Escola quilombola recria jogo de xadrez com personagens históricos para valorizar a ancestralidade
Jogo é adaptado para contar a história dos quilombos em Goiás, trazendo protagonismo e conexão cultural aos estudantes de classe multisseriada da Escola Municipal Canabrava
por Gisele Andrade da Silva / Luiz Carlos Silva Junior
4 de outubro de 2024
Nasci, cresci e moro na Comunidade Quilombola Canabrava, no município de Flores de Goiás (GO). Por aqui, vivem cerca de 450 pessoas. Goiânia, capital do estado, fica a 473 km de distância. Há 11 anos, quando decidi me tornar professora, assumi o compromisso de levar à sala de aula a valorização da nossa comunidade, as riquezas e as conquistas dos nossos ancestrais. Assim nasceu o projeto “Xadrez quilombola”, com a turma do 8º e 9º anos do ensino fundamental em uma turma multisseriada da Escola Municipal Canabrava.
Mas há um caminho que precisa ser contado até o jogo chegar à escola. Atualmente, sou mediadora do Goiás Tec na escola, um projeto do governo estadual que leva tecnologia e aulas gravadas de diferentes disciplinas à zona rural, distritos e regiões afastadas dos centros urbanos.
Durante uma formação presencial do programa, conheci Luiz Carlos Silva Junior, professor de biologia e educação física, que desenvolveu um jogo de xadrez para ser adaptado em contextos sociais, mas que ainda não havia sido colocado em prática.
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Onde tudo começou
Luiz teve a ideia depois de duas viagens por Goiás. Uma delas na comunidade quilombola do Território Kalunga, da região de Cavalcante, considerado o primeiro território no Brasil conservado pela comunidade. Ele também visitou a Aldeia Tapuias, em Rubiataba. O contato com essas culturas o fez refletir sobre como transformar jogos educativos já existentes para que se conectassem com a realidade dos estudantes.
Há bastante tempo, Luiz pesquisa sobre o tema, e isso o levou, inclusive, ao mestrado. Um dos primeiros resultados foi um tabuleiro que ele mesmo aplicou para ensinar botânica aos seus alunos.
Com a nossa conversa, unimos a experiência do Luiz em jogos educativos com a minha vontade de ensinar a história do Quilombo de Palmares, o maior da América Latina e símbolo de resistência dos escravizados, por meio do xadrez. Vale lembrar que foi no mesmo território, em meados dos anos 1600, que se constituiu o Quilombo Flores Velhas, em Flores de Goiás, abrigando famílias escravizadas e indígenas – onde hoje fica a minha comunidade quilombola.
O professor Luiz me mostrou que o xadrez pode ser usado como suporte pedagógico em vários componentes curriculares, como matemática, artes, história, geografia e educação física. De volta à comunidade, conversei com o diretor da Escola Municipal Canabrava, e ele prontamente abraçou a ideia.
Apoio da comunidade
O primeiro passo foi apresentar a proposta à turma multisseriada do 8º e 9º anos. Três estudantes, Bruna da Silva Lima, Júlia Lopes da Cunha e Vitor Hugo Rodrigues Cunha, ficaram à frente do projeto e foram responsáveis por apresentar o jogo aos demais. Criamos oficinas, reforçando que as regras do xadrez tradicional não mudariam.
O xadrez é um jogo entre dois adversários situados em lados opostos de um tabuleiro com 64 casas de cores alternadas. Cada jogador tem 16 peças: um rei, uma dama, duas torres, dois bispos, dois cavalos e oito peões. O objetivo do jogo é dar xeque-mate no rei adversário, ou seja, colocá-lo em uma posição em que não possa escapar da captura.
A aplicação do xadrez na educação, a partir da ideia do professor Luiz e com base no currículo de Goiás e na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), visa vivenciar, apropriar-se e analisar características histórico-culturais.
As diretrizes curriculares do estado de Goiás foram elaboradas a partir da BNCC. Especificamente na disciplina de Educação Física, que o professor Luiz também ministra, a proposta pedagógica da instituição escolar deve abordar os jogos e brincadeiras como prática contextualizada, presentes na memória dos povos indígenas e das comunidades tradicionais quilombolas.
Também vale lembrar que a BNCC contextualiza a aplicação dos conhecimentos na realidade, destacando a importância de dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante, tanto em sua aprendizagem quanto na construção de seu projeto de vida.
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Xadrez quilombola
O objetivo não era apenas seguir as orientações curriculares, mas, sim, ressignificar o xadrez com personagens do Quilombo de Palmares, envolvendo a comunidade e os estudantes.

Depois das aulas de história sobre o Quilombo dos Palmares, selecionamos os principais personagens históricos para criar as peças do “Xadrez quilombola”:
- Os peões foram representados por pessoas escravizadas, resgatando simbolicamente a luta pela liberdade.
- Os peões foram representados por pessoas escravizadas, resgatando simbolicamente a luta pela liberdade.
- O rei foi representado por Ganga Zumba, o primeiro líder do Quilombo dos Palmares.
- O bispo foi simbolizado por Zumbi dos Palmares, sobrinho de Ganga Zumba e o último líder do quilombo.
- Dandara, guerreira negra que dominava técnicas de capoeira e lutava ao lado de homens e mulheres nas defesas do quilombo, tornou-se a rainha. Esposa de Zumbi, ela liderou tropas contra os colonizadores portugueses.
- O cavalo foi representado por D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, governador das capitanias de São Paulo e Minas do Ouro.
- A torre foi simbolizada por Domingos Jorge Velho, bandeirante paulista, caçador de indígenas e de pessoas escravizadas fugitivas, que comandou as tropas responsáveis pela destruição do Quilombo dos Palmares.
Sobre esses dois últimos personagens: escolhemos D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, e Domingos Jorge Velho por representarem a violência e os maus-tratos infligidos ao povo negro durante o período de Palmares. Infelizmente, eles também fazem parte dessa história e, por isso, a comunidade considerou que não poderiam ser ignorados no jogo. Sua truculência precisa ser lembrada. Como se trata de um jogo com significado ressignificado, a intenção não é destacar o poder dos opressores, tampouco equipará-los ao povo negro. No Xadrez quilombola, o objetivo é retratar personagens que fizeram parte do contexto histórico para reforçar, nas aulas, tanto a força do povo negro quanto os abusos cometidos contra os escravizados.
Levamos as imagens dos personagens à confeccionista Eva Rodrigues de Sousa e à costureira Juraci Gomes de Sousa. Elas criaram os figurinos com tecidos e os adereços com sementes e materiais recicláveis, além de confeccionarem um grande tapete que serviu como tabuleiro. A base das peças foi feita com madeira de jatobá, e os trajes foram customizados nas cores preta e branca, remetendo às peças tradicionais do xadrez. Os acessórios foram produzidos com materiais recicláveis e sementes.
Dessa forma, também trabalhamos a disciplina de educação artística com os estudantes, durante a pesquisa, o desenho e a confecção das peças. Em matemática, abordamos os desafios do jogo no desenvolvimento do raciocínio lógico, das noções de troca, do valor comparado das peças, do controle de casas e do cálculo do índice de desempenho dos jogadores.
O jogo permanece disponível na escola, para que outros professores e estudantes possam utilizá-lo. Nossa missão, minha e de Luiz, é incentivar outras escolas a adotarem o xadrez em seus projetos pedagógicos — e que também possam utilizá-lo como ferramenta para o resgate histórico de suas comunidades.
Como reproduzir o xadrez de forma ressignificada em sua escola ou comunidade
- Identifique personagens marcantes da comunidade.
- Estabeleça as funções de cada personagem e sua relevância histórica e cultural.
- Apresente aos estudantes o tabuleiro de xadrez, suas peças e os movimentos básicos.
- Sugira que os estudantes escolham personagens da comunidade que representem as peças do xadrez: rei, rainha, bispo, cavalo, torre e peões.
- Realize uma pesquisa histórica e documental sobre os personagens e suas contribuições para a construção da comunidade.
- Apresente materiais reutilizáveis para a confecção artesanal das peças.
- Reaproveite tecidos para criar o tabuleiro.
- Envolva a comunidade escolar em todo o processo de produção.
- Utilize sementes, cascas, pedaços de madeira, garrafas PET, tampinhas e outros materiais recicláveis na confecção dos personagens.
- Garanta que os estudantes sejam protagonistas em todas as etapas de construção do produto educacional.
Com a mediação dos professores, os estudantes podem adaptar tamanhos, formatos e modelos das peças à medida que forem sendo produzidas. Após a finalização, é importante testar o jogo com outros estudantes da escola.
No caso das escolas indígenas, por exemplo, o jogo pode representar figuras importantes dos povos originários, como o cacique, o pajé e os guerreiros.
É importante destacar que todo o processo deve ser voluntário, participativo e respeitoso com a história e a cultura de cada comunidade.
Gisele Andrade da Silva
É graduada em pedagogia e geografia, com pós-graduação em alfabetização e letramento, além de Fundamentos para o Ensino de história e geografia. Funcionária efetiva da Prefeitura Municipal de Flores de Goiás desde 2011, atualmente atua como professora mediadora no Programa Goiás TEC. Desenvolve projetos culturais escolares focados na valorização da cultura local e regional, promovendo o resgate dos costumes e tradições quilombolas, garantindo sua transmissão de geração em geração.
Luiz Carlos Silva Junior
Graduado em biologia (Licenciatura e Bacharelado) pela PUC-GO, com pós-graduação em formação de professores pela mesma instituição. Também possui pós-graduação em métodos e técnicas de ensino pela UNIVERSO e licenciatura em educação física pelo Centro Claretiano. Atualmente, é professor de biologia e educação física na SEDUC-GO (Secretaria Estadual de Educação de Goiás) e professor de educação física na PUC-GO. É mestre em ensino para a educação básica pelo IFGoiano.






Show esse xadrez de forma resignificada.
Obrigado pelo comentário, precisamos quanto profissionais da educação construir juntos com nossos estudantes e a comunidade os projetos.
Obrigada!
Qual seu insta professora 😘
giselly_andrady
Esquisitíssimo usar personagens como D. Pedro de Almeida Conde de Assumar e Domingos Jorge Velho, a não ser que estes personagens fossem colocados somente do lado das brancas. Colocá-los como combatentes ao lado das negras é estranhíssimo.
Boa noite, Rogério. Agradecemos a observação. Escolhemos esses dois personagens porque representam a violência e os maus-tratos ao povo negro no período de Palmares. Infelizmente, eles fazem parte da história do quilombo e, por isso, nossa comunidade decidiu que eles não poderiam ficar de fora do jogo. Sua truculência não pode ser esquecida. Como se trata de um jogo ressignificado, a ideia aqui não foi destacar o poder do escravizador, tampouco compará-lo ao povo negro. No Xadrez Quilombola, nosso objetivo é retratar os personagens que fizeram parte do contexto histórico, para que possamos reforçar, em nossas aulas, tanto a força do povo negro quanto os abusos cometidos por esses senhores contra os escravizados.
Que show..Parabéns aos envolvidos. Achei extremamente interessante, em razão, que essa prática não apenas resgata a cultura e a história do povo quilombola, mas também promove a união e a educação dentro da comunidade. As peças, que representam figuras e elementos da cultura afro-brasileira, tornam o jogo uma forma poderosa de resistência e afirmação identitária. É fundamental valorizar iniciativas como essa, que fortalecem a identidade e a tradição quilombola!
Obrigado pelo comentário e colocações, representa muito para nós que fizemos o projeto mas principalmente para toda comunidade Quilombola do Brasil. Este reconhecimento que chega a partir dos comentários é muito importante. Vamos valorizar as culturas e tradições !!!!
Obrigada!
Parabéns aos idealizadores do projeto, muita criatividade em narrar a comunidade kilombola de forma interativa e lúdica, parabéns alunos e professores.
Muito obrigado Maria Denise, seu comentário é muito importante para nós e para comunidade de Flores Goiás
Muito obrigado pelo seu elogio! Ficamos felizes em saber que você gostou.
Tipo! Parabéns pelo trabalho!!! Vocês merecem!
Obrigada professor!
Boa iniciativa dos professores Gisele e LuiZ Carlos. Além de valorizar a cultura quilombola, coloc-se em prática os elementos dos jogos de tabuleiro ampliando assim as formas esportivas e aprendizado com elementos regionais…
Obrigada Dalmir Nunes! Nosso principal objetivo é valorizar a cultura Quilombola.
A ideia e a execução foram impecáveis. Que coisa linda! Realmente é uma iniciativa que merece visibilidade e merece ser replicada muitas e muitas vezes.
Sua satisfação é nosso principal objetivo. Muito obrigado pelo feedback!
Parabéns pela iniciativa.
Amei os personagens…
Quero um desses para mim!
Obrigada, Gisele! Passa seu Instagram.
Que legal, parabéns pela iniciativa, estão de parabéns todos
os envolvidos!
Valeu demais da conta. Obrigado !!!!!!!!!!!
Obrigada Ludmila!
Parabéns pelo trabalho. Como faço para entrar em contato comos professores envolvidos?
Olá, César! Aqui é Ana, do Porvir. Acabamos de te encaminhar um e-mail!
Acredito que tenha recebido os nossos e-mails. Fico no aguardo.
Genial genial, parabéns aos envolvidos
Muito obrigada pelo comentário!
Gente vcs são nota 10, parabéns!!
Obrigada Angela pelo comentário e satisfação.
Parabéns
Show! Excelente professores.🤗 achei muito interessante
Parabéns excelente trabalho
Adoraria receber seu trabalho muito criativo. Obrigada