É possível acompanhar (de perto) todas as tendências educacionais? - PORVIR
Crédito: Dilok Klaisataporn/iStock

Inovações em Educação

É possível acompanhar (de perto) todas as tendências educacionais?

Com certa velocidade, mudanças curriculares têm surgido mundo afora. Neste artigo, Gustavo Pugliese fala sobre as reformas e os usos limitados de algumas das atuais tendências educacionais

por Gustavo Pugliese ilustração relógio 24 de outubro de 2022

Que as mudanças na educação contemporânea estão cada vez mais atreladas à sobreposição de tendências pedagógicas e curriculares, não é novidade. O próprio Porvir é uma plataforma que há mais de uma década se especializa em trazer e debater essas tendências para um público ligado diretamente à educação. E o que a pesquisa em educação tem mostrado é que essas tendências, novidades e mudanças curriculares têm aparecido (e desaparecido) com certa velocidade, deixando os educadores(as) às vezes até meio desorientados. 

Fica uma questão, porém: isso acontece só no Brasil? E a resposta é simples: não. Em muitos outros países, têm-se observado um constante e intenso movimento de reforma educacional amplo, bem como o surgimento de várias tendências que disputam espaço entre as “abordagens de sucesso” na educação.

Movimento Global de Reforma Educacional

Esse contexto de mudanças e de profundas reformas no currículo escolar acontece simultaneamente em vários lugares e foi chamado, em 2011, pelo pesquisador finlandês Pasi Sahlberg, de GERM (Global Educational Reform Movement) – ou Movimento Global de Reforma Educacional, em tradução livre. 

O termo enfatiza basicamente a ideia de que a reforma da educação aparece de forma um pouco “contagiosa”, com tendência a penetrar profundamente nos diferentes sistemas escolares. De maneira resumida, ele pode ser caracterizado como uma pressão para uma reforma que promove a competição entre escolas, a padronização do currículo e dos saberes em competências e habilidades, além da contabilização do desempenho (e das falhas) com base em avaliações em larga escala, como o PISA (Programme for International Student Assessment), o Programa Internacional de Avaliação de Alunos.

Isso não quer dizer que todos os países foram “contaminados” com o GERM, mas há uma evidente tendência para esse caminho, especialmente entre os países membros da  Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, portanto, participantes do PISA, como indicam estudos como o de Verger, Parcerisa e Fontdevila (2019)[1]. 

Um exemplo bem concreto de reforma educacional profunda, em direção à padronização e influenciada por um movimento global, é a própria BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Um estudo da pesquisadora da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Elizabeth Macedo[2], mostra como a BNCC se estabelece a partir de redes políticas influenciadas por essa racionalidade presente no GERM. 

Efeitos do contexto de mudanças

Assim temos algumas implicações relevantes com base nesse cenário de reforma educacional. Uma delas é justamente o surgimento constante de metodologias, protocolos, frameworks e tendências que vemos circular hoje no campo da educação, em um ritmo que nem dá para acompanhar. Isso sem contar que às vezes é até mesmo difícil distinguir o que é novo daquilo que é uma ressignificação, uma releitura de ideias que já existiam. Alguns termos como Metodologias Ativas, Aprendizagem Criativa, Gamificação e Educação Bilíngue já são bem conhecidos pelos leitores e leitoras do Porvir. Outros nem tanto, como Pensamento Computacional, Educação 3.0, 4.0, 5.0 (e uma sequência de atualizações no mínimo curiosa, pois trata a educação como um software ou produto), e o próprio STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics) education – ou STEAM, com A de Arts.

Cada uma dessas tendências está ligada a esse contexto de reforma e de transformações globais de uma maneira específica, desenvolvendo-se na prática de formas particulares. Em relação ao STEM education, o qual estudei com profundidade nos últimos anos, recomendo o acesso a esse material abaixo, que dá um bom panorama da tendência tanto para quem já a conhece quanto para quem nunca ouviu falar. Basta clicar na imagem para acessar o site.

Tela do site: https://steam.dteach.org/

O STEM education de fato se disseminou bastante pelo mundo e compartilha muitas características desse movimento de reforma educacional global. Mas o que é interessante, olhando para as últimas duas décadas de investimento massivo na ideia de STEM education como “solução para a educação”, é que ele atinge certos limites e encontra resistências nos contextos locais em que vai sendo promovido.

Prova disso é que, ao menos na pesquisa em educação realizada no Brasil, ainda há poucas teses, artigos e estudos acadêmicos sendo realizados em torno do tópico STEM education. Quando digo poucas, é tendo como comparação outras tendências educacionais como o Ensino Híbrido e Aprendizagem Baseada em Projetos, por exemplo, as quais possuem inúmeros grupos de pesquisa, com material acadêmico e não-acadêmico publicado. 

É possível notar até no tom das reportagens e conteúdos na mídia educacional, em canais como o próprio Porvir, que a apresentação do “tal do STEM” é ainda feita de modo a introduzir a ideia. Ou seja, o termo não pode ainda ser tratado como se fosse de amplo conhecimento dos educadores, algo que é totalmente diferente se olharmos para escolas dos Estados Unidos, por exemplo. 

Parte da explicação para isso está no fato de que, basicamente, o STEM encontra no Brasil uma realidade muito complexa e distinta para a qual foi pensado (com base na lógica da sociedade estadunidense). Levando em conta o contexto escolar do Brasil e de seus estudantes, fica evidente que a realidade social impõe outras prioridades mais básicas que não aquela de formar professores habilitados a ensinar na lógica STEM. 

Além disso, o movimento STEM encontra também muita dificuldade para uma implementação na prática, sustentada e planejada. Vale notar que, se as próprias propostas “maiores” como a BNCC e o Novo Ensino Médio já enfrentam incontáveis problemas de implementação, é de se esperar que o mesmo aconteça com muitas tendências contemporâneas, por mais interessantes ou benéficas que sejam. Mas isso não quer dizer que tendências como o STEM não se desenvolvam em alguma medida no contexto brasileiro. A questão é que acaba atingindo talvez outros públicos e com outros focos.

Um outro exemplo interessante é o caso da Alemanha, é conhecida pelo grande investimento e oferta em ensino profissionalizante. Lá o foco acaba sendo justamente no setor técnico e industrial – na formação técnica e vocacional. O STEM até chega como proposta em alguns programas educacionais, mas não com a mesma perspectiva que é geralmente difundida no Brasil, como uma abordagem de ensino integrada e que, por isso, promove a inovação didático metodológica em sala de aula. Isso ocorre porque o foco da indústria está realmente no currículo das escolas técnicas e não na inovação didático-metodológica do ensino básico.

Por fim, um outro exemplo interessante, é o foco que a União Europeia tem dado a suas políticas ligadas à educação. Mais recentemente (e obviamente como consequência da pandemia), as publicações oficiais da União Europeia (como exemplo, ver [3] e [4]) parecem apontar muito mais para a importância da digitalização da educação, das competências digitais e da literacia digital no sentido de promover o desenvolvimento econômico, do que para tendências como o STEM, por exemplo. 

Ou seja, ao contrário do argumento dominante até pouco tempo atrás nos Estados Unidos de que STEM é a chave para a prosperidade econômica, a União Europeia tem investido recentemente no argumento de que é a digitalização que vai “resolver o problema”. Inclusive, tem havido, nos últimos anos, um intenso movimento na União Europeia de criar acordos de cooperação e alianças políticas nessa área. É difícil falar que o movimento STEM foi perdendo força, mas o que chama a atenção é justamente como determinadas narrativas (e tendências) vão se sobrepondo de tempos em tempos, sem que elas necessariamente contemplem bem a questão.

Isso é bom ou ruim?

Na minha pesquisa de doutorado sobre o STEM education, a resposta para essa pergunta aparece exatamente na conclusão: o problema não é nem exatamente pensar se o STEM é melhor ou pior do que outra coisa, mas sim o seu uso em uma concepção salvacionista de educação, como se ele fosse uma solução mágica. Ou ainda, o problema estaria na implementação de um currículo STEM que acaba por apagar as questões sociocientíficas e políticas. Isso acontece quando o currículo não contempla a totalidade e a complexidade dos saberes e dos sujeitos, por estar focado pura e simplesmente no saber técnico, concreto. 

Dito de outra forma, o problema estaria nas interpretações e nos usos limitados que são feitos sobre essas ideias e tendências que vêm surgindo globalmente. Pois, em vez de conectar os professores com práticas inovadoras, correm o risco de afastá-los por não corresponderem à realidade de trabalho em que eles se encontram atualmente. Da mesma forma, ao invés de promover o enriquecimento do currículo e dos sentidos para a escolarização, correm o risco de torná-los mais pobres ainda porque não contemplam a complexidade e as dificuldades do mundo que é vivenciado pelos dos estudantes. 

Referências

  1. VERGER, Antoni; PARCERISA, Lluis; FONTDEVILA, Clara. The growth and spread of large-scale assessments and test-based accountabilities: a political sociology of global education reforms, Educational Review, 71:1, 5-30, 2019.
  2. MACEDO, E. A educação e a urgência de “desbarbarizar” o mundo. Revista e-Curriculum. 17. 1101-1122, 2019. Disponível em: A EDUCAÇÃO E A URGÊNCIA DE “DESBARBARIZAR” O MUNDO | Revista e-Curriculum 
  3. Kluzer, S., Centeno, C. and Okeeffe, W., DigComp at Work, EUR 30166 EN, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2020. Disponível em: JRC Publications Repository – DigComp at Work 
  4. VUORIKARI Rina, Riina, Stefano Kluzer, and Yves Punie. DigComp 2.2: The Digital Competence Framework for Citizens-With new examples of knowledge, skills and attitudes. No. JRC128415. Joint Research Centre (Seville site), 2022. Disponível em: Digital Competences Framework (DigComp 2.2) update published – Employment, Social Affairs & Inclusion – European Commission

Para saber mais sobre GERM: How GERM is infecting schools around the world?


TAGS

ensino híbrido, steam, tecnologia

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