Como alcançar o máximo potencial da educação em um mundo desigual?
Em artigo, Vishal Talreja, cofundador da Dream a Dream, sugere como reprojetar a educação com base no papel central dos Projetos de Vida e das habilidades socioemocionais
por Vishal Talreja 25 de abril de 2022
Lavanya, de 18 anos, divide-se entre ser estudante, cuidadora, assalariada, tutora e professora de dança, já que é a responsável por trazer o sustento da família. Ela começa o dia às 6 horas da manhã e só volta para casa às 20h, para se dedicar às lições de casa.
A história de Lavanya é somente uma entre inúmeras vivenciadas por jovens que crescem em situações adversas na Índia e em muitos outros países espalhados pelo Sul Global. Está claro que o modelo tradicional de ensino – e o das próprias escolas – falhou em nos preparar, e também preparar as nossas crianças, para entender, dar significado e se adaptar a um mundo cada vez mais complexo e cheio de incertezas.
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O debate sobre uma reforma educacional que prepara as crianças para as profissões do futuro tem aumentado ao longo dos últimos anos. Essa é uma abordagem que tem se mostrado ultrapassada, e isso por três razões simples:
1. O futuro é agora!
A afirmação que muitas vezes se repete, de que as crianças (e jovens?) vão enfrentar um mercado de trabalho incerto em um mundo que se transforma cada vez mais rápido já é uma realidade. Esse dito “futuro incerto” já sofre mudanças enquanto você lê esse artigo.
Vivemos em um momento que requer reflexão e pensamento crítico: fizemos o suficiente para preparar crianças e jovens para a realidade complexa e incerta que foi, inclusive, aprofundada pela pandemia?
2. Crescimento econômico x prioridade ao bem-estar
Lidar com a pandemia fez com que, pela primeira vez na história, os seres humanos fossem obrigados a diminuir a velocidade. De repente, a ideia de que o crescimento econômico é o único indicador do sucesso de uma nação mudou completamente.
Hoje, quase que de maneira forçada, estamos sendo obrigados a priorizar saúde e bem-estar muito mais do que aspectos econômicos. E isso para o nosso bem e também do planeta. Países como Finlândia, Nova Zelândia, Islândia e Eslováquia, que já colocavam em primeiro plano a saúde e bem-estar de seus cidadãos, obtiveram melhor resultado ao enfrentar a crise acarretada pela pandemia, enquanto outros tiveram inúmeras dificuldades.
Estaríamos, então, diante do ponto de virada que pode definir um novo propósito para a educação, levando a um modo de agir perante a realidade?
3. A educação pode ser a solução para desenvolver desigualdades sistêmicas?
A crise atual nos mostrou com clareza o quanto as desigualdades sistêmicas encontradas em nossa sociedade afetam muito mais os pobres e pessoas marginalizadas do que a população em geral. Quando um estudante do 8º ano do ensino fundamental, que divide um celular com mais quatro pessoas em casa, precisa decidir entre comprar dados móveis de internet ao invés de comida e, ainda assim, é proibido de ingressar na aula online por estar atrasada cinco minutos, não estamos colocando no online vieses que antes eram vividos presencialmente? Qual o papel da educação em mudar essa situação?
Antes de encontrar soluções rápidas para questões como as citadas acima, é preciso parar, refletir e perguntar qual o papel da educação em um mundo que é tão complexo e que muda com tanta rapidez, onde crianças enfrentam circunstâncias difíceis no decorrer de suas vidas. Este momento de pausa é o que vai nos ajudar a imaginar futuros possíveis na educação onde cada criança consegue se desenvolver.
Para transformar a maneira como lidamos com educação, propomos as seguintes mudanças:
Desenvolvimento como propósito da educação
Enquanto a educação for guiada por exames, rankings e for medida pelo sucesso individual, ela servirá apenas para 10 ou 15% das pessoas mais privilegiadas do planeta. Para garantir equidade e dignidade educacional para todas as crianças, precisamos reinventar os propósitos da educação e redefinir o que significa ter sucesso no século 21. Em um mundo de constantes transformações, com muitas peculiaridades, definições fechadas de sucesso que são baseadas em cargos, salários e status sociais são ultrapassadas.
Precisamos de uma abordagem inteiramente nova da educação forjada no desenvolvimento, onde cada pessoa desenvolve uma gama de habilidades, valores e competências que as torne responsáveis, resilientes e felizes. Uma abordagem na qual o desenvolvimento individual está intrínseco às famílias, à sociedade e ao planeta que também está em desenvolvimento.
O papel do planejamento de vida e habilidades socioemocionais no combate às desigualdades na educação
Justin Van Fleet, diretor executivo do “Global Business Coalition for Education” (Coalizão Global pela Educação, em tradução livre), apontou que em 2030 haverá 1,6 bilhão de jovens no mundo e menos da metade deles terá habilidades básicas para contribuir com a sociedade.
É preciso olhar para além das questões de excelência acadêmica e ajudar os jovens a crescer e estar prontos para o futuro. Projeto de Vida e aprendizagens socioemocionais são caminhos que podem auxiliar nesta tarefa. E isso pode ocorrer por meio de programas específicos de contraturno nas escolas que usem arte, música e cultura, por exemplo.
Também é possível trabalhar essas questões por meio de propostas inovadoras como empreendedorismo, “Currículos para a felicidade”, e currículos focados em cidadania. Isso demanda uma mudança significativa na maneira de ensinar e também aprender, saindo de uma pedagogia mais instrucional para uma que esteja mais voltada na empatia e em atividades.
Esse processo exige que a figura do professor mude de alguém que somente entrega o conteúdo, para quem “facilita a aprendizagem”. Isso significa se distanciar de um sistema escolar organizado por séries e idades e caminhar para uma abordagem mais integral, capaz de criar oportunidades para todas as crianças aprenderem em seu próprio tempo e, com isso, desenvolver habilidade para se tornarem aprendizes por toda a vida.
Ambiente que ajuda toda criança a se desenvolver
Estes futuros possíveis para a educação, onde cada criança se desenvolve de maneira equânime, requerem uma abordagem colaborativa e um ecossistema também colaborativo que envolva diferentes atores da comunidade escolar como famílias, professores, gestores e também da sociedade em geral.
Conclusão
Dizer para as crianças, na situação atual, que a educação é o caminho para o sucesso é uma das nossas maiores mentiras. Não é mais verdade, com tantas dificuldades, desigualdades e complexidades do futuro. Se estamos comprometidos com a ideia de que educação é realmente um caminho para que cada criança seja bem-sucedida e por meio delas sejam capazes de melhorar o mundo, então precisamos reparar os nossos privilégios, vieses e preconceitos que levaram o mundo à pobreza.
Devemos reprojetar a educação com base no desenvolvimento, mostrando o papel central que “Habilidades de Vida” e socioemocionais têm em preparar as crianças para o desenvolvimento e finalmente enfrentar os desafios da educação como um ecossistema completo e não de maneira isolada.
Vishal Talreja
É cofundador da Dream a Dream (www.dreamadream.org), instituição indiana que capacita crianças e jovens de origens vulneráveis a superar as adversidades com uma abordagem criativa de habilidades para a vida. Ashoka Fellow, Eisenhower Fellow, Salzburg Global Fellow e integrante do conselho da PYE Global, foi diretor fundador da UnLtd India e membro do conselho da India Cares Foundation. Reconhecido como “Arquiteto do Futuro” pelo Waldzell Institut, na Áustria, também é consultor e mentor da Reap Benefit e está profundamente comprometido em orientar ONGs iniciantes e jovens empreendedores sociais. Em 2018, foi premiado com o prêmio 'Heróis de Bangalore'. Mais recentemente, ganhou o título de 'Inovador do Ano' pela HundrED.org.