Os benefícios do brincar criativo no desenvolvimento de crianças autistas - PORVIR
Tânia Rego/Agência Brasil

Inovações em Educação

Os benefícios do brincar criativo no desenvolvimento de crianças autistas

Estratégias criativas para as turmas de educação infantil podem apoiar a promoção de um ambiente inclusivo para todos

por Sabrina Crews, do Edutopia ilustração relógio 2 de abril de 2025

As salas de educação infantil oferecem diversas oportunidades de aprendizado por meio do brincar. Além disso, podem ser ambientes inclusivos, onde os alunos se sintam apoiados em seu desenvolvimento social e criativo. No entanto, garantir essa inclusão de forma efetiva não é simples. Cada criança interage e manifesta sua criatividade de maneira única, o que também se aplica aos estudantes autistas.

De acordo com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos (órgão semelhante no Brasil tanto à Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz – pelo seu caráter de pesquisa quanto à Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente pela prevenção e controle de doenças), uma em cada 36 crianças é identificada como autista — embora seja importante notar que, no nível pré-escolar, muitas ainda não tenham recebido diagnóstico. De qualquer forma, se você é professor de educação infantil, existe uma probabilidade estatisticamente significativa de que tenha um aluno autista em sua sala.

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Como coordenadora de avaliação infantil, colaboro com equipes especializadas e pais. Aplicamos métodos de observação lúdica para todas as crianças, inclusive aquelas no espectro autista. Nosso trabalho envolve crianças de 2 a 3 anos antes de sua inserção nos programas de educação infantil ou maternal.

Tenho várias sugestões, com base no meu trabalho, para educadores da educação infantil que possuem alunos autistas já identificados, assim como algumas ideias gerais para professores que desejam integrar técnicas de brincar e criatividade que tornam a experiência de aprendizagem mais rica e significativa para todos.

Repense e incentive a criatividade

A criatividade é frequentemente associada a projetos artísticos vibrantes, à ficção, à poesia e à musicalidade. Pesquisas conectam criatividade ao pensamento divergente, ou “a capacidade de gerar uma variedade de ideias ou temas”, segundo estudos publicados em 2014 e 2016 na revista “Psychology of Aesthetics, Creativity and the Arts”, periódico bimestral da Associação Americana de Psicologia.

Na educação infantil, a criatividade costuma ser vista por meio do brincar imaginativo, onde as crianças usam um objeto como se fosse outro. Esse tipo de brincadeira imaginária geralmente envolve interações sociais, como fingir ser um veterinário ajudando um dono de pet shop. As interações sociais estimuladas por este tipo de brincar são valiosas, mas não são a única forma de expressão criativa nas salas de educação infantil.

Algumas crianças brincam de maneira que não se concentra nas interações sociais. Pesquisas indicam que alunos autistas, em particular, apresentam dificuldades de interação social e comunicação. Em vez de analisar o que está “faltando” na brincadeira desses alunos, o ideal é abraçar as maneiras únicas como eles interagem com o ambiente. Algumas crianças, especialmente as autistas, podem usar sua imaginação para entender como as coisas funcionam e explorar o mundo ao seu redor. Sua criatividade pode estar voltada para estabelecer uma ordem interna, segundo Bruce Mills, professor do Kalamazoo College.

Os “Quatro Cs” da criatividade, definidos por James Kaufman oferecem uma estrutura útil para alunos interessados em compreender seu próprio ambiente. O Mini-C (mini = pequeno) é a criatividade pessoal, ligada a descobertas individuais e aprendizado. O Little-C (little = pequeno) refere-se à criatividade do dia a dia, como resolver problemas de forma inovadora. O Pro-C (pro = profissional) é a criatividade de quem a desenvolve com experiência, mas sem grande reconhecimento. Já o Big-C (big = grande) representa a criatividade revolucionária, que impacta a história, como a de Einstein ou Mozart. Os nomes foram escolhidos para ilustrar de forma simples como a criatividade se manifesta em diferentes níveis ao longo da vida, mostrando que ela pode ser desenvolvida por qualquer pessoa.

O Mini-c, em especial, se aplica bem a crianças pequenas, pois se concentra na descoberta pessoal. Para um aluno que alinha carrinhos de brinquedo em fila, isso pode parecer comum para os outros, mas ele pode estar explorando padrões, organizando os carrinhos por cor, tamanho, número de portas ou como as rodas giram.

Há muitas maneiras fáceis para os professores incentivarem seus alunos. Se uma criança gira as rodas de um carrinho, o professor pode acompanhá-la e modelar diferentes formas de interagir com o brinquedo, girando as rodas mais rápido, devagar, para frente e para trás. Essas interações simples incentivam a criatividade e a interação social, beneficiando todos os alunos, especialmente os autistas.

Incentivo direcionado 

Para professores da educação infantil que têm alunos autistas diagnosticados, estimular a metacognição pode envolver o uso de apoios visuais, como:

  • Quadros “primeiro-depois” (first-then boards): eles mostram, de forma clara e estruturada, o que deve ser feito primeiro (first) e o que vem depois (then), incentivando a realização de tarefas.
  • Painéis de escolhas (choice boards): oferecem opções visuais para que crianças escolham atividades ou expressem preferências, promovendo autonomia.

Esses recursos ajudam na antecipação de resultados, no estímulo à autorreflexão sobre decisões e na compreensão das emoções.

A intervenção “floortime” (tempo de interação no chão) é outra estratégia eficaz para apoiar alunos autistas. Criada por Stanley Greenspan, é uma abordagem terapêutica que fortalece habilidades socioemocionais e comunicativas em crianças autistas, promovendo interações naturais por meio da brincadeira. 

O nome vem da ideia de que o adulto deve se envolver no mundo da criança, muitas vezes sentando-se no chão para interagir de forma afetuosa. A técnica segue três etapas:

1) acompanhar o interesse da criança, 
2) expandir a interação com desafios e 
3) incentivar a comunicação e a resolução de problemas, respeitando seu ritmo e promovendo o desenvolvimento de maneira lúdica e envolvente.

Essa abordagem começa respeitando o interesse da criança para estabelecer uma conexão, e, em seguida, introduz desafios que promovem o seu desenvolvimento. Se um aluno está movimentando um carrinho para frente e para trás, o professor pode imitar essa ação e adicionar linguagem, dizendo “vrum, vrum” ou “dirija”. Com o tempo, o professor pode introduzir brincadeiras imaginativas baseadas nos interesses da criança, como uma oficina mecânica ou uma loja de flores.

A terapia do brincar também é uma ferramenta poderosa para estimular a criatividade em alunos autistas. Bonecos, por exemplo, podem ser altamente envolventes, proporcionando um ambiente estruturado e criativo para a expressão e o desenvolvimento. Brinquedos como Lego promovem a resolução de problemas, a colaboração e a comunicação, ajudando crianças autistas a desenvolver habilidades sociais de forma envolvente.

Quando os brinquedos são escolhidos com cuidado e os espaços de brincadeira são organizados, crianças autistas são mais propensas a interagir com seus colegas e desenvolver competências sociais. A interação é ainda mais eficaz quando os grupos incluem crianças com habilidades interpessoais avançadas, com adultos facilitando a brincadeira sem interferir excessivamente.

Ao integrar estratégias direcionadas dentro de uma nova abordagem criativa, os educadores podem criar uma sala verdadeiramente inclusiva, onde cada criança possa explorar o mundo de maneira significativa e estimulante.


* Publicado originalmente em Edutopia e traduzido mediante autorização
© Edutopia.org; George Lucas Educational Foundation


TAGS

diversidade, educação inclusiva, educação infantil, inclusão

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