Daniel Azulay encontrava luxo no lixo da televisão - PORVIR
Crédito: Reprodução/YouTube

Coronavírus

Daniel Azulay encontrava luxo no lixo da televisão

Na era dos primeiros videogames, a maneira com que aquele sujeito alto, de cabelo encaracolado, terno colorido e óculos de arestas vermelhas mexia as canetas, desenhava, e falava fazia outros apresentadores parecerem estagiários

por Alexandre Le Voci Sayad ilustração relógio 6 de abril de 2020

Era praticamente impossível tirar os olhos da televisão quando Daniel Azulay (1947-2020) aparecia, cercado pela sua Turma do Lambe-Lambe, na TV Bandeirantes. Quem passou parte da infância na década de 1980 ou 1990, sabe do que estou falando. Os videogames já existiam e fascinavam, mas a maneira com que aquele sujeito alto, de cabelo encaracolado, terno colorido e óculos de arestas vermelhas mexia as canetas, desenhava, e falava com seu vocabulário próprio fazia outros apresentadores, como a Xuxa, parecerem estagiários no primeiro dia de trabalho.

Afinal, Daniel Azulay era tudo, menos um mero “entertainer”. Foi o primeiro educador “maker” do Brasil: propunha criar animais com embalagens de iogurte, instrumentos musicais com sucata, encontrava luxo no lixo buscando significados lúdicos. As mães adoravam! A educação formal, que cultivava à época um olhar “Frankfurtiano” em relação à TV, com o claro objetivo de defenestrá-la com violência, abria a guarda quando se tratava da Turma do Lambe-Lambe.  Talentoso artista plástico, Azulay também ensinava a desenhar seus próprios personagens com uma graça e facilidade que lembrava um pouco o estilista Clodovil Hernandes desenhando modelos à mão livre.

Convivi pessoalmente e profissionalmente com ele e fiquei entristecido com sua derrota para a leucemia e o coronavírus COVID-19. Em reuniões de trabalho, ou saindo com ele e sua esposa Beth no Rio de Janeiro, não conseguia distinguir a “persona” da televisão do homem de negócios, ou amigo. Tanto é que volta e meia ele dizia “algodão doce para você” (seu conhecido jargão) quando nos despedíamos. Sua alma era sim infantil, mas sua essência era certamente adolescente.

Afinal, segundo a etimologia, “infante” é o que não fala; não tem expressão ou voz. Nada surpreendente se considerarmos o significado da infância antes da metade do século passado, e do desenvolvimento da psicologia. Já o significado do termo “adolescente” (aprendi com o professor José Miguel Wisnik)  é “quem está exalando”. Algo vivo, ativo. Um irônico cognato em relação ao termo “adulto”, que é o particípio passado do mesmo, ou seja, “quem já foi exalado”. Quem acabou.

Nesse sentido, Azulay sempre foi um adolescente que não se rendia ao mundo adulto. E buscava dar voz às crianças assumindo o papel de um comunicador que educava.

Todas as competências básicas que a BNCC (Base Nacional Curricular Comum) nos propõe, repito, todas, estavam presentes no seu programa de televisão, revistas, livros ou oficinas de desenho. Com as atividades, ele buscava prolongar princípios preciosos e caros da educação infantil até a vida adulta. Um sonho utópico de “aprendizado durante a vida toda” que, de certa maneira, a BNCC também propõe (lifelong learning).

Por isso, tínhamos projetos conjuntos que infelizmente ficaram no ar. Hoje é possível assistir a alguns dos programas no seu canal de YouTube – da sua passagem pela TVE e outros feitos para a internet –, e inspirar-se para planos de aula e ideias de atividades. Quanto ao seu carisma, me parece impossível de reproduzir.  Mas não custa tentar cultivar nossa adolescência: algodão doce pra todos vocês!


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autonomia, base nacional comum curricular, competências para o século 21, coronavírus, educação infantil, educação mão na massa

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