Howard Gardner e o trabalho socioemocional para o bem - PORVIR
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Inovações em Educação

Howard Gardner e o trabalho socioemocional para o bem

Em palestra no Brasil, psicólogo da Universidade de Harvard diz que educadores precisam estar atentos aos "currículos ocultos" e basear suas ações em ética, excelência e engajamento

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 28 de agosto de 2018

“O lado bom e o ruim é que você pode resumir a minha teoria em uma frase. Pensávamos que havia apenas uma maneira de ser inteligente, mas agora sabemos que existem várias”, diz o psicólogo americano Howard Gardner. Autor da teoria das inteligências múltiplas, que estabelece que inteligência é algo que vai muito além do que é medido nos testes de QI (quociente de inteligência), Gardner é amplamente referenciado em diferentes áreas da psicologia e da educação, seja na formulação de políticas públicas, currículos voltados ao desenvolvimento socioemocional ou em testes vocacionais.

Seus estudos mostram que ao insistir em se concentrar nas habilidades linguísticas de lógico-matemáticas, escolas deixam de prestar atenção a indivíduos que demonstram habilidades em outras inteligências, como a espacial, a corporal-cinestésica, a musical, a interpessoal, a intrapessoal e a naturalista. Afinal, diz Gardner, artistas, arquitetos, músicos, naturalistas, designers, dançarinos, terapeutas e empresários contribuem para enriquecer o mundo em que vivemos. Só que isso não tem recebido a devida atenção.

Howard Gardner e o trabalho socioemocional para o bemCrédito: Divulgação

Em conversa com jornalistas antes de sua palestra no Congresso Socioemocional LIV 2018, promovido pelo grupo Eleva Educação no último sábado (25), no Rio de Janeiro (RJ), Gardner detalhou conceitos presentes no livro “Estruturas da Mente – a Teoria das Inteligências Múltiplas”, lançado em 1983, que mais tarde deu origem ao projeto “Trabalho do Bem” (“The Good Project“), desenvolvido na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Antes de tudo, Gardner não vê sua teoria como única abordagem possível para famílias e educadores. “Se você for um pai ou uma mãe, a primeira coisa que digo é que, se seu filho está se saindo bem nos estudos, é melhor deixá-lo em paz e agradecer a Deus”, disse. Agora, se houver dificuldade de aprendizado ou falta de motivação para estudar, ele sugere que um especialista seja procurado, porque pais geralmente não possuem referência sobre quais inteligências podem ser mais bem trabalhadas. “Muitos deles não possuem muitos filhos (para conseguir uma base de comparação) e tendem a projetar experiências provenientes de seu perfil de inteligência.”

Nunca encontrei nada importante que só possa ser ensinado de uma única maneira

Da mesma forma, reconhece que educadores não podem ser obrigados a trabalhar de acordo com inteligências múltiplas, mas defende os benefícios quando são usados recursos para promover individualização e pluralização da aprendizagem. O primeiro conceito tem a ver com aquilo que no Porvir chamamos de personalização, ou seja, saber o que é melhor para cada aluno e ensinar de acordo com seus interesses, de uma forma que faça sentido a ele. Por pluralização, Gardner explica que o educador decide o que é realmente importante para os alunos conhecerem, aprenderem e compreenderem. Essa informação precisa estar em uma variedade de formatos e mídias, abordando assim as inteligências múltiplas. “Nunca encontrei nada importante que só possa ser ensinado de uma única maneira”.

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Para quem está quebrando a cabeça para construir um currículo, a partir das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular,  que leve em conta o desenvolvimento de competências, um trecho Gardner deixou um importante recado. “Você pode ter todo o currículo socioemocional que você quiser, mas a parte mais importante é como as pessoas se comportam”. Para o psicólogo, esse é o “currículo oculto” que muitas vezes mal é notado nas escolas. “O que a criança realmente aprende é como os adultos reagem quando um novo aluno chega à escola e como o corpo docente reage a um momento de crise ou a um escândalo de fraude. Isso é o que chamo de currículo oculto”.

The Good Project, o Trabalho do Bem

Em 1995, ciente que suas ideias estavam sendo mal-interpretadas e usadas de forma a classificar e segregar cidadãos de diferentes grupos étnicos, Gardner se juntou a outros dois colegas, Mihaly Csikszentmihalyi e William Damon, também psicólogos da Universidade de Harvard, para criar o The Good Project, uma plataforma que busca entender como as pessoas que anseiam fazer um “trabalho do bem” obtêm sucesso ou fracassam em uma época em que tudo muda muito rápido; o senso de tempo e espaço está sendo radicalmente alterado por causa da tecnologia; e as forças do mercado são muito poderosas e ainda não se sabe se existem forças contrárias com poder equivalente.

“Quando vi que pessoas estavam usando minhas ideias de um jeito que não queria que acontecesse, entendi que precisava conectar as múltiplas inteligências a um sistema de valores contendo o que significa ser uma boa pessoa, um bom profissional e um bom cidadão”, disse Gardner. “Não é a mesma coisa ser cada uma delas. Você pode ser um profissional muito bom, mas não um bom cidadão. Um vizinho excelente, mas eu não te contrataria para ser meu médico.”

Você pode ser um profissional muito bom, mas não um bom cidadão. Um vizinho excelente, mas eu não te contrataria para ser meu médico

O trabalho começou com entrevistas aprofundadas com 1.500 pessoas de nove diferentes áreas (jornalismo, genética, teatro, negócios, direito, medicina, filantropia e educadores de ensino fundamental e de ensino superior). Dessa consulta, surgiram os três “Es” que formam os eixos do projeto: excelência, ética e engajamento.

Na sequência, foi produzido um material de referência (disponível apenas em inglês) com dilemas que a equipe responsável nega ser um currículo puro e simples. “[O material] não foi projetado para ser usado do começo ao fim. Tampouco é dirigido a um público específico –  digamos, estudantes do ensino médio, novatos em medicina ou gerentes de nível médio em uma empresa multinacional. Em vez disso, é um conjunto de instrumentos cognitivos – um kit de ferramentas mentais, se preferir – que podem ser usados, adaptados, revisados, adicionados, combinados e recombinados de acordo com os propósitos do usuário”, descreve o sumário do documento.

Entre os exemplos, estão vários relacionados à educação, como o que coloca o leitor na posição de um professor com muitos estudantes em sala de aula e alguns que dão mais trabalho. Quanto tempo deve ser dedicado a esse grupo de estudantes? Se der boas notas a eles para facilitar a aprovação, como ficarão seus valores pessoais e o que os alunos vão aprender sobre a necessidade de esforço para conseguir resultados?

A necessidade de falar desses três “Es” com estudantes também foi reforçada quando Howard entrevistou jovens e descobriu que a noção de fazer o bem era relacionada a um momento da vida futuro, com estabilidade financeira e sucesso profissional, em alusão aos valores do sonho americano. “Muitos se distanciavam do modelo porque se viam em competição com os colegas, que também buscam ser ricos e bem-sucedidos.”

Tais estudos levaram os psicólogos a desenvolver novos recursos voltados à sala de aula, como os guias sobre colaboração e cidadania digital, que também se destinam a revelar o que está oculto em escolas e demais organizações e trazer desafios atuais para serem discutidos por alunos ou equipes.

* Jornalista viajou a convite da Eleva Educação


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competências para o século 21, educação integral, socioemocionais

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