer outras realidades, de se conectar, tem uns benefícios todos da introdução das crianças e da gente nesse mundo tecnológico. Então não é a gente não pode descartar isso simplesmente pelo fato de que o tempo excessivo nas redes é maléfico.
Quando você fala de conscientizar as famílias, é importante pensar que muitas vezes as famílias apostam no celular ou no celulares, como inclusive uma estratégia de proteção, se a gente imaginar que as crianças pretas, pobres, periféricas do nosso país, também não têm acesso a espaços públicos de qualidade. Então veja que é o direito ao lazer também. Quando a gente imagina menos tempo usando tecnologia a gente imagina estratégias alternativas que implica praças espaços públicos, acesso a bens culturais, e vejam que a cidade não é democraticamente, não recebe esses dispositivos culturais, né? Então se uma criança mora na periferia mais difícil será ela ter acesso a um parque de qualidade até acesso a peça de teatro e acesso a outros dispositivos de cultura que são fundamentais para aquele espaço. Então veja como essa discussão e vai muito vai muito por todos esses aspectos da gente discutir infraestrutura, políticas culturais, acesso à cidade. É uma discussão que é muito mais Ampla do que simplesmente passar mais ou menos tempo na tela.
<< Ruam Oliveira >>
E aí você entrou no outro ponto que eu ia tocar agora porque no podcast a gente falou um pouquinho sobre essa questão de ter acesso a espaços verdes, eh há outros ambientes justamente para diminuir esse contato excessivo com as telas, às vezes esses espaços verdes as crianças só encontram na escola, né? Uma das pessoas com quem eu falei para para essa temporada até citou a questão da gentrificação verde, né? Que impacta majoritariamente crianças pretas e pobres. Então nesse sentido só para a gente estender um pouquinho mais aqui o nosso pensamento, como que você vê que esse acesso não as tecnologias. Mas aos espaços verdes e a outras opções, né de entretenimento porque às vezes a tecnologia ela acaba funcionando como entretenimento para as crianças – como que esses outros espaços. Eles também precisam ser racializados, serem vistos pela ótica da classe?
<< Juliana Prates >>
É fundamental que a gente faça isso, né? A gente precisa entender que a gente tem inclusive um racismo que é ambienta. As crianças e as famílias pretas e pobres e periféricas, elas estão muito mais em risco no que se refere às questões climáticas, aos impactos de desastres entre aspas naturais. Então são as crianças que mais se prejudicam com as enchentes, com as chuvas e com desabamentos. Então a gente tá falando de que a questão climática, ela é experienciada de forma atravessada por essas variáveis. E aqui eu me repito de novo, né? Por classe, por gênero, por etnia, por raça, né? Então a gente tem o tempo inteiro que pensar que todas essas dimensões sociais tem esses atravessamentos.
Então o acesso e quando a gente fala dos parques o acesso a espaços verde de qualidade, dispositivos urbanos como eu falei a proposta de uma cidade Educadora a proposta de uma escola que possa ter esse ambiente de de lazer para as crianças de convivência com a cidade. Isso muda muito a relação da criança com a vida com com o seu entorno. Se você imaginar que muitas vezes as escolas públicas, elas não têm um espaço de qualidade para as crianças terem contato com a natureza não tem parques às vezes não tem uma estrutura que você já adequada que permita – e a gente tá falando de crianças pequenas, né – uma das coisas muito importantes na educação infantil é justamente esse esse território, esse ambiente no qual a criança circula.
Se a gente imagina que esses espaços e a cidade é muito demarcada por essa gentrificação ou por essa equidade de oportunidade de acesso, as crianças muitas vezes, tem que pegar muitos transportes. Isso é caro para ela conseguir acessar um espaço de lazer pra todos. Os espaços, muitas vezes, privatizados então a ausência de espaços públicos onde o lazer possa ser vivido, né de forma plena.
O excesso de trabalho dos cuidadores dessas crianças que não tem como ter disponibilidade de estar com elas para poder ocupar esse espaço, a falta de segurança nas comunidades nas ruas para que as crianças possam estar circulando nesses espaços sem o acompanhamento do adulto. Então veja que aqui há muitos cruzamentos, né? A gente vive cruzamento de várias temáticas que se explicitam nessa pergunta que você faz. Então qual é a dimensão da natureza, como é que é o contato com as tecnologias, você vê que as respostas elas têm algo de peculiar. Mas elas têm muito de coletivo é uma mesma resposta, a gente tá falando da mesma dificuldade de violação de direitos.
A gente tá falando de privação de acesso, né? Então a gente está falando de muitas desigualdades e o enfrentamento dessas desigualdades. Não enfrentamos assim, a experiência dessas desigualdades na experiência cotidiana.
<< Ruam Oliveira >>
Professora, a gente está caminhando aqui para o fim da nossa conversa. E aí eu eu fiquei pensando também, o que que a gente podia falar para os educadores na educadores que nos escutam, qual tipo de de sugestão você daria né para esses educadores para que levem esse assunto em consideração no momento de pensar sua prática pedagógica também levando em consideração e com o objetivo de praticar assim uma educação de fato antirracista?
<< Juliana Prates >>
É uma pergunta super complexa, né? Essa eu acho que você anuncia a resposta na sua própria pergunta quando você fala de um caminho para uma educação antirracista. As crianças negras, muitas vezes têm acesso à sua história nas escolas, né a história da cultura afro-brasileira muitas vezes pautada no início da do processo de escravidão, da escravização. É como se a gente não tivesse a possibilidade de contar uma diversidade de histórias, então a gente precisa de recursos, recursos didáticos que falem sobre isso, a gente precisa usar muitos livros infantis que contam histórias de crianças negras. a gente precisa deslocar como um único modelo as crianças brancas, né a história dessa população Branca. Isso significa que a gente precisa voltar também recuperar as raízes da nossa própria história.
Por exemplo, quando a gente tá na escola, imagina o quanto de Sabedoria Popular ancestral tem na relação do povo negro com a natureza né? Então o quanto eh o povo negro valoriza as folhas, a natureza como forma de chás de cuidado, o quanto isso vai sendo esquecido por uma lógica de pautado na ciência, então a gente abandona um saber que a gente construiu e que a gente tinha em troca de algo que é o medicamento que tá pronto assim a gente perde muito da história, né? Acho que a gente tem que recuperar uma uma perspectiva mais ancestral essa lógica de aquilombamento essa lógica de se reunir essa lógica de valorizar aquilo que são outros saberes e outras vozes. Então acho que a educação infantil ela é um espaço e o educador, né que trabalha na educação infantil, ele tem um papel muito fundamental. Ele deveria ser o mais valorizado de todos os professores porque ele tá cuidando dos bens mais preciosos que é esse início, né da vida.
Trazer essa dimensão da diversidade para dentro da sala de aula, eu acho que é crucial para a gente construir aí pra gente ter uma um uma discussão em uma lógica de uma educação mesmo antirracista.
<< vírgula sonora >>
O grande ponto dessa discussão é entender que as crianças e a infância não é deslocada ou descolada da da trama social, então muitas vezes a gente estuda a gente discute as crianças como se elas tivessem apartadas da realidade social, então todos os problemas são problemas das Crianças. Discutir economia envolve pensar o impacto disso para as crianças, discutir acesso à saúde, envolve crianças, não é só quando e eu acho que esse é um ponto importante porque que é importante falar de classe, de raça de território quando a gente fala de criança? porque as crianças são sujeitos sociais.
Se a gente entende que as crianças fazem parte da trama social, a gente vai entender que todos os problemas são problemas das crianças e as crianças estão em todas as questões sociais. Não é específico, não é separado, não é segregado. Acho que isso se deve a invisibilidade que a infância tem muitas vezes nos nossos estudos, no nosso debates, na nossa discussão as crianças não votam, né? Então elas não têm elas não são público alvo de campanhas de políticas, elas precisam dos adultos para para chamar atenção em relação a isso.
<< Ruam Oliveira >>
Mais uma vez eu agradeço a você que nos ouviu e nos acompanhou até aqui, espero que essas conversas tenham sido interessantes para você e possam te ajudar aí na sua escola a refletir um pouco mais sobre tecnologia e primeira infância. Um beijo e até a próxima.