Pandemia fez surgirem projetos e soluções de longo prazo na educação
Das plataformas online a ferramentas de inteligência artificial, especialistas comentam sobre oportunidades educacionais desenvolvidas durante o período de distanciamento social
por Luciana Alvarez 27 de outubro de 2021
A pandemia do novo coronavírus fez com que, em abril de 2020, 1,6 bilhão de alunos estivessem fora da sala de aula. Enquanto o mundo leva seus estudantes de volta às escolas em ritmos diferentes, já é possível vislumbrar que certas soluções e projetos feitos nesse momento de crise podem ter impactos positivos duradouros na educação.
“Globalmente, houve uma aceleração da transformação digital de três anos, segundo a consultoria McKinsey”, afirma Samson Tan, professor e pesquisador no National Institute of Education de Cingapura. Ele foi um dos convidados do 1º Congresso Brasileiro de Metodologias Ativas, realizado na primeira quinzena de outubro. O evento é uma iniciativa do Núcleo de Pesquisas em Novas Arquiteturas Pedagógicas da Universidade de São Paulo (NAP/USP), da Association of Problem-Based Learning and Active Learning Methodologies (PANPBL) e do Instituto iungo.
“Há oportunidades na área de governança, planejamento urbano, saúde e, claro, educação”, diz o professor. Para ele, mesmo com a volta do presencial, a educação online deve continuar a ser considerada como uma ferramenta importante para professores e estudantes. “Há estudos mostrando que os alunos se acostumaram com a aprendizagem online durante a pandemia, mas o online pode tomar um rumo muito diferente. Depois do que se fez de forma emergencial, já se pode fazer um design melhor da educação online.”
Segundo Samson, para que o online seja de fato proveitoso, é preciso ultrapassar algumas ideias que vieram da experiência pandêmica. “No começo, se repetiu muito uma aula tradicional numa plataforma bidimensional. Mas nesse ambiente você perde a atenção muito rápido. Eu fiquei tão cansado como professor… E os alunos também diziam que ficavam cansados. Não é para transpor”, recomenda.
O pesquisador contou ainda que em Cingapura existe um programa nacional de Inteligência Artificial (IA) com três pilares: customizar os caminhos de aprendizagem, realizar tarefas administrativas e tratar dados, além de um serviço de companhia de estudos. “Esse companheiro de estudo é muito interessante: cada aluno pode ter um parceiro que não o julga e, assim, não precisa ter vergonha de perguntar nada”, explica.
Ainda que ter uma IA “trabalhando” na educação possa parecer assustador, o professor garantiu que ela já está presente em várias esferas da vida cotidiana sem que as pessoas percebam. Ele mesmo usou um sistema para traduzir sua palestra para o português e sugere que cabe aos educadores fazer bom uso das ferramentas disponíveis. “As tecnologias são amorais. Por si só, não são nem boas nem ruins; dependem de como nós, humanos, as usamos. Podem ser para melhorar o aprendizado, mas podem impedir que as pessoas formem laços – o que, claro, é ruim. A ideia é que o tempo tem de ser gasto na escola em interações com outras crianças, não fazendo uma cópia”, afirma.
O pesquisador ressaltou que, embora tecnologias avançadas ajudem, não é preciso esperar por elas, pois existem opções “empolgantes” possíveis para todos. Ele defendeu que uma mentalidade inovadora é mais importante do que a tecnologia em si. “Mesmo quando tudo funciona bem, temos que pensar que algo melhor está por vir. Pessoas inovadoras são as que não ficam satisfeitas, aquelas que estão sempre pensando em outras formas de fazer as coisas”, diz.
Exemplos nacionais de impacto social
No Brasil, a pandemia acabou promovendo a criação de plataformas educacionais online, que poderão ter um alcance maior do que programas que existiam antes.
Carolina Cavalcanti, coordenadora do Instituto Singularidades e professora da Fundação Dom Cabral, ajudou a desenvolver uma plataforma para o Instituto Proa, que mantém um programa de apoio a jovens de classes sociais mais baixas a conseguir o primeiro emprego. Sem poder fazer a formação presencial que acontecia no contraturno da escola por causa da Covid-19, a instituição se dedicou a criar algo que pudesse ser feito a distância.
“São cinco trilhas básicas, todas com elementos de engajamento, como o uso de narrativas. A cada semana, os estudantes conhecem um pedaço de uma história”, conta. Carolina explica que a cada início de semana os participantes recebem vários materiais para que possam se preparar para um encontro síncrono com um tutor e outros jovens. Após o encontro, eles têm sempre uma tarefa para realizar, de forma a desenvolver competências, como fazer um infográfico de sua vida. “O sistema foca em competências, não em conteúdos, coisas como garra, aprender a aprender, trabalho em grupo, comunicação, pensamento matemático”, cita.
A consultora educacional Andrea Filatro também tem se dedicado a criar uma plataforma online. A SIA ainda está em desenvolvimento e será feita para uma rede de ensino, com o objetivo de atender aos alunos no período do contraturno. “A proposta é para o estudante fazer as atividades no período de não-aulas, mas de forma integrada com o que ele tem nas aulas formais”, explica. A plataforma terá conexão com a parte do projeto de vida, agora componente curricular obrigatório no ensino médio.
A SIA tem sido desenhada imaginando o conceito de uma cidade inteligente, amplamente conectada, com internet das coisas, uso de IA para os chatbots (sistemas que conversam em linguagem natural) e reconhecimento de fala. Mas nada disso vai dispensar os professores. “Todos os estudantes continuam tendo professores, horários, currículos. Mas terão essas atividades mais livres, poderão ter mais espaço para criar, trabalhar com outras turmas e outras escolas”, diz Andrea.