Curso de Harvard apresenta currículo de cidadania global para crianças e jovens - PORVIR
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Como Inovar

Curso de Harvard apresenta currículo de cidadania global para crianças e jovens

Livro do professor Fernando M. Reimers defende inclusão do tema em toda vida escolar. Em outra obra, ele discute currículos alinhados ao século 21

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 6 de fevereiro de 2018

Desenvolver ação e responsabilidade nos estudantes. Este é o objetivo do curso sobre cidadania global criado pelo especialista em políticas educacionais Fernando M. Reimers e outros quatro autores da Harvard Graduate School of Education, nos Estados Unidos. Lançado em português pela Fundação Santillana e pela Editora Moderna, o conteúdo é apresentado no livro “Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global – Fundamentos e Programa com Atividades e Referências, da Educação Infantil ao Ensino Médio”. A obra conta com duas versões digitais gratuitas, uma em PDF e outra em formato de livro digital. Além de Reimers, os outros autores do livro são Vidur Chopra, Connie K. Chung, Julia Higdon e Eleanor O’Donnel, todos ligados à área de pesquisa na Harvard Graduate School of Education.

Já em “Ensinar e Aprender no Século XXI – Metas, Políticas Educacionais e Currículos de Seis Nações”, da Editora SM, são comparadas estratégias de escolas dos Estados Unidos, Cingapura, Chile, China, Índia e México que trabalham para desenvolver competências nos estudantes.

Também do professor Reimers:
– Livro: Conectando os pontos para construir o ensino e aprendizado do futuro
– Livro: Empoderando Alunos Para Melhorar o Mundo. Um Guia Pratico Versao 1.0 (Portuguese Edition)
– Livro: Empoderar Criancas e Jovens Para a Cidadania Global
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Em entrevista ao Porvir, Reimers explica que a cidadania é um assunto que deve ser abordado durante toda a trajetória educacional, com um currículo “adaptado ao que é apropriado em cada estágio de desenvolvimento da criança”. Por isso, os capítulos do livro são divididos de acordo com o ano escolar. O curso se inicia na educação infantil com atividades que envolvem  entrevistas, descrições e contação de histórias sobre a beleza e diversidade do mundo. Segue ano a ano, como no terceiro do ensino fundamental, quando os estudantes começam a compreender a interdependência global, aprendendo sobre o funcionamento de uma fábrica de chocolate. No ensino médio, eles  trabalham com temas como meio ambiente, sociedade e saúde pública.

Cada capítulo apresenta detalhe das atividades, incluindo tópico, temas, regiões citadas, duração, objetivos e metas, habilidades e conhecimentos, visão geral, atividades e recursos, este último com páginas na internet sobre o tema. O livro ainda tem apresentação da professora Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da CEIPE-FGV (Fundação Getulio Vargas), e tem o endosso de outros especialistas  mundiais da área, como Irina Bokova, diretora-geral da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e o empresário suíço-brasileiro Jorge Paulo Lemann.

Segundo Isabel Farah Schwartzman, gerente de inovação e projetos do Grupo Santillana, o preparo para o exercício da cidadania está claramente apresentado na Lei das Diretrizes e Bases da Educação e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, definidos como algumas das principais fontes norteadoras de currículos e materiais didáticos. “Este objetivo se traduz por exemplo nos temas transversais, que são trabalhados em todas as disciplinas, incluindo ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo”, explica Isabel.

Ela ainda menciona que  escola tem autonomia para discutir os temas de diferentes formas a partir de seu projeto político pedagógico. “Há escolas que desenvolvem trabalhos primorosos com o tema da cidadania, como a Escola Municipal de Ensino Fundamental Infante Dom Henrique, na zona leste de São Paulo (SP), que recebe alunos imigrantes de diferentes países e desenvolve projetos para promover o respeito e integração destes alunos, que falam como primeira língua árabe, espanhol e inglês. Mas de forma geral, o nível das discussões certamente pode ser aumentado”, afirma Isabel.

Educação para o século 21

Outro livro lançado por Reimers no Brasil recentemente foi “Ensinar e Aprender no Século XXI – Metas, Políticas Educacionais e Currículos de Seis Nações”, da Editora SM. Escrito e editado em parceria com a colega de Harvard Connie K. Chung, a obra discute e compara objetivos educacionais, políticas públicas e currículos dos Estados Unidos, Cingapura, Chile, China, Índia e México. Os seis países participam da Iniciativa Global pela Inovação na Educação, pesquisa colaborativa que busca entender como as escolas trabalham para desenvolver nos estudantes as competências necessárias para viver, trabalhar e participar ativamente da sociedade no século 21.

A partir dos estudos levantados por especialistas da área nos seis países, os autores propõem cinco desafios e recomendações para que a educação para o século 21 seja realmente implementada. Entre eles, estão a necessidade de promover o entendimento público sobre o tema, desenvolver mais pesquisas e teorias, encontrar novas formas de organizar os sistemas educacionais para encontrar o equilíbrio entre centralização e autonomia e mostrar como é possível desenvolver as competências para o século 21 ao mesmo tempo em que se investe na alfabetização tradicional.

“Em síntese, com este livro queremos fazer com que os que desempenham um papel na área de educação participem de um debate global sobre os propósitos da educação no século atual, os quais, na nossa visão, incluem a preparação de alunos com as competências, a capacidade de ação e o desejo de lidar com as questões importantes com que todos nós hoje nos defrontamos”, diz o texto.

A publicação tem posfácio escrito pela diretora do Instituto Inspirare, Anna Penido,  que fala sobre a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) no Brasil. “O que todos os estudantes brasileiros devem aprender e desenvolver ao longo de suas trajetórias escolares para realizar seus projetos de vida no século 21, contribuindo assim para que o Brasil avance como nação? Essa é a questão primordial que o país deveria se fazer na elaboração de sua Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, defende em seu texto.

Infográfico: Entenda as 10 competências gerais que orientam a Base Nacional Comum

De acordo com Anna, entre os países estudados no livro, “os que tiveram maior sucesso na construção de currículos sintonizados com a contemporaneidade são justamente aqueles que educam as novas gerações em consonância com seu projeto de nação”.

Para ela, os casos estudados no livro “Ensinar e Aprender no Século XXI” podem apoiar o Brasil a construir e implantar uma Base Nacional  sintonizada com o século atual. Por isso, deve ser assegurado que a BNCC  “possua propósitos claros e compartilhados, estruture-se com base em um processo planejado e transparente, inspire-se em referências internacionais, agregue a participação de diversos setores da sociedade, articule um sistema eficiente para garantir sua implantação, provoque a revisão dos mecanismos de avaliação da educação, apoie-se em um programa intensivo de formação dos profissionais da educação, alinhe as expectativas das famílias e promova o engajamento dos estudantes”.

Confira entrevista com Fernando M. Reimers sobre os livros “Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global” e “Ensinar e Aprender no Século XXI”:

Porvir – Como surgiu a ideia de criar um livro para orientar o ensino da cidadania nas escolas?
Fernando M. Reimers – Como parte do trabalho que faço na Iniciativa Global pela Inovação na Educação, uma pesquisa e prática colaborativa com colegas e instituições em dez diferentes países, aprendi que um dos mais importantes desafios educacionais que encaramos é ajudar os sistemas públicos de ensino a se tornarem relevantes para as necessidades do presente e do futuro. Para isso, um dos desafios é garantir coerência e clareza de visão, que podem auxiliar a alinhar as várias partes interessadas que influenciam a educação. Um currículo de alta qualidade é um dos caminhos-chave para produzir estas características, e é por isso que decidi desenvolver e publicar este e outros livros com recursos curriculares para dar suporte à educação para a cidadania global, alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Porvir – Por que é tão importante falar sobre o tema desde cedo com as crianças?
Reimers –
A premissa básica do currículo para a cidadania global apresentada no livro é que esta é a chave para ajudar estudantes a desenvolver ação e responsabilidade. Para fazer isso, pedagogias que suportem o aprendizado ativo, a colaboração, o trabalho em desafios reais e significativos, são necessárias. Por isso nosso currículo não mostra apenas como “falar sobre” desafios globais. É uma sequência de desenvolvimento construtivo projetada com cuidado para cultivar, gradualmente, a capacidade de agir de forma responsável, criar, inventar e inovar para melhorar o mundo.

Porvir – Por que existe tanta dificuldade para discutir o tema num ambiente tão propício como a escola?
Reimers –
Mudar objetivos e abordagens da educação é difícil. Muitas pessoas têm pressupostos profundamente enraizados sobre o que deveria ser ensinado e como, o que vem de suas próprias experiências educacionais. Por isso elas tendem a pensar que a educação que receberam deveria ser a norma. É de se esperar que a ousada proposta de um curso completo sobre estudos globais, desde a educação infantil até o ensino médio, para desenvolver as capacidades para uma cidadania global efetiva, encontre alguma resistência.

Porvir – Qual é a importância de haver diferentes abordagens de acordo com a idade educacional da criança?
Reimers –
A progressão do currículo deve estar alinhada ao processo de desenvolvimento pelo qual os estudantes passam. Um estudante na educação infantil não é uma miniversão de um estudante de ensino médio, eles vêem o mundo de uma forma diferente, pensam diferente. Isso significa que qualquer tipo de currículo deve ser adaptado ao que é apropriado em cada estágio de desenvolvimento da criança. Este é o motivo para que o livro inclua no capítulo sobre educação infantil atividades para ensinar os estudantes a celebrar a diversidade de formas muito concretas, e que começa examinando o que os alunos gostam e desgostam, assim como nos capítulos sobre séries mais avançadas o currículo envolve os estudantes em atividades com maior sofisticação conceitual, como a criação de um negócio ou pensar sobre movimentos sociais comparativamente entre países e períodos históricos.

Porvir – Qual é o papel de cada um dos atores neste tipo de ensino: professores, escola e pais? Como atuar?
Reimers –
Se queremos ajudar os estudantes a se tornarem cidadãos globais empoderados é importante que as várias instituições que influenciam seu desenvolvimento – famílias, vizinhança, instituições religiosas, escolas, associações de voluntários – fortaleçam-se mutuamente. É difícil para uma criança estar em uma escola que ensina que todas as pessoas são fundamentalmente iguais e têm a mesma dignidade, se as mensagens que recebe em casa são racistas e negam este comprometimento com os direitos humanos de igualdade. Por esta razão, é útil que os vários adultos que influenciam crianças tenham profundas e significativas conversas que possam contribuir para o desenvolvimento bem-sucedido de uma criança em um adulto capaz de se tornar arquiteto de sua própria vida e em um membro que contribua para sua comunidade.

Porvir – O currículo proposto no livro pode ser adaptado para todos os países? De que forma?
Reimers –
Com certeza. O objetivo do livro é oferecer um modelo de como construir um currículo coerente e desafiador alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ambos da Organização das Nações Unidas, ONU). Nós realmente esperamos que as escolas façam adaptações do material para alinhá-lo a suas próprias circunstâncias, possibilidades e capacidades. Muitas escolas usam este e outros materiais de educação global que desenvolvi. Em todos os casos, isso envolve um processo de adaptação e recriação.

Porvir – No livro “Ensinar e Aprender no Século XXI”, todos os países tiveram dificuldades para mudar seus currículos. Onde você vê o Brasil agora? Quais são os riscos após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular?
Reimers – Claramente, o Brasil expandiu o currículo para abraçar objetivos ambiciosos na educação, o que é apropriado. O próximo passo é o país investir em desenvolver uma formação de professores altamente profissional para que essas metas sejam alcançadas.

Porvir – Como uma falta de uma teoria para o desenvolvimento das habilidades do século 21 dificulta a implementação de novos currículos?
Reimers – Qualquer política de educação sólida é baseada em “se eu fizer A, então B vai acontecer”. O trabalho de pesquisa pode ser muito útil para ajudar a avançar no entendimento de quais são as teorias mais sólidas sobre práticas que apoiam o desenvolvimento das habilidades do século 21. É sobre isso que estamos trabalhando na Iniciativa Global de Inovação em Educação na Universidade de Harvard.


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aprendizagem baseada em projetos, autonomia, competências para o século 21

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