Desigualdades sociais e culturais impactam jovens na internet, diz pesquisa - PORVIR
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Inovações em Educação

Desigualdades sociais e culturais impactam jovens na internet, diz pesquisa

Oitava edição da TIC Kids Online revela que 89% dos jovens brasileiros estão conectados e que 29% ajudam os pais a usar a internet mais de uma vez por semana; no entanto, ambiente online reproduz desigualdades sociais, econômicas e de gênero que podem ser aprofundadas em tempos de pandemia

por Luísa Pécora ilustração relógio 3 de julho de 2020

A porcentagem de jovens que utilizam a internet no Brasil está crescendo, mas desigualdades sociais, econômicas e culturais têm impacto na frequência e na qualidade deste acesso. Foi o que mostrou a oitava edição da pesquisa TIC Kids Online, divulgada na última semana de junho pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR.

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Realizada entre outubro de 2019 e março de 2020, a pesquisa ouviu 2.954 crianças e adolescentes, bem como seus pais e responsáveis, e revelou que 89% da população brasileira de 9 a 17 anos usa a internet. Este percentual, que equivale a 24,3 milhões de pessoas, cai para 80% entre jovens das classe D e E, para 79% entre aqueles que moram nas regiões Norte e Nordeste, e para 75% entre os que vivem em áreas rurais.

A proporção de contato com conteúdo violento é maior entre meninas do que meninos (27% contra 17%), assim como o contato com conteúdo relacionado a formas para emagrecer muito (21% contra 10%)

Conforme aumenta o acesso do jovem à internet, aumentam também os riscos aos quais estão expostos e a possibilidade de contato com conteúdo sensível. De acordo com a TIC Kids Online, 43% dos jovens disseram ter testemunhado discriminação por raça, cor ou aparência física no ambiente online. Questões de gênero se mostraram marcantes: a proporção de contato com conteúdo violento é maior entre meninas do que meninos (27% contra 17%), assim como o contato com conteúdo relacionado a formas para emagrecer muito (21% contra 10%). Além disso, 31% das meninas disseram já terem sido tratadas de forma ofensiva na internet (contra 24% dos meninos), e 16% delas disseram já terem recebido pedidos para que enviassem fotos ou vídeos nuas, uma taxa que cai para 8% no caso dos jovens do sexo masculino.

Por ser quantitativo, e não qualitativo, o levantamento da TIC Kids não analisa qual o tipo de conteúdo acessado, nem pode apontar as causas destas diferenças. Mas os dados de gênero devem ser olhados com atenção na opinião de Luísa Adib Dino, coordenadora da pesquisa. “Pensando em raízes históricas, observamos esta diferença de gênero também no comportamento off-line. E assim como fatores socioeconômicos são reproduzidos na participação online, o mesmo acontece com fatores socioculturais”, afirmou a pesquisadora, em entrevista por telefone ao Porvir. “É importante não reproduzirmos nenhum tipo de desigualdade no ambiente online, que está cada vez mais ocupado pela população jovem.”

Desigualdade e pandemia

Fatores socioeconômicos têm impacto em praticamente todos os dados levantados pela pesquisa, e chamam a atenção especialmente no que diz respeito aos tipos de dispositivo. Embora o uso menos frequente do computador seja tendência mundial, o Brasil tem porcentagens especialmente altas de uso do celular: trata-se do principal dispositivo de acesso à internet para 95% dos jovens brasileiros, e do único dispositivo de acesso para 58%. O uso exclusivo do celular varia de acordo com a classe social: é o caso de 25% dos jovens de classe A e B, mas sobe para 59% na classe C e para 73% nos casos das classe D e E.

Se por um lado o celular ajudou a aumentar o acesso da população à internet, por outro pode não oferecer as mesmas ferramentas e possibilidade de outros dispositivos. Luísa avalia que são necessários mais estudos para analisar o impacto do celular na formação das crianças, e chama a atenção também para o acesso à internet pela televisão, que mostrou crescimento acentuado nas duas últimas pesquisas (neste ano, foi citado por 43%)

Os dados foram coletados antes da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), mas ajudam a dar uma ideia do quão desigual é o cenário brasileiro. Para além da questão do tipo de dispositivo, há que se considerar, por exemplo, que 4,8 milhões de jovens vivem em domicílios que não estão conectados à internet. Em tempos de isolamento social, escolas fechadas e aulas remotas, esta impossibilidade de acesso em casa torna-se fator determinante, bem como a qualidade da conexão.

No momento em que grande parte das relações e atividades sociais estão acontecendo pela internet, as barreiras e desigualdades podem estar ficando ainda maiores

“No momento em que grande parte das relações e atividades sociais estão acontecendo pela internet, as barreiras e desigualdades podem estar ficando ainda maiores”, afirmou a pesquisadora. Para ela, embora seja preciso valorizar as ações emergenciais de governos, empresas, escolas e professores, é preciso reconhecer que elas não serão suficientes. “Precisamos de medidas estratégicas e políticas públicas que estejam pautadas na universalização do acesso e na equidade do uso.”

Segundo Luísa, estas medidas devem não apenas buscar ampliar a conectividade nos domicílios, mas também nas instituições de ensino e centros públicos, que podem ser um caminho mais viável para atingir grande quantidade de pessoas. “A experiência de países como o Uruguai mostra que esta é uma forma muito potente de desenvolver a universalização do acesso”, afirmou.

Pais e filhos

A pesquisadora também considera que a pandemia e o maior convívio familiar podem representar uma oportunidade para que os pais acompanhem mais de perto o modo como seus filhos usam a internet, oferecendo orientações de segurança e ajudando-os a serem mais críticos. De acordo com a TIC Kids Online, 80% dos responsáveis dizem conversar com os filhos sobre atividades na web, 77% ensinam sobre segurança e 55% ajudam a criança em tarefas que ela não entende.

Não é que os pais das classes mais altas ajudem mais: o que acontece é que eles são usuários mais frequentes da internet e têm mais condições de estarem presentes

Mas também aí as desigualdades sociais se manifestam. Conversas mais gerais sobre a internet e as relações com pessoas são comuns em todas as classes sociais, mas quando o acompanhamento exige maior compreensão da plataforma, o cenário muda. “Não é que os pais das classes mais altas ajudem mais: o que acontece é que eles são usuários mais frequentes da internet e têm mais condições de estarem presentes, inclusive durante a pandemia. Consequentemente, acabam realizando as atividades de orientação em maior proporção”, explicou Luísa.

Pela primeira vez a TIC Kids Online Brasil analisou o caminho inverso e mostrou que 29% dos usuários de 9 a 17 anos ajudam seus pais ou responsáveis a navegar na internet todos os dias ou quase todos os dias. Esta proporção fica em 22% nas classes AB, mas sobe para 30% nas classes C, D e E.

“Falamos muito sobre a importância de os pais orientarem os filhos, mas os filhos também são fonte de informações para os pais.”, afirmou Luísa. “Ao mediar esta relação, a internet pode criar um diálogo pelas duas vias: os pais buscam os filhos para compreender melhor este ambiente, e a partir daí conseguem dar mais orientações. Todos podem ficar mais à vontade para transitar juntos.”


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competências para o século 21, engajamento familiar, gênero, inclusão, redes sociais, tecnologia

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