Estudo de caso leva prática para formação continuada
Instituto Península e professora de Harvard reúnem em livro 22 experiências vividas por diretores, coordenadores e professores de diferentes regiões do país
por Vinícius de Oliveira 8 de maio de 2018
O que você faria quando um aluno que precisa de atenção especial chega a sua escola e desencadeia conflitos entre os professores, alunos e seus pais? E se uma aluna se recusar a refazer um trabalho após a revisão da professora? Sem apontar certo ou errado e com intenção de colocar o educador diante de dilemas reais, o Instituto Península e a professora Katherine Merseth, da Universidade de Harvard (Estados Unidos), reuniram experiências de 22 educadores de escolas rurais e urbanas no livro “Desafios reais do cotidiano escolar brasileiro: 22 dilemas vividos por diretores, coordenadores e professores em escolas de todo o Brasil”.
Quem procura respostas e receitas sobre o que fazer pode ficar desapontado. O ponto forte da obra organizado pela professora de Harvard é oferecer boas perguntas e desenvolver consensos. Seguindo o método de instrução de caso, as experiências estão divididas em quatro categorias (aspectos internos, aspectos externos, pautas identitárias e equidade). Ao longo da leitura, é fácil dizer “isso já aconteceu comigo, na minha escola ou na minha aula”.
O título tem distribuição gratuita e está disponível para download nas versões português pelo site da Fundação Santillana. Além do Brasil, o livro de estudo de casos já possui versões locais nos Estados Unidos, no Chile (em parceria com o governo federal), e na África do Sul (em parceria com o terceiro setor).
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Porvir – Em geral, nossos programas de formação são muito teóricos. Como o estudo de casos pode mudar e trazer a prática para esses encontros?
Katherine Merseth – Eu espero que esse livro marque o início de mudança da percepção sobre o que significa ensinar e ainda ofereça materiais para professores de cursos de formação inicial e continuada analisarem a prática. Existe espaço para teoria, mas deve haver uma mudança no equilíbrio de predominantemente teórico para predominantemente prático com base teórica. Os casos e histórias que estão no livro levam o professor pensar que eles poderiam ter acontecido em suas próprias salas de aula, porque tratam-se de desafios comuns. Temos uma professora da região norte contando uma história sobre xenofobia que pode fazer com que alguém em outra parte do país se identifique por ter o mesmo problema. O primeiro passo foi tornar esses materiais disponíveis. O segundo é permitir que os professores discutam e levem suas práticas em consideração. Os casos não dizem o que você deve fazer e deixam para o leitor a decidir qual seria o próximo passo.
Porvir – Como podemos preparar educadores e coordenadores para essa discussão?
Katherine Merseth – A melhor maneira de ajudar as pessoas a usar os casos é falar sobre o que significa ser facilitador. O melhor lugar para começar é perceber que o líder da discussão não tem a resposta. Não estamos em busca de uma única resposta. E precisamos ser respeitosos para que todos os indivíduos na discussão tenham voz. E como você pode imaginar, as pessoas discordam fortemente sobre o que fazer. Essa é uma das belezas desse método, porque visões diferentes permitem que se caminhe em direção ao consenso. Temos uma frase nos Estados Unidos que diz que o professor não é o sábio no palco, mas o guia que está ao lado. Uma das coisas que eu enfatizei a um grupo do Instituto Singularidades é que os participantes é que precisam trabalhar, e não o professor que precisa orientar e ajudar a criação do entendimento. Só para resumir sua pergunta, acho que o primeiro passo é perceber que o professor é um facilitador, um incentivador, um líder de discussão, e não a autoridade.
Porvir – Pelos casos retratados no livro pode-se dizer que os problemas brasileiros são locais ou universais?
Katherine Merseth – A maior parte da formação dos professores pelo mundo é muito parecida com o que é feito aqui no Brasil. As pessoas começam com a teoria e dedicam um bom tempo para compreender Piaget e Vygotsky e nunca chegam à implementação. E há uma razão para isso: a prática é imprevisível porque ela é resultado de um esforço humano e da interação entre pessoas para que seja bem-sucedida.
Porvir – É possível dizer que alguma categoria (aspectos internos, aspectos externos, pautas identitárias e equidade) tenha casos mais difíceis de serem analisados que outra?
Katherine Merseth – É bastante difícil classificar um problema como mais grave que outro, mas devo dizer que um desafio que eu vejo nos Estados Unidos e também aqui é relacionado à equidade. Todos devem ter acesso a um sistema de ensino de qualidade independente de quem seus pais são, da cor da sua pele, da parte do país em que vive. Nossa obrigação como sociedade é prover a cada criança o que ela precisa aprender e isso pode significar que para algumas nós temos mais apoio do que damos a outras.
Porvir – Em que países o método de instrução de casos tem sido utilizado?
Katherine Merseth – O uso de casos e a filosofia de maior prática em sala de aula tem crescido nos Estados Unidos por conta do Common Core (a BNCC americana) porque as pessoas começaram a entender onde querem chegar e agora perguntam o que fazer para alcançar seus objetivos. Além do Brasil, também temos um livro de casos em contexto local na África do Sul e no Chile e há uma conversa para que aconteça algo semelhante na Grécia. As pessoas estão convencidas que não podemos empacotar o currículo porque o mundo tem mudando tão rápido que nós realmente não sabemos o que uma criança de 10 anos de idade vai precisar saber quando ela chegar aos 25.