‘Tecnologia é só parte da solução’, diz Eugenio Severin
Ex-consultor do BID defende que mudança radical na educação fará com que escolas sejam mais abertas e o ensino personalizado
por Mariana Fonseca 26 de julho de 2012
Promessas de que a tecnologia vai transformar o sistema educacional tradicional, criado há 800 anos, não faltam. Mas, para Eugenio Severin, reconhecido especialista em tecnologia e educação, ela sozinha não é capaz de fazer milagre. “Vejo uma oportunidade de reformulação, em que as tecnologias são importantes, não porque elas vão fazer a mudança, mas porque serão parte do fenômeno que vai obrigar a mudança e também serão parte da solução”, defende Severin, que foi consultor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em TIC na educação para a América Latina.
Segundo ele, há 20 anos os países da América Latina vêm tentando implementar o uso de tecnologias na educação sem grandes resultados. O problema não está na tecnologia, mas nos projetos educacionais que ainda apostam no uso incremental da ferramenta. “Colocar a tecnologia em sala de aula sem pensar novas práticas educativas e sem capacitar os professores é a mesma coisa de comprar um piano, colocá-lo na sala e esperar que as crianças se tornem músicos.”
Severin, que foi gerente de tecnologia na educação na Fundação Chile e no Ministério da Educação chileno, diz que há um incômodo social sobre a qualidade dos sistemas educacionais, incapazes de responder adequadamente às demandas sociais. Em visita ao Brasil para ajudar o Instituto Natura a qualificar projetos educacionais inovadores, o especialista falou ao Porvir. Confira.
Para onde está caminhando a educação no mundo e na América Latina?
Está havendo uma grande discussão sobre a qualidade de educação em todos os países. Mas essa não é uma discussão só técnica e acadêmica. Há uma incômodo social e uma percepção de que a educação não corresponde à demanda da sociedade civil. Isso nos dá um cenário muito positivo para mudanças. Não estamos falando só de melhorar os processos, mas de uma mudança radical. A educação é muita antiga, um sistema criado durante a revolução industrial, há mais de 800 anos, e que está dentro da lógica industrial – todos os alunos separados por idade, todos com o mesmo currículo, ao mesmo tempo, no mesmo ritmo –, voltada para a formação de trabalhadores de um sistema industrial.
Como tratar esse “desajuste” entre o que a sociedade pede e o que o sistema propõe?
Estamos agora falando de uma sociedade do conhecimento em que, cada vez mais, a indústria manufatureira perde a importância e cresce a relevância da indústria do conhecimento. Por isso, vejo uma oportunidade de reformulação, em que as tecnologias são importantes, não porque elas vão fazer a mudança, mas porque serão parte do fenômeno que vai obrigar a mudança e também parte da solução. Vejo uma escola muito mais aberta ao mundo, muito mais flexível, principalmente nos tipos de competências e habilidades que vão desenvolver nos estudantes. O foco vai ser o estudante, uma educação muito mais personalizada.
Por que será importante usar as TIC na educação?
O mundo do século 21 usa a tecnologia para produzir e compartilhar conhecimento de uma maneira que nunca antes vimos na história da humanidade. Como não vamos preparar os nossos estudantes para serem produtores e consumidores de conhecimento? Não tem como fazer isso sem tecnologia. A escola não pode viver à margem disso. Mas não é simplesmente incluir a tecnologia, é necessário uma mudança no sistema, um novo modelo. Ser professor é fascinante nos dias de hoje. Ele volta a ser um profissional de conhecimento, pode desenhar, conduzir e acompanhar diferentes oportunidades de aprendizagem.
Existe uma grande preocupação em mensurar o impacto dos usos das TIC na sala de aula. O que é preciso considerar ao avaliar um projeto?
O primeiro passo é ter claro o objetivo de colocar essa tecnologia na experiência educativa. O foco tem que estar no desenvolvimento do estudante e de suas habilidades. O segundo ponto é saber qual a melhor estratégia para se chegar nesse objetivo e, só depois, qual a melhor tecnologia para o processo. É preciso saber se a tecnologia ajuda ou não a cumprir esse objetivo. Ninguém espera que os professores sejam experts em tecnologia, eles têm que ser especialistas em educação, pensar experiências de aprendizagem enriquecedoras usando tecnologia.
Quais são os projetos que têm cumprido melhor seus objetivos com o uso das TIC?
Quando falamos de tecnologia na educação, estamos falando de milhares de soluções distintas: celulares, tablets, computadores etc. Mas, mesmo sendo distintas, o que temos visto em pesquisas é que os projetos bem-sucedidos têm algumas características em comum. Primeiro, eles se propõem a melhorar a aprendizagem dos estudantes numa turma ou matéria, têm objetivos pedagógicos claros. Segundo, incorporam plenamente os professores no projeto, no desenho, na implementação. Outro fator é o acesso à internet e também o suporte para manutenção das tecnologias. Nada disso é original, mas por 20 anos não demos atenção a todos esses elementos. Por isso, existe hoje um consenso de que o uso de tecnologia precisa ser parte de políticas educativas integrais e não entrar na escola como parte adicional, como equipamento.
Como se dá essa capacitação do professor?
Até agora, os formatos de capacitação dos professores têm sido bem tradicionais. A aposta era que se os professores tivessem acesso à tecnologia em sala de aula eles mesmos iam ter propostas inovadoras de educação. Mas isso não aconteceu, raramente o acesso se traduziu em mudanças na prática educativa. É preciso ajudar os professores a desenvolver novas práticas educativas que não estão centradas na tecnologia, mas no processo de aprendizado do aluno usando tecnologia. Existe pouca experiência, existem pontos levantados pela Unesco, com padrões de competência em TIC para professores, que poucas pessoas aplicam. E também iniciativas isoladas, como é o caso da Universidade Tecnológica do Peru, que oferece um curso de especialização em pedagogia e TIC.
A educação é um tema que está na pauta de novos atores da sociedade, extrapolando o universo dos stakeholders tradicionais, várias startups de educação estão surgindo. Isso já chegou à América Latina?
Tenho a impressão que na América Latina isso começa a surgir em duas vertentes. Uma é a dos países que estão fazendo fortes investimentos públicos em educação, como é o caso de Brasil, Argentina e Uruguai, onde os governos estão dando sinais evidentes de investimento em tecnologias educativas. Outra vertente é a dos países que estão em franco desenvolvimento econômico e, por isso, abrindo oportunidades de negócios e criações de empresas inovadoras em educação, como é o caso do Chile, Colômbia e México, e novamente Uruguai e Brasil. Mas isso ocorre de forma bem menos forte do que a que vemos nos Estados Unidos, onde esse impulso tem sido importante e tem feito florescer muitas iniciativas privadas.
Como você enxerga o movimento crescente de adesão de universidades tradicionais ao ensino on-line?
O desenvolvimento da educação on-line no Brasil é muito mais forte que na América Latina em geral, onde são muito poucos os esforços nesse sentido. Geralmente os que optam por ensino on-line o fazem porque é uma alternativa mais barata e não porque estão vendo um potencial de inovar na educação. O que fazem é digitalizar o livro e o colocar na plataforma on-line para vender o curso mais barato. É visto como oportunidade de mercado não como uma inovação no processo educativo.