Apoio do professor é fundamental para desenvolver a autonomia do estudante
Durante a pandemia, propostas inovadoras e estimulantes, além de tutoriais e diretrizes claras sobre o uso da tecnologia, despertam curiosidade e engajam crianças e jovens no aprendizado
por Maria Victória Oliveira 26 de fevereiro de 2021
Quando o assunto é educação durante a pandemia, não é possível considerar apenas uma realidade, já que a oferta de ensino teve muitas configurações em escolas e redes de todo o país. Entretanto, os mais diversos arranjos – como ter contato com o professor em uma reunião online, em aplicativos de mensagens ou, em muitos casos, apenas por meio de orientações escritas -, possibilitaram que crianças e jovens desenvolvessem mais autonomia. Isso aconteceu em duas frentes: uma mais operacional, relacionada ao manuseio da tecnologia e de materiais, e outra voltada às novas formas e arranjos de aprender.
Muito se fala que os estudantes, sobretudo os mais novos, são considerados nativos digitais por praticamente já nasceram com as mãos prontas para manusear aparelhos tecnológicos. Isso realmente é verdade quando se trata de celulares e tablets. Entretanto, o fechamento das escolas mostrou que seria mais confortável ter aulas online com uma tela maior, o que, por sua vez, expôs a pouca familiaridade de crianças com computadores e notebooks.
“Quando estávamos no presencial, mesmo que não intencionalmente, nós não deixávamos que os estudantes pudessem desenvolver a habilidade de ligar o computador, fazer o seu login, e procurar seguir os caminhos que a professora orientou. Hoje, percebemos que há mais tranquilidade quando um link não funciona, por exemplo, e uma facilidade muito maior quando falamos ‘acessem o Google Sala de Aula, sigam tal link’. Muito disso é por conta dessa vivência no dia a dia”, explica Daria Passos, professora e integrante do grupo de educadores Google de Praia Grande.
Letícia Lyle, sócia-fundadora da Camino School, concorda que se trata de um aprendizado que vai se tornando cada vez mais automático com a vivência e a repetição. “Ao longo da pandemia, os modelos de mais sucesso no online realmente tiveram a visão de reservar um tempo para ensinar esse passo a passo para as crianças, de como realizar pequenas tarefas de ligar um equipamento e entrar no aplicativo. Algumas escolas e, principalmente, professores, fizeram esse papel de orientação muito bem”, explica.
Para ela, essa vivência será muito útil em 2021, que ainda fará amplo uso do ensino híbrido. “Acredito que nesse ano teremos novas ferramentas e com certeza os professores vão querer inovar um pouco mais. Então sempre passaremos por esse lugar de construir novas habilidades. Entretanto, a verdade é que estamos começando esse ano muito à frente da forma que começamos 2020 no quesito nível de habilidades tecnológicas.”
A relação entre autonomia para estudar, orientação docente e inovação de propostas
Para Daria, é impossível falar sobre o desenvolvimento da autonomia dos estudantes para estudar sem falar sobre orientação docente. Segundo a professora, além do fato de que cada pessoa tem seu ritmo de aprendizagem, o profundo conhecimento das características da turma permite ao tutor fornecer diretrizes mais assertivas, reconhecendo em quais pontos as crianças podem ser desafiadas e aqueles em que precisam de mais apoio para desenvolver a autonomia.
Algumas estratégias podem ajudar a envolver, cada vez mais, os estudantes no seu processo de ensino e aprendizagem, como a realização de pesquisas. Nesses casos, Dária organiza em um documento links confiáveis a serem acessados e faz um trabalho diário de acompanhar a produção online de cada um. “Assim você consegue perceber onde estão as falhas e as maiores dificuldades para orientar a partir disso. A autonomia não consiste em entregar a ferramenta ou proposta na mão do estudante e falar ‘se vira’. Isso não existe. Você precisa trazer a informação inicial e delegar funções para o aluno, dando a certeza dos caminhos e conferindo segurança. Quando ele percebe que está construindo junto, vai ficar motivado para ir até o final.”
Todo esse trabalho também produz efeitos em outros âmbitos, como nas relações interpessoais e de confiança entre as crianças. Em 2020, Dária propôs a estudantes de nove anos uma pesquisa de imagens que deveria ser realizada a partir de um único documento, compartilhado com toda a turma. Apesar de não ter mencionado que era possível acessar o histórico do documento para acompanhar as ações de cada um, a professora reforçou que os alunos deveriam se ater ao seu trecho, não alterando as partes pertencentes aos colegas. Ao longo do percurso, o grupo teve apenas um incidente: uma aluna se confundiu e deletou, sem querer, o trecho de outra pessoa.
“Logo em seguida ela mesma, não os pais, veio me mandar um e-mail contando o que aconteceu. Tratei de resgatar o trecho e ficou tudo bem. Algo que sempre trabalho com eles é o fato de que o erro faz parte do aprendizado, um não existe sem o outro. O problema é persistir na falha. Esse discurso, juntamente com um acompanhamento de perto, traz segurança e também possibilita o desenvolvimento da autonomia”, reforça Dária.
Propostas inovadoras e mais perguntas estimulam reflexão e autonomia
Para Letícia, a própria mudança de lógica do ensino em 2020 fez com que estudantes tivessem a possibilidade de trabalhar mais sua autonomia. A necessidade de professores se reinventarem e inovarem suas propostas, de forma a produzir aulas mais engajadoras e estimulantes para realmente envolver os estudantes, produziram novas compreensões e adoção de outras estratégias.
“Acredito que, com a pandemia, muitas escolas e professores conseguiram criar um espaço que permitiu aos estudantes desenvolver um lugar de curiosidade e criatividade, o que muitas vezes não era possível nas propostas pedagógicas presenciais por serem muito restritas, conteudistas e com pouco espaço para desenvolver essa autonomia”, explica a gestora.
Além do uso de metodologias ativas e sugestão de projetos mão na massa, bem como se distanciar da abordagem da cópia de conteúdos, Letícia reforça que trocar afirmações por perguntas e incentivar que o estudante também faça seus próprios questionamentos são estratégias que podem engajá-los e ajudá-los a serem mais autônomos.
“Um dos estopins da criatividade e da curiosidade é nossa capacidade de olhar para uma cena, objeto ou indivíduo e fazer perguntas das mais variadas. É a partir daí que nascem grandes hipóteses e caminhos de investigação. Podemos fazer perguntas em casa, no caminho da rua, na escola. Uma vez que o estudante faz uma pergunta, sua cabeça já começa a pensar nas possíveis respostas, e então ele se engaja no processo de aprendizagem”, exemplifica. Esse engajamento também acontece uma vez que cada aluno expressa seus interesses em seus questionamentos, fazendo com que o aprendizado tenha mais sentido e seja mais relevante.
Autonomia na educação infantil?
Se para alguns pode parecer desafiador falar em autonomia na educação infantil, outros defendem que esse é um dos pilares para a construção de uma sociedade melhor, como é o caso de Paula Penteado, especialista em educação infantil e metodologias ativas e coordenadora pedagógica do CEI (Centro de Educação Infantil) Vila Inglesa, em São Paulo.
Além do desafio de acesso às tecnologias digitais, Paula explica que muitos dos pais e responsáveis pelos alunos atendidos pelo CEI trabalham o dia todo, o que colocou uma dificuldade a mais na realização de propostas junto aos filhos. Apesar de oferecer atividades via Google Classroom e Padlet, poucas famílias conseguiram acessá-las. Por isso, uma alternativa para manter o contato durante a pandemia foi o envio dos chamados ‘pacotinhos de amor’, kits com materiais, livros, tecidos e outros elementos para que os alunos pudessem brincar, aprender e desenvolver atividades em casa de forma mais autônoma (saiba mais).
“Nós reservamos um tempo para conhecer cada grupo e, a partir disso, as professoras montaram pacotes específicos de acordo com propostas que já tinham feito no começo do ano e reconhecendo os interesses daquela turma. Construímos os kits de forma que as crianças pudessem ter opções de escolha e que permitissem fazer as atividades utilizando a imaginação, a criatividade e, no caso dos bebês, a exploração”, explica Paula.
Para a educadora, apesar de ser fundamental, a oportunidade de escolha – atrelada ao aprendizado de crianças pequenas – foi tolhida durante a pandemia, e a retomada gradual das atividades presenciais já mostrou que alguns alunos estão com dificuldades em tomar decisões. “Quando oportunizamos a escolha das crianças, é uma chance para que ela decida como vai organizar seu dia. É claro que depende da escola, mas nós, por exemplo, prezamos por essa organização conjunta, ao passo que nem todas as famílias tiveram esse entendimento do papel fundamental dos filhos na organização do próprio dia.”
Proporcionar situações que incentivem o desenvolvimento da autonomia desde cedo colabora para o desenvolvimento da sociedade. Considerando que o exercício da cidadania não se limita, por exemplo, ao voto nas urnas, Paula defende que, em muitos casos, os menores são mais cidadãos do que adultos, considerando suas atitudes na vida em comunidade, como não jogar lixo na rua e usar máscara. “Muita gente esquece da capacidade crítica de questionamento das crianças e acredita que elas apenas copiam e reproduzem o que veem. Mas a partir do momento que ela entende e concorda com alguma coisa, ela exerce a cidadania melhor do que muitos adultos.”