O Futuro se Equilibra #012 - Ideias para uma educação indígena - PORVIR
Jéssica Figueiró / Regiany Silva / Porvir

Podcast O Futuro se Equilibra

O Futuro se Equilibra #012 – Ideias para uma educação indígena

por Redação ilustração relógio 14 de abril de 2022

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Podcast O Futuro se Equilibra

Você sabe quais as diferenças e especificidades de uma educação indígena? Além de um currículo diferenciado, a educação indígena precisa ser intercultural e bilíngue. Esses são alguns dos elementos encontrados na legislação – tanto na Constituição Federal, quanto na LDB e em diversas outras leis.

O Futuro se Equilibra conversou com o mestre e doutorando em Antropologia Social, Emerson Sousa, que é de origem Guarani Nhandeva, para entender e pensar sobre possíveis caminhos para a equidade quando o assunto é inclusão dos povos indígenas nas escolas e nos currículos.

Ouvimos também a história do Tiago de Oliveira, que se identifica como Tiago Nhandeva. Ele, que também é Guarani, passou 17 anos ensinando em escolas indígenas em diferentes etapas de ensino.

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Apresentação: Tatiana Klix
Produção: Gabriela Cunha e Larissa Werneck
Edição: Gabriel Reis
Roteiro: Ruam Oliveira e Tatiana Klix
Concepção: Ruam Oliveira, Tatiana Klix e Vinícius de Oliveira
Apoio estratégico: Vinícius de Oliveira e José Jacinto Amaral
Direção de arte: Jéssica Figueiró e Regiany Silva
Música: Cheel, Carmen Maria, Jesse Gallagher, Babylon, pATCHES e Dan Henig.

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Jéssica Figueiró / Porvir
identidade visual de o futuro se equilibra - o podcast
Jéssica Figueiró / Porvir

[início]

[locução emerson sousa guarani]

A educação é um direito de todos [em guarani]

[música de fundo]

[Tatiana Klix]

Educação é um direito de todos. 

A nossa lei de diretrizes e bases prevê que:

[filtro]

§ 4º – O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e européia.

[fim do filtro]

Também traz de maneira detalhada que: 

[filtro]

Art. 78 – O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisas, para oferta de Educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas,

[fim do filtro]

[música de fundo]

Reafirmar as identidades dos povos indígenas e valorizar ciências e línguas são alguns dos objetivos explicitados na lei. 

Além disso, a lei 11.645, de 2008, também inclui na LDB a obrigatoriedade do ensino de arte e cultura dos povos indígenas no currículo das escolas. 

Ou seja, garantir uma boa educação aos povos indígenas e valorizar sua história e cultura para todos os estudantes brasileiros é uma garantia legal. Mas será que isso acontece na prática?

Aqui no O Futuro se Equilibra, procuramos sempre ilustrar com uma história real, o assunto que estamos tratando. Hoje você vai ouvir a história do Tiago de Oliveira, que se identifica como Tiago Nhandeva. Ele é de origem Guarani, é professor, e deu aulas em diferentes etapas do ensino. Quem interpreta é o Gustavo de Melo Cerqueira

[início do relato]

[música de fundo]

Eu não sabia que seria professor até que a oportunidade apareceu para mim. Eu, que tinha acabado de finalizar os estudos, recebi um convite para dar aulas em uma escola indígena. Seria uma escola indígena com professores indígenas. 

Me chamo Tiago Nhandewa, sou Guarani e tenho 36 anos. Moro em Piraquara, região metropolitana de Curitiba. Apesar de ser paranaense, cresci e me criei nas terras Araribá, em Avaí, São Paulo. 

Crescendo em uma comunidade indígena, eu tenho lembranças boas de liberdade durante a infância. Fiz parte de uma época em que os meninos caçavam e pescavam bastante. Que tempo bom…

Eu não sabia mesmo que queria ser professor. O meu primeiro contato com um educador indígena foi na pré-escola, mas depois disso a situação mudou. 

Não estudei sempre em escolas indígenas. Estudava na cidade e aí era outro contato. 

Meus professores não eram indígenas, assim como todos os meus amigos e colegas de classe. 

Ter que conviver com pessoas que não eram indígenas me fez viver momentos difíceis também. A nossa relação nem sempre era tranquila. Porque quando sabem de nossa origem, de onde estamos vindo, onde fica a nossa casa, existe sim um preconceito. 

Mas também fiz bons amigos, é verdade. Conforme as pessoas foram me conhecendo, sabendo sobre minha etnia, as coisas foram melhorando. 

Eu transitei então por estes dois mundos: o indígena e o não indígena. E para mim foi importante conhecer esses dois lados.


[música de fundo]

Minha formação é em pedagogia. Primeiro fiz um curso intercultural de professores indígenas na USP e, em seguida, fiz pedagogia num curso regular. 

Eu fiquei 17 anos na educação indígena. Trabalhando desde 2005, a maior parte da minha trajetória eu atuei nas terras indígenas de Araribá. E ensinei em todas as etapas: desde o ensino infantil até ensino médio e educação para jovens e adultos. 

Nesse período como professor, eu priorizava bastante a língua. E para mim foi uma via de mão dupla, porque fui aperfeiçoando o que já sabia, descobrindo coisas novas enquanto, ao mesmo tempo, ensinava. 

Fui atrás dos mais velhos para que me ensinassem e assim pudesse estar melhor preparado. 

Nem todas as comunidades indígenas são iguais. Algumas delas têm o Guarani como primeira língua e o português como segunda. 

Me aprofundava nas narrativas, mostrava sempre a cultura e o ensino do Guarani tanto escrito quanto falado. Foi um tempo também para me conectar com minha própria cultura. 

O ensino dentro de uma escola indígena precisa ser diferente. Mas em todo o Estado de São Paulo, onde dei aulas, o currículo é o mesmo para todas as escolas, independentemente das características que elas tenham. 

Somente no ano passado, em 2021, que começaram a pensar em um currículo diferente voltado para as escolas indígenas. Mas ainda não foi implementado. 

É importante termos um currículo intercultural, multilíngue, que leve em consideração outros saberes. Não ter esse suporte é ruim para quem ensina.

Essa minha história de não querer ser professor é também porque ainda é muito raro que indígenas acessem o ensino superior. A maioria para no ensino fundamental. 

Depois da graduação eu fiz um mestrado em Antropologia Social e agora continuo estudando essa área no doutorado. 

[música de fundo]

Quando pensamos em educação indigena, temos que entender que se trata de garantir uma estrutura adequada, com materiais pedagógicos que fazem sentido para esses povos. E mais: garantir o acesso e permanência não só no ensino básico, como também no ensino superior. 

Educação é para todas e todos. Quem eu sou hoje no aspecto profissional é resultado das oportunidades que tive para estudar, inclusive em escolas indígenas.

A educação transformou e continua transformando a minha vida. E essa é uma realidade que eu desejo para todos.  

[música de fundo]

[fim do relato]

[Tatiana Klix]

Antes de seguirmos com a conversa, se você estiver ouvindo esse episódio entre abril e maio de 2022, queremos conhecer um pouco mais sobre você e sobre o que gosta de ouvir. Em nosso site temos uma pesquisa sobre hábitos de consumo de podcasts, você nos ajudaria respondendo essa pesquisa? É super rápido! O link está na descrição .

[música de fundo]

[Tatiana Klix]

O Tiago, de quem você acabou de ouvir a história, teve uma experiência muito variada durante sua atuação como professor. Ele passou pela educação infantil, pelo ensino fundamental e médio e também pela EJA, a Educação para Jovens e Adultos.  Toda essa experiência em comunidades indígenas. Mas você sabe sabe o que é uma educação indígena?

[Emerson Souza]

Primeiro a gente entender essa educação indígena como uma educação que garante o direito a inclusive a própria diversidade dos povos indígenas. Uma educação dentro das aldeias, é entendida como uma construção de conhecimento que se deu sempre de uma forma oral. Ou seja, a oralidade sempre fez parte da questão indígena e da construção de conhecimento.

[Tatiana Klix]

Esse é o professor Emerson Sousa. Ele também é Guarani. É mestre e doutorando em antropologia social na USP e integrante do CESTA – o Centro de Estudos Ameríndios da USP. 

[Emerson Souza]

A questão da educação indígena já é uma questão que envolve ações do Estado. É uma educação que garante ainda uma educação diferenciada, uma educação bilíngue, uma educação que leva em conta a diversidade de cada população indígena do país. Uma educação que garante aí é que suas organizações sociais possam discutir maneiras de implementar essa educação dentro das suas aldeias e que essa educação seja uma educação que atenda a interesses escusos ou interesses do Estado quando se trata de uma questão de integridade. Ou seja, muitos anos a educação foi utilizada para fazer com que os indígenas fossem integrados à sociedade nacional. Com a educação indígena, que é uma educação diferenciada, vai por terra essa ideia de integração do indígenas e cai aí uma ideia de fazer com que os indígenas escuta uma educação dentro dos seus ambientes, das suas aldeias, dentro dos seus territórios. E que cada estado seja orientado para que você possa garantir os direitos mínimos da preservação da cultura, da preservação de seus elementos tradicionais, os elementos que envolvem as questões históricas de cada povo. Então, eu diria que essa educação indígena que existe hoje no País, ela atende primeiramente, aos interesses de uma legislação específica.  

[Tatiana Klix]

[música de fundo]

As leis às quais ele se refere são aquelas que comentei no início do episódio. LDB e Constituição Federal presentes. 

Uma educação indígena requer uma abordagem diferente da encontrada nos currículos convencionais. Precisa ser bilíngue e intercultural.

Uma prática relembrada pelo Tiago e reforçada pelo Emerson:

[Emerson Sousa]

Dentro da nossa nossa diversidade linguística. Os povos indígenas precisam ser contemplados com as pressões da sua atração referente às línguas maternas. Tem aí as questões do artigo setenta e oito e setenta e nove da Constituição, que para a cidade de oferecer uma educação que seja bilíngue. Ou seja, é preciso você fomentar essa discussão da educação indígena, desde que você também não utilize ela como uma forma de um currículo que atenda aos interesses, apenas de um currículo europeu, etnocêntrico, eurocêntrico. 

[música de fundo]

Ou seja, você precisa aprender determinados conteúdos, desde que você favoreça também a questão da língua materna, a cultura de cada povo. É super importante falar disso justamente porque a gente tem um currículo muito colonizador. Precisamos descolonizar o currículo ao tentar discutir essas questões da educação indígena dentro das aldeias. Estou querendo dizer como professor porque eu vejo ainda acontecer que existe um currículo oficial, e esse currículo oficial tenta ser aplicado dentro das aldeias, de uma forma ainda que propaga e vamos assim uma ideia ocidental. 

Então eu acho que é preciso tomar cuidado quando se trata da questão indígena justamente porque as especificidades de cada região, as especificidades de cada povo precisam ser garantidas. Quando a gente utiliza esse material carregado de um processo ocidental, que a gente sabe que existe. É perigoso, justamente porque você ainda continua utilizando esses elementos de integração à sociedade nacional. Eu acho isso meio perigoso e é preciso sempre tomar cuidado 

[música de fundo]

[Tatiana Klix]

Trazer os conhecimentos dos próprios indígenas para os currículos passa por envolver os próprios indígenas na construção dos currículos, materiais. 

[Emerson Sousa]

Bem, primeiro dizer que existem dois movimentos que eu acho super importantes. Primeiro que os povos indígenas aqui da cidade de São Paulo e o Estado de São Paulo a ser bem mais específico, já tem produzido bastante material para poder garantir que essa diversidade de cada povo e já construído, por exemplo, vocabulários em Guarani, vocabulários do povo Terena, do povo Kaingang. Então é uma forma de você já começar também a fomentar uma série de materiais didáticos pedagógicos que possam contemplar ali cada população, especificidade de cada povo. Talvez eu diria assim que existe hoje, neste momento, uma produção de material interessante. É uma pena que esse material ainda não possui um apoio, onde assim, do Estado, para que seja publicado, para que possa chegar, inclusive nas escolas não indígenas..

[Tatiana Klix]

[música de fundo]

Essa informação é importante: os conhecimentos indígenas podem e devem ser de conhecimento de quem também não é indígena. E é preciso mudar a forma como se avalia o que é conhecimento.

O Censo de 2010 do IBGE, por exemplo, apontou que a taxa de alfabetização dos povos indígenas estava abaixo da média nacional.  Mas a gente precisa estar atento ao fato de que o próprio censo é feito a partir de um viés específico, ocidental.

[Emerson Sousa]

Existe ainda essa ideia de que o indígena precisa se enquadrar dentro dos conceitos de quem vive dentro das cidades, e eu acho que isso é um erro, justamente porque os indígenas, que estão nas suas regiões possuem outros tipos de conhecimento. E se a gente começa a ver com esse conhecimento de uma forma que não seja simétrica. Sempre ainda de forma assimétrica, a gente não consegue entender que existem conhecimentos e conhecimentos que também podem podem se unir para a gente pensar uma ciência nova que, de fato, inclua outros saberes, outros conhecimentos, outras formas de enxergar o mundo. Então eu diria que esse conceito de analfabetismo com suspeito ainda muito ocidental e a gente precisa ver quem é que constrói o senso e a forma que constrói o censo, porque esse censo precisa discutir e entender as especificidades de cada região. Então segundo colocado, dentro de um de um único, o modelão a gente acaba achando meio difícil de entender. Mas eu diria que nas aldeias onde eu circulo,  a língua materna ou a língua tradicional e as culturas locais elas são coisas, é muito importante que aconteça todo dia. Eu não consigo encontrar sua palavra analfabetismo dentro dos locais. Muito pelo contrário. Encontrar um grande conhecimento de outras culturas, outras formas de ser, pensar, agir, fazer e se a gente não se der conta disso a gente cai num grande erro de achar que esses dados dão conta de explicar a situação indígena no Brasil num contexto geral.

[música de fundo]

[Emerson Sousa] 

A gente conhece muito pouco a história dos povos indígenas aqui no Brasil. Isso é, a gente desconhece, a gente propaga estereótipo, se propaga com uma ideia de um senso comum, a gente propaga a ideia de uma ciência que é purista, ocidental, etnocêntrica e eurocêntrica e a gente continua ainda utilizando isso como uma coisa, coleta, escolhi verificando outros povos, outras culturas, outros modos de viver.

[Tatiana Klix]

Assim como há a necessidade de estudar e observar a cultura e história africana e afro-brasileira para entender o nosso país e diminuir desigualdades, o mesmo vale para os povos indígenas. É preciso conhecê-los. É preciso colocar nas escolas espaços onde essa cultura seja discutida para além das comunidades indígenas. 

O professor Emerson chama a atenção para um outro detalhe: é necessário ter conteúdos indígenas, mas também que pessoas indígenas ocupem espaços de poder.

[Emerson Sousa]

Nós temos uma categoria de professor indígena, que ele não passa necessariamente por essa história do concurso público. Eu passei por essa história do concurso público como professor de sociologia do Estado de São Paulo e talvez seja o único. É um absurdo isso. Deve ter mais um mais um outro. Eu também não conheço. Mas aí é o xis da questão. A maneira como os povos indígenas não fazem parte dos ambientes de poder, fazem parte dos ambientes da educação, ainda precisa muito indígena, ainda tem muita gente qualificada, inclusive para poder formar Professores, novos professores, 

[Tatiana Klix]

A questão da educação indígena precisa de atenção. Requer um cuidado específico. 

A escola pode ser este espaço de diálogo e de quebra de estereótipos que, por vezes, exclui os povos indígenas da história brasileira. 

[Emerson Sousa]

[música de fundo]

A gente não conhece e a gente ainda não utiliza. Qual que foi o papel da história, inclusive a ciência, a história, a própria história mesmo, a história de professores de história, inclusive no passado? Que deixaram de escrever as questões dos povos indígenas, como os indígenas não tivessem história, que é o que era o que diziam no ano passado. Povos indígenas não têm escrita e se não tem escrita, não tem história. Que é um absurdo, que é um absurdo. Um pouco,isso é um pouco isso, tem a ver com as questões que a gente precisa discutir não só na sala de aula, mas em todos os ambientes, inclusive nesse que a gente está, que é o podcast de vocês. Muito obrigado pelo convite. 

[música de fundo]

[finalização]

[Tatiana Klix]

Você ouviu O Futuro se Equilibra, o podcast do Porvir sobre equidade na educação. Temos o apoio do Instituto Unibanco.

Obrigada ao professor Emerson pela conversa, ao Tiago por dividir sua experiência e ao Gustavo pela interpretação. 

Se ainda não seguiu o podcast nas plataformas digitais, não deixe de fazer isso. Você pode também avaliar o podcast lá no Spotify. 

Nossos episódios saem quinzenalmente, sempre às quartas-feiras.
A produção é da Larissa Werneck e da Gabriela Cunha e a edição de som é do Gabriel Reis, da podmix.

O roteiro é meu e do Ruam Oliveira. 

Você pode escrever para a gente contando o que está achando dos episódios pelo email contato@porvir.org. Adoraremos saber sua opinião.

Eu sou Tatiana Klix, diretora do Porvir. Obrigada pela escuta!


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educação infantil, ensino fundamental

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