Como ajudar jovens a cuidar da saúde mental durante a quarentena - PORVIR
Crédito: Maria Casinos/iStockPhoto

Coronavírus

Como ajudar jovens a cuidar da saúde mental durante a quarentena

Incentivar o contato com colegas, propor atividades de engajamento virtual, respeitar a individualidade e privacidade e realizar atividades físicas são alguns caminhos para controlar ansiedade no isolamento social

Parceria com LIV

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 26 de junho de 2020

Com sentimentos como ansiedade, tédio e impaciência, 70% dos jovens brasileiros afirmam que seu estado emocional piorou em alguma medida durante a quarentena. Prática de atividades de lazer e cultura (73%), condicionamento físico (65%) e qualidade do sono (55%) são outros âmbitos da vida que foram afetados pelo distanciamento social. Esses são alguns achados da pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”, que teve como objetivo entender quais são os efeitos da pandemia sobre os jovens e como ela afetou seus hábitos e perspectivas de futuro.

A iniciativa do CONJUVE (Conselho Nacional da Juventude), que teve apoio de diversas organizações, incluindo o Porvir, ouviu jovens de 15 a 29 anos sobre quatro temas: economia, saúde e bem-estar, educação e perspectivas para o futuro.

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Bem-estar e educação, por exemplo, são dois assuntos que, por vezes, se sobrepõem nas respostas dos jovens. Para 49% dos 33.688 respondentes, o lado emocional tem atrapalhado os estudos em casa. Dessa forma, 6 em cada 10 consideram que escolas e faculdades devem priorizar atividades para trabalhar as emoções.

Para Renata Ishida, psicóloga clínica e coordenadora pedagógica do LIV (Laboratório Inteligência de Vida), ao analisar o estado de adolescentes e jovens nesse momento, é necessário considerar as desigualdades socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira e, em muitos casos de famílias em situações de vulnerabilidade, produzem cenários onde adolescentes são incluídos na força-tarefa para manter o sustento da casa.

A percepção dialoga com a fala de um dos jovens participantes da oficina de PerguntAção, um grupo de coautores da pesquisa que ajudaram a definir, por exemplo, as perguntas do questionário. “Uma frase que ouvi de estudantes que achei bem forte foi que eles falaram: as instituições de ensino querem que eu aprenda um monte de coisas, sendo que a minha prioridade agora é sobreviver. Eu preciso sobreviver nesse momento, eu não preciso aprender coisa nova, não tem o porquê eu estar focado em conteúdos muitos específicos.”

Renata também faz eco à fala da deputada de Tábata Amaral (PDT-SP) que, durante o webinário de lançamento da pesquisa, reforçou que a pandemia em si não criou nenhuma desigualdade, mas escancarou todas já existentes.

“Provavelmente em uma situação mais privilegiada economicamente, crianças que estudam em escolas privadas continuaram tendo aula, com algum tipo de incentivo à educação nesse período de isolamento. Elas têm acesso à internet e um canto na casa para estudar. Mas a realidade da grande maioria das casas brasileiras, nas quais estudantes de escolas públicas vivem, um espaço físico reservado e adequado para estudar não é uma garantia, por isso o estudo ficava restrito ao momento que estava na escola”, reforça Renata, ao passo que 32% dos respondentes da pesquisa apontam, justamente, a falta de um ambiente tranquilo para estudar em casa.

A importância do autocuidado
Recentemente, o LIV lançou o e-book “A Saúde Mental da Comunidade Escolar em Tempos de Pandemia”, por entender que, para cuidar e lidar com as emoções de um aluno, é necessário olhar também para o professor e para as famílias. Em meio ao provável cenário de uma enxurrada de sentimentos e emoções ao mesmo tempo, o documento reforça que “não escolhemos o que sentimos, mas escolhemos, porém, o que fazemos com o que sentimos.”

Para Renata, a passagem está relacionada a acolher os próprios sentimentos e não se culpar por senti-los. “Costumamos falar que não existe sentimento bom ou ruim; todos eles fazem parte da nossa vida e nos ajudam a entender como nós encaramos as coisas do mundo. Então olhar para si e se acolher, ‘tudo bem, estou sentindo isso’, faz com que possamos organizar melhor a nossa vida e tomar decisões mais saudáveis e com mais sentido.”

Como ajudar os jovens nesse momento?
Em meio a um contexto de incertezas e angústias, existem alguns movimentos que famílias, amigos, conhecidos e, sobretudo, os próprios jovens podem fazer para amenizar os sentimentos inquietantes durante a pandemia. Veja recomendações da psicóloga:

– Menos cobrança
É necessário ter em mente que o momento não exige perfeição, seja nos relacionamentos ou nas tarefas desempenhadas no dia a dia em casa ou no âmbito escolar. “Ter menos cobrança consigo mesmo e com os outros ajuda a melhorar a relação com a gente e com os outros.”

– Respeito à liberdade e privacidade dos jovens
Um ponto que merece atenção, segundo a especialista, é a privacidade da qual os adolescentes e jovens necessitam. Mesmo em meio ao isolamento social, é importante pensar em dinâmicas que deem aos jovens momentos sozinhos. “Se não existe um quarto só para o adolescente, que eles possam fazer um revezamento, garantindo que, naquele momento, a privacidade vai ser respeitada. Por mais que os adolescentes se sintam sozinhos, sentem-se também invadidos pela família o tempo inteiro. Há inúmeras questões nessa fase e o adolescente precisa deste espaço.”

– Incentivar contato com colegas
A distância física da quarentena pode contribuir para que pessoas passem a se isolar ainda mais. Por isso, um caminho é incentivar que jovens compartilhem virtualmente as dores com os amigos, tomando os devidos cuidados sobre onde e com quem divide seus sentimentos.

“Ter a possibilidade de conversar faz com que o sentimento se organize dentro da gente para que possamos lidar melhor com ele, seja pensando mais sobre o assunto ou tendo um pouco mais de paciência para eventuais mudanças da configuração do mundo, por exemplo. Não necessariamente teremos uma resposta imediata, mas é um passo de encontrar laços de confiança para que a dor possa ser compartilhada.”

– Mão na massa e engajamento
Convidar jovens e incentivar sua participação em algum projeto ou causa, mesmo que de forma online, pode trazer a motivação que faltava. Dessa forma, há o sentimento de pertencimento, fazendo com que se sintam úteis. Também é positivo, segundo a psicóloga, incentivar o lado artístico e propor um processo de elaboração a partir dos sentimentos desse momento, como cantar, escrever poesia, fazer um diário e compor uma música. “O desejo é o que nos tira do estado depressivo, que nada mais é do que a falta de desejo”, explica Renata.

– Cuidar do corpo é cuidar da mente
31% dos respondentes da pesquisa afirmam que seu condicionamento físico piorou muito durante a quarentena. Esse é um dos fatores, inclusive, que compõem a piora do estado emocional, uma vez que mente e corpo estão conectados. “As nossas emoções são vividas no nosso corpo. A produção de alguns tipos de hormônios, que acontecem quando fazemos atividade física, é fundamental para mantermos um equilíbrio emocional”, pontua Renata.

– Saber aceitar ajuda
Esclarecer para os jovens que não existe a obrigatoriedade de estar bem o tempo todo e que é normal enfrentar altos e baixos é outro ponto positivo. Entretanto, Renata também reforça que há momentos em que a tristeza ultrapassa o próprio sentimento e demanda ajuda externa.

– Comunicação escolar
Em um momento no qual as relações humanas estão precarizadas, Renata sugere que a escola realize movimentos de comunicação com seus estudantes. A ideia, nesse caso, é mostrar que, mesmo com a distância física, o aluno não foi esquecido. “Se tem uma coisa que nos fortalece quando estamos mal, é saber que existe alguém com quem podemos contar. Então por mais que a escola não esteja presente fisicamente no meu dia a dia, ela está esperando por mim.” Entre as formas de realizar essa comunicação, a especialista sugere, por exemplo, o envio de comunicados mais direcionados por parte da escola, com o nome do estudante, ou até mesmo que professores possam escrever cartas para os alunos.

– Relacionamento entre escola e família
O e-book do LIV traz algumas recomendações para que professores possam iniciar uma abordagem à distância com seus alunos, no sentido de promover uma aproximação em tempos de distanciamento social. Muitas sugestões envolvem o diálogo com as famílias. Segundo Renata, esse relacionamento é fundamental quando se pensa em escola enquanto comunidade escolar: formada pelos alunos mas também pelas famílias.

Partindo do conceito de responsabilidade compartilhada pela educação, a psicóloga reconhece a importância de a escola escutar e acolher as dúvidas e questionamentos vindos dos núcleos familiares, que também estão passando por situações difíceis. “As famílias estão realmente desesperadas. Muitas questões emocionais das crianças e jovens vem de um estresse em casa por perda de emprego, dificuldades com home office, ou até brigas conjugais. É importante a escola oferecer essa escuta e encorajar algumas conversas, para que a família consiga entender e acolher suas próprias questões.”

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coronavírus, ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais, tecnologia

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