Documentário investiga os desafios de atuar na gestão escolar

Carla Ferreira, diretora em uma escola em Ribeirão Preto (SP) há sete anos, assumiu o cargo após ser indicada pela antiga diretora da instituição. Débora Batistão também é gestora em um colégio na cidade e está na função há três anos, depois de trabalhar como professora e coordenadora pedagógica. José Jacomini, também morador de Ribeirão Preto, chegou à direção de um colégio em um momento de urgência, visto que a antiga diretora havia sido exonerada. 

O que essas histórias têm em comum? Todas evidenciam que os percursos até o cargo de liderança escolar são variados e cada pessoa acaba chegando a ele de diferentes formas. As pessoas descritas acima participam do documentário “Liderança Escolar em Contextos Adversos”, fruto da pesquisa de pós-doutorado da professora Filomena Siqueira, na Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do IEA – RP/USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto). 

O minidocumentário buscou investigar a atuação dos diretores da rede municipal de Ribeirão Preto. Tanto a rotina dos diretores quanto a importância de desenvolver boas lideranças são mostradas no vídeo.

Também são debatidas outras questões, como a seleção desses profissionais, tão diversa quanto os casos citados acima. No Brasil, cada município é responsável pela seleção desse profissional, que, a depender da rede, pode ser indicado, concursado ou eleito pela comunidade escolar. Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), 66% dos profissionais das redes municipais são escolhidos exclusivamente por indicação.

Em conversa com o Porvir, Filomena, que é pesquisadora sênior do Consortium for Policy Research in Education, da Universidade de Columbia (EUA) e diretora de avaliação do Instituto Reúna,comenta que, em boa parte dos casos, a chegada de um profissional à gestão acaba acontecendo sem que haja um planejamento prévio. Mas ser surpreendido com esse convite não é o pior dos cenários: afinal, é um tipo de oportunidade que pode acontecer em outros âmbitos da vida.

“O problema é quando a pessoa não tem condições ou domínio nenhum do assunto. Isso cai de paraquedas e ela atende essa demanda, mas no dia a dia não há nenhum preparo e tem sempre que ir de improviso, descobrindo as coisas conforme vão acontecendo. Essa estrutura é mais prolemática”, ressalta. 

Em outras palavras: não se trata de ter atuado anteriormente em um cargo de gestão, mas sim do preparo necessário a partir do momento em que se sabe gestor ou gestora escolar. 

Essa situação de não planejamento pode se perpetuar caso não haja uma estrutura adequada, que ofereça oportunidade de preparo para esses profissionais. O fato de não existir também uma formação específica, que elenque as principais competências a serem desenvolvidas para quem deseja atuar na gestão, também faz com que as pessoas simplesmente respondam aos convites ou oportunidades conforme aparecem, comenta Filomena. 

Débora Batistão, que participou do documentário, comentou algo neste mesmo sentido: “Essa transição para a direção [foi o] que eu achei que seria o ápice da minha formação. Que eu deveria, depois de ter sido professora há tantos anos, ter um cargo de direção na escola.”

Influência da gestão escolar na aprendizagem

A ausência de critérios na escolha de quem vai assumir a direção também tende a impactar na aprendizagem dos alunos, afirma Filomena. Ela aponta que há na literatura um vasto conjunto de evidências que mostram a importância da gestão nas aprendizagens dos estudantes: a liderança dos diretores escolares é o segundo fator que mais influencia a melhoria da educação, atrás da atuação dos professores, como mostra o estudo “Liderança escolar: diretores como fatores-chave para a transformação da educação no Brasil”, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

A falta de critérios, de acordo com Filomena, significa “não garantir que os profissionais mais preparados, com os conhecimentos e as competências esperadas sejam atraídos para assumir essa função e isso faz com que a gente deixe tudo na sorte”, diz. 

Dentro desta lógica, quem assume o lugar de liderança escolar pode desempenhar um excelente papel, como também pode não conseguir bons resultados, o que não necessariamente é algo feito de maneira intencional. “É um cargo desafiador e a gente não faz aquilo que não sabe. Se não fui preparado, se não tenho as técnicas – não é só feeling (sentir) –, estamos à mercê da sorte, não sabemos quem vai entrar no cargo”, comenta. 

As muitas demandas da gestão escolar

Pesquisas e reflexões sobre a carreira da gestão trazem um tipo de profissional que consegue fazer um acompanhamento sistemático do processo de aprendizagem dos estudantes, do cumprimento currículo e dos resultados de aprendizagem sendo discutidos com os docentes. Além disso, envolve ter um olhar intencional para o comportamento e para o desenvolvimento profissional dos professores e ter boa comunicação com as famílias e a comunidade escolar. 

Ou seja, estar na liderança escolar demanda olhar para o todo. Nas entrevistas concedidas ao documentário é possível perceber que, enquanto atuavam como professores e professoras, muitos dos profissionais ouvidos não tinham com clareza essa dimensão. 

Ainda há outros aspectos, como necessidade de atender a questões que às vezes não estão relacionadas com o aspecto pedagógico, como as de caráter socioemocional. “Os professores, estudantes e os pais esperam da gente um conselheiro”, comenta a diretora Carla Ferreira. 

Gerenciamento de tarefas

Filomena aponta que, de fato, a rotina da gestão é majoritariamente tomada por outras questões não relacionadas ao aspecto pedagógico. “Um dos grandes problemas que minha pesquisa de pós-doutorado evidencia é que as questões para além da área pedagógica são predominantes”, diz a pesquisadora. 

“A parte pedagógica está, não raro, totalmente de lado ou de uma maneira muito superficial ocupando o dia a dia dos diretores, e não é por má vontade deles, ou que não estejam se importando. Eles se importam, mas não conseguem porque às vezes estão sobrecarregados com diversos outros problemas que estão perpassando a rotina da escola”, complementa.

Gerenciar as tarefas do dia é outro dos grandes entraves  comentados pelos gestores no documentário. Isso porque, apesar de existir um planejamento escolar prévio, muitas coisas não previstas acabam aparecendo no dia a dia da escola, que precisam de uma atenção imediata. 

“Você apaga microincêndios o tempo todo e talvez ao final do dia, quando as aulas acabam é que você consegue sentar e fazer o trabalho que você havia planejado no dia anterior”, afirma a diretora Débora Batistão. 

As temáticas com as quais as lideranças precisam lidar no dia a dia da escola também fazem com que surjam variadas propostas de formação de nicho. Ou seja, cursos para gestão de pessoas, como lidar com conflitos, gestão de recursos etc. “Acho que aí mora um perigo, que é acreditar que o gestor precisa ter formação para tudo e ter que olhar para os problemas da escola e ser capaz de responder a todos eles”, analisa  Filomena. 

A pesquisadora sugere que o foco deve ser na preparação de competências para o que é essencial à escola. “A formação técnica para a parte pedagógica tem ficado de lado e o risco que a gente corre é colocar muitos temas, de certa forma aleatórios, na cesta de formações que um diretor deve receber, mas que depois ele pode não saber como organizar isso no dia a dia. São formações pontuais e superficiais que, sabemos, possuem uma capacidade de melhorar a atuação dos profissionais de uma maneira muito limitada”, alerta. 

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