Após ocupações, alunos querem ter voz na escola
Porvir visita escolas em São Paulo para ouvir jovens sobre o que aprenderam durante os protestos contra a reorganização da rede de ensino e sobre o modelo de escola que esperam ter daqui em diante
por Marina Lopes / Vinícius de Oliveira 11 de dezembro de 2015
O que até outro dia era considerado um lugar em que se passava algumas horas do dia fazendo atividades quase sem conexão com o mundo exterior, a escola agora é vista por alunos que protestam contra o plano de reorganização do ensino proposto pelo governo de São Paulo como um espaço de possibilidades. Depois de mais de um mês desde que a escola Fernão Dias Paes, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, foi ocupada em um processo acompanhado por outros estudantes em centenas de unidades de ensino por todo o estado, jovens contam que aprenderam a trabalhar juntos, a trocar experiências com a comunidade e se dizem mais preparados para novas demandas e estabelecer um diálogo com os responsáveis pela gestão.
Ao longo dos últimos dias, o Porvir visitou cinco escolas ocupadas em diferentes bairros da capital paulista onde conversou com estudantes de diversas instituições públicas para entender como o atual modelo de ensino é avaliado e quais são as expectativas após um movimento que levou oficinas e shows que até pouco tempo atrás pareciam distantes do ambiente escolar. “A gente ocupou a escola e começou a fazer as atividades culturais. Mas por que a gente precisa ocupar a escola para fazer isso? Por que nos dias letivos não tinha aula de música, uma capoeira… por que tem que ser sempre aquilo?”, questiona Ângelo Gabriel dos Santos Moreira, do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Dona Ana Rosa de Araújo, localizada na Vila Inah, na zona oeste da cidade.
O interesse por assuntos que não constam na programação oficial é acompanhado também pela chance de olhar o conteúdo que eles já conhecem por outros ângulos. “Nesse um mês de ocupação, nós aprendemos mais do que no ano letivo, mais do que na sala de aula. Nós não sabíamos nada de política, por exemplo. Aprendemos que as aulas chatas podem ser criativas. Vários professores estão nos dando aulas todos os dias das duas às seis da tarde”, conta Allekxander Henrike Buniark, 21, do 2º ano do ensino médio da Fernão Dias. Em uma fala bastante comum ouvida pelo Porvir, o estudante cobra maior reconhecimento e participação de alunos dentro da gestão escolar: “Queremos ter voz ativa. As decisões da escola não podem ser tomadas apenas pelos diretores e professores. A escola foi feita para o aluno”, diz.
Redescobrimento do espaço
Até para que o aluno tenha a possibilidade de se desenvolver de forma plena, a discussão sobre mudanças também chega ao espaço físico da escola, que muitos comparam a uma prisão, relação fácil de ser feita dada à presença marcante de grades e portões de ferro que impedem a livre circulação. “Primeiro, a escola precisa ter estrutura para receber o aluno. A minha escola parece um presídio. Como é possível estudar em uma escola assim?”, questiona Manoela Romero Day, 15, do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual Godofredo Furtado, Pinheiros.
O mesmo sentimento é compartilhado por Clara Bruder, 16, aluna do segundo ano da Dona Ana Rosa Araújo, que avalia a chance de conhecer novas pessoas como parte de um “redescobrimento”. “Antes, a gente não saia da nossa zona de conforto para conhecer as outras pessoas. A gente tem 20 minutos de intervalo…aquele banho de sol depois de horas dentro da sala de aula”, afirma.
Em uma ação para mudar o cenário na Dona Ana Rosa de Araújo, alunos deram início a uma horta, desentupiram uma canaleta que, de tão suja, costumava reter a água da chuva que deveria escoar e pintaram paredes com a ajuda de latas de tinta doadas por moradores do bairro.”Os alunos querem uma escola mais colorida e não aquela coisa preto no branco, bege no branco. Fica feio”, explica Pablo Carlos Ramos Moreira, 17, do primeiro ano do ensino médio. Segundo ele, o plano é tornar a escola mais interativa e que não seja vista só pelo lado do ensino. “É um espaço de convivência para todo mundo, porque a gente passa a maior parte do nosso tempo aqui e temos na escola a nossa segunda família e nossa segunda casa”.
Outro ponto quase unânime relatado pelos alunos ao Porvir diz respeito à valorização do trabalho de funcionários que não frequentam a sala de aula, mas desempenham papel importante para que a escola funcione, como é o caso de cozinheiros e faxineiros. Como muitos estudantes passam o dia todo na escola, a divisão de tarefas coloca alguns em funções que durante dias letivos eram impensáveis e que acabaram se tornando um desafio, como descreve Victória Martini, 17 anos, do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual Professor Manuel Ciridião Buarque. “Os alunos que estão na equipe da cozinha falam ‘nossa, eu nunca mais vou deixar a louça jogada’”. Sua amiga Bárbara Oliveira, de 16 anos, também conta mudado de postura diferente: “Agora, ao invés de sujar a mesa, a gente vai limpar, porque sabemos quanto isso é difícil”.
Por um modelo atualizado
“A gente quer uma escola com mais áreas verdes. Falta circular mais pra fora da sala de aula. Dentro da sala, quais são nossos estímulos? Um caderno, uma lousa, uma caneta”, reflete Camila Cavicchioli, 18, do terceiro ano da Escola Estadual Francisco Borges Vieira, que estava apoiando colegas na Escola Estadual Orville Derby, na Vila Formosa, zona leste. Para a estudante, a organização e a disposição dos alunos na sala de aula também não favorece o aprendizado. “Por que as carteiras ficam de frente para o professor? Ele fica lá na frente da sala olhando pra gente. Geralmente, fica de costas para a lousa porque já parece ter todo o conhecimento. Não sobra espaço para o aluno dialogar”, diz.
Além de disciplinas como português, matemática e ciências, os estudantes dizem sentir falta de um espaço para artes, teatro, música, dança e o desenvolvimento de competências que vão além dos conteúdos. “Na escola a gente não aprende a ter um senso crítico. Eu tenho uma aula de sociologia e cinco de matemática”, questiona Camila. Durante a ocupação, os alunos já se reuniram na Orville Derby para oficinas e rodas de conversa sobre gênero, música negra, genocídio na periferia, entre outras.
A estudante conta que a escola ainda está muito distante dos interesses dos alunos. “A escola da periferia não representa a realidade da periferia”, observa, ao mencionar que a cultura local não é contemplada nem pelas aulas e nem livros didáticos. O aluno Bruno Vicente, 17, do nono ano da Escola Estadual Antonio Candido Barone, também defende que a escola deve dialogar mais com a realidade do seu entorno. “O conceito de educação precisa ser criado a partir da cultura de cada lugar”, diz o menino, que gostaria de aprender mais sobre hip hop na escola porque, segundo ele, é uma forma de discutir problemas sociais.
“O currículo traz coisas que a gente precisa aprender, lógico. Mas não deixa a gente ter liberdade de expressão. A gente tem que trabalhar o que está na apostila, mas tem outros conteúdos da mesma matéria que a gente quer estudar”, conta Ângelo Moreira, da Dona Ana Rosa Araújo.
Se a discussão sobre o que aprender era recorrente na fala dos alunos, o como aprender também foi questionado por eles. “Eles dão um exercício para todo mundo da sala. É um padrão. Eles não veem o grau de dificuldade das pessoas. Quem aprendeu, aprendeu, e quem não, fica sem aprender”, conta Pamela Melo, 17, do segundo ano da Escola Estadual Professor Andronico de Mello, no Jardim Colombo, na zona oeste. Na mesma linha, Clara Bruder, da Dona Ana Rosa de Araújo, fala que é preciso mudar a forma de avaliação que eles são submetidos. “Precisa parar de olhar a nota como uma coisa tão importante. Uma nota não define o tanto que eu aprendi. Isso que me deixa frustrada.”
Após as ocupações, a adolescente diz que os alunos poderão questionar mais sobre o modelo de escola. “Vai haver disciplina para aprender, mas não aquela de fazer a gente ficar sentadinho, mandar a gente pro intervalo e fazer voltar em filinha. Acho que a gente vai conseguir chegar ao ponto de questionar isso. Esse é o meu sonho.”
Colaboraram: Larissa Alves e Maria Victoria Oliveira