Com inteligência artificial, museus querem se aproximar do visitante - PORVIR
Crédito: Guilherme Leporace/Museu do Amanhã

Inovações em Educação

Com inteligência artificial, museus querem se aproximar do visitante

Após passar por São Paulo e responder sobre obras, tecnologia usada em exposição do Museu do Amanhã, no Rio, faz perguntas ao público como forma de gerar mobilização

por Camila Leporace ilustração relógio 22 de fevereiro de 2018

No Museu do Amanhã do Rio de Janeiro, além de contemplar a exposição principal, agora os visitantes podem viver uma experiência inovadora que os envolve de forma ativa com os temas abordados. Trata-se da IRIS+, um recurso digital interativo que tem por trás a tecnologia de inteligência artificial da IBM, chamada Watson. A IRIS+ é apresentada como uma extensão da exposição. “É uma inteligência cognitiva que transpõe o espaço físico do museu”, conta o editor artístico da instituição, Eduardo Carvalho. Ao entrar no Museu do Amanhã, cada visitante recebe um cartão da IRIS, a assistente virtual que se conecta com o conteúdo da exposição principal. O conteúdo é dividido em cinco eixos: Cosmos, Terra, Antropoceno, Amanhãs e Nós. Por meio desse cartão, o público pode interagir com a exposição de diversas formas, e o museu, por outro lado, registra as suas interações. Essa tecnologia já estava disponível por lá. Mas a IRIS+ inova ao dar voz à assistente virtual, potencializando essa troca.

Para interagir com a tecnologia, o visitante utiliza fones de ouvido e um tablet, além de um leitor do cartão da IRIS. Ao passar o cartão no leitor, é saudado pela IRIS+, que também o questiona sobre o que mais lhe preocupou ao longo da exposição. De acordo com a resposta – por voz ou digitando no tablet (a tecnologia trabalha decodificando a voz em texto) – a IRIS+ fornece uma série de informações. Por fim, a inteligência artificial pergunta ao visitante o que ele acredita que pode fazer para contribuir positivamente com aquele problema. Para que consiga colocar a mão na massa, é sugerida uma série de opções de trabalhos em ONGs e instituições, voltados para a temática que ele destacou.

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Durante a preparação para o lançamento do projeto no Museu do Amanhã, foram cadastradas várias possibilidades de respostas que o público poderia dar, para que a tecnologia fosse treinada e soubesse fornecer conteúdo sobre cada um deles. Essa fase contou com o envolvimento de cerca de 800 participantes, que levantaram temas ligados à realidade da população carioca. Segundo editor artístico Eduardo Carvalho, a questão da violência, por exemplo, foi citada por crianças de um bairro da zona oeste da cidade que diziam viver em constante estado de vigilância após terem presenciado casos de assassinatos perto de onde moram.

Museu do AmanhãCrédito: Guilherme Leporace/Museu do Amanhã

Segundo o editor artístico, a estratégia permite um engajamento real e concreto do visitante, que consegue levar adiante o conhecimento adquirido e até mesmo participar de atividades que contribuam para enfrentar os problemas do mundo real. Até o momento, a IRIS+ tem cerca de 90 temas cadastrados – entre eles, violência, educação, tráfico de drogas, tráfico de armas, preconceito, machismo, trabalho infantil, novas tecnologias, saúde, alienação e engajamento político. No começo da exposição, em dezembro, havia 240 iniciativas de mais de 100 ONGs brasileiras cadastradas, mas novas organizações são adicionadas constantemente para acompanhar os novos temas que aparecem.

O aprendizado da máquina não é 100% automatizado. Profissionais responsáveis pela exposição decidem o que vale a pena ser incorporado à base do sistema à medida que o público interage com o recurso. Identificam, ainda, possíveis necessidades de adequação das informações fornecidas. Como explica Fabrício Barth, líder técnico do IBM Watson no Brasil e América Latina, apesar de a tecnologia ser tecnicamente capaz de buscar informações até mesmo em fontes online, esse recurso não se adequa ao caso dos museus, já que essas instituições têm uma responsabilidade com o que é passado aos visitantes e, assim, a curadoria do conteúdo torna-se indispensável. Outra particularidade da exposição do Rio de Janeiro é o uso da tecnologia Watson para prever respostas, ao contrário do que acontece em outras experiências.

Na tecnologia Watson adotada no Museu do Amanhã, quem faz a pergunta é a exposição. “Na maioria das vezes, treinamos o sistema para entender a intenção de uma pergunta, enquanto no Museu do Amanhã isso foi feito para entender a intenção por trás de uma resposta. A dificuldade está em que a resposta é geralmente um conteúdo mais longo e menos objetivo que uma pergunta”, diz Barth.

Educação para um mundo de tecnologias

Além de aumentar o envolvimento com a temática do museu e transcender seus limites físicos, gerando um engajamento concreto com as questões apresentadas, o Museu do Amanhã espera aproximar os visitantes também do próprio uso das tecnologias. Há visitantes que, quando perguntados pela IRIS+ quanto ao que mais os preocupa, respondem: “você”. Segundo o editor artístico, isso acontece porque ainda há muito receio quanto às evoluções tecnológicas e, portanto, a ideia é que o Museu contribua para a educação para a tecnologia, a partir do contato das pessoas com a inteligência artificial.

A estudante de História da Arte Thayná Freitas, de 21 anos, experimentou a novidade e gostou. “É legal porque faz você pensar sobre as questões do mundo, teve pergunta (que a IRIS+ fez para ela) que eu não soube responder direito”. Já a estudante de letras Rebeca Souza, também de 21 anos e amiga de Thayná, preferiu apenas observar. Ela diz ter ficado tímida diante da possibilidade de interagir com a máquina. “Não estamos acostumados, é uma experiência muito diferente”, opina, comentando que acredita que as crianças, ao interagir com as novas tecnologias ainda bem jovens, deverão chegar à idade adulta com mais facilidade para lidar com elas. Marcos Gabriel de Oliveira, de 11 anos e estudante do 7º ano, conta que uma de suas maiores preocupações, revelada à IRIS+, é com os vícios, e que pretende ajudar as pessoas a combatê-los. “Aprendi que a tecnologia não é só isso e pode ajudar muitas pessoas”.

Pinacoteca de São Paulo

Na Pinacoteca de São Paulo, a tecnologia de inteligência artificial Watson ganhou vida no projeto “A voz da arte”, que ficou em cartaz de abril a dezembro de 2017. Na ocasião, era o visitante quem fazia perguntas sobre as obras, obtendo as respostas sobre a vida do autor e contexto de sua criação. Para que a conversa com o público fosse possível, a solução da IBM precisou apenas de ideias e exemplos básicos para fazer as primeiras conexões e absorver informações novas. Segundo Barth, não é necessário que ele armazene uma quantidade muito grande de dados para começar.

Para esse treinamento introdutório ao sistema, as áreas de curadoria e educação selecionaram sete obras de artistas brasileiros desde o século 18 até a contemporaneidade. Depois, foi criado um banco de dados com inúmeras possíveis dúvidas sobre as obras de arte e fornecidas as bases de dados e de pesquisa para coletar respostas potenciais às possíveis perguntas como livros, pesquisas acadêmicas, materiais educativos e catálogos. Por fim, a equipe envolvida no projeto trabalhou para aferir possibilidades de respostas para aquelas questões.

No museu paulistano, a interação entre os visitantes e as obras de arte aconteceu por meio do uso de equipamentos semelhantes: fones de ouvido e celulares entregues no começo da visita, além de beacons (dispositivos colocados nas paredes do museu que enviavam avisos aos celulares dos visitantes para alertar que determinada obra de arte contava com a possibilidade de interação via inteligência artificial). Uma vez de frente para a obra, o público podia fazer as perguntas desejadas.

Desafios a resolver

Apesar de avaliar que o objetivo traçado para “A voz da arte” foi alcançado, Milene Chiovatto, coordenadora de educação da Pinacoteca, ainda se pergunta se o recurso será capaz de contribuir para gerar um interesse genuíno pela arte em si. “A experiência com a tecnologia muitas vezes suplanta a experiência com a arte. E não é possível determinar se os públicos mobilizados pela tecnologia vão voltar ao museu, ou mesmo se interessar pela cultura ou pela arte futuramente”, reflete.

Além disso, a educadora da Pinacoteca questiona até que ponto a tecnologia atual já permite um diálogo com a máquina dentro de uma dinâmica realmente semelhante à de um diálogo natural. “Para que isso aconteça, a tecnologia de inteligência artificial deverá avançar em dois sentidos: primeiro na capacidade de empatia, ou seja, na busca de um caminho de sentido comum para com o outro dialogante. E também na capacidade de discutir valores e definições conceituais, sem assumir como verdade um único enunciado. É a capacidade de sermos plásticos, moldáveis e de reavaliar nossas próprias premissas que nos faz humanos”.

Milene coloca algumas perguntas para refletirmos acerca do uso da tecnologia na arte: seriam as formas de mediar o encontro com a arte tão múltiplas como a própria arte? Será a inteligência artificial o futuro do museu? E da educação?
Serão as tecnologias de computação cognitiva o futuro da humanidade? Poderiam os recursos como o Watson substituir o contato com o outro? “Por enquanto, ainda cabe a nós, humanos, emprestar à máquina nosso discernimento, aferindo a validade e adequação de suas respostas. É possível que no futuro a tecnologia prescinda de nós até para isso”, acredita a educadora.

Serviço:
Museu do Amanhã
Endereço: Praça Mauá, 1 – Centro – Rio de Janeiro.
Horário: terça a domingo, das 10h às 18h (com a última entrada às 17h. Ingressos podem ser adquiridos online)


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competências para o século 21, uso do território

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