Seminário debate o papel da escola na formação cidadã
Realizado pelo Instituto Unibanco, o encontro em São Paulo reuniu especialistas para discutir estratégias internacionais e materiais voltados para a educação para a democracia
por Redação 13 de novembro de 2024
A escola desempenha papel essencial de compreensão sobre o mundo e o nosso papel nele. Criar um ambiente que promova a educação para a cidadania e fortaleça a democracia é crucial para garantir uma aprendizagem inclusiva, beneficiando não apenas os estudantes, mas toda a comunidade escolar.
O “Seminário Internacional Educação Cidadã e Convivência Democrática”, realizado pelo Instituto Unibanco nesta terça-feira (12), reuniu pesquisadores brasileiros e internacionais para refletir como as escolas promovem competências cidadãs a nível global. Neste link, estão disponíveis as apresentações realizadas e os materiais de referência. Em breve, o vídeo com a íntegra do seminário entrará no ar e será incluído nesta reportagem.
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Cristián Cox, sociólogo e professor da Universidade Diego Portales, no Chile, abriu a programação enfatizando o papel da escola na formação de cidadãos democráticos. “As democracias devem ser promovidas e valorizadas. É preciso acreditar na democracia”, destacou, em referência a formas de governo mais autocráticas que têm sido cada vez mais instauradas no mundo.
O professor defendeu a escola como o primeiro espaço onde as crianças entram em contato com indivíduos de diferentes origens e opiniões, contrastando com o ambiente muitas vezes homogêneo de suas famílias. Esse acesso é fundamental para quebrar o que ele define como “incondicionalidade” da unidade familiar e fomentar um senso mais amplo de identidade coletiva.
Pesquisador sobre currículos na América Latina, Cristian vem identificando nos modelos a ausência de alguns conceitos democráticos centrais, em especial o “bem comum”. O princípio orienta a criação de leis e políticas públicas justas, com equilíbrio entre interesses individuais e coletivos, de modo a promover o bem-estar de todos.
“A política democrática é inseparável da noção de que é um processo de definição e identificação do bem comum. Negligenciar esse conceito prejudica o desenvolvimento de competências para navegar nas diferenças políticas e chegar a decisões em uma sociedade democrática”, ressaltou.
Como fortalecer a educação cidadã
Cristian Cox recomenda aos gestores e professores uma abordagem abrangente, inspirada no modelo europeu para a educação democrática. São três as dimensões principais:
- Conhecimento: é preciso oferecer aos estudantes uma compreensão sólida dos princípios, instituições e processos democráticos.
- Participação: a experiência prática é fundamental e deve acontecer dentro da comunidade escolar. Isso pode incluir o ingresso no grêmio estudantil, a organização de debates, além do desenvolvimento de habilidades para que a turma possa comunicar suas opiniões e trabalhar em conjunto de forma eficaz.
- Serviço: pensar no território e como apoiar a comunidade fora da escola também é um bom passo para os estudantes. Isso pode incluir voluntariado em organizações locais, participação em projetos e campanhas sobre assuntos locais.
“O ensino nessa área deve combinar essas três dimensões. Uma muito convencional, sem complexidade, que se junta a outras duas de natureza prática”, aconselhou o especialista.
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Formação holística
Clara Ramirez, diretora do Instituto Auschwitz, destacou o trabalho da organização no Brasil, iniciado em 2018, em especial ao setor voltado à pesquisa e edição de materiais para educadores. A abordagem é voltada à educação cidadã, baseada nos princípios da Constituição Brasileira e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Um desses projetos é o Cidadania e Democracia desde a Escola, com o objetivo de “criar espaços para promover o diálogo plural baseado no respeito e no reconhecimento da diversidade dentro das salas de aula do sistema público de educação brasileiro.”
Inicialmente, os trabalhos do instituto se concentravam no treinamento de professores. No entanto, ao perceber a necessidade de uma abordagem que envolvesse toda a escola, a equipe passou a desenvolver um programa específico para gestores escolares e coordenadores pedagógicos. “Essa decisão surgiu do entendimento de que diferentes atores dentro do sistema educacional necessitam de apoio específico para contribuir de maneira eficaz com a iniciativa”, explicou a diretora.
Um dos materiais disponíveis é o e-book “Cidadania e democracia desde a escola: como a gestão pode atuar?” construído em parceria entre os Institutos Auschwitz e Unibanco, que reúne experiências do Rio Grande do Norte e da Paraíba para a formação de professores e lideranças escolares. Clique aqui para conferir o material.
Lugar de memória
O seminário aconteceu no Memorial da Resistência, em São Paulo, lugar de memória dedicado a preservar a história do prédio onde operou, entre 1940 e 1983, o Deops/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), uma das polícias políticas mais truculentas da história brasileira.
Clara citou a importância de que espaços como esse sejam valorizados e visitados, citando a metodologia do “poder do lugar”, que baseia os trabalhos do instituto. Esse conceito é inspirado pela ideia de que a memória histórica e os espaços de acontecimentos significativos possuem grande poder pedagógico, além, claro, de apoiar o ensino da democracia.
Para a diretora, ensinar sobre temas sensíveis como direitos humanos e democracia requer conexão entre aprendizado emocional e intelectual. “Precisamos entender que a democracia não é apenas algo a ser aprendido, mas também é muito frágil”, afirmou. “Isso vem acompanhado do fenômeno das redes sociais e das teorias da conspiração. Há pessoas por aí defendendo que a Terra é plana e coisas assim. Tudo isso faz parte da mesma ideia de desacreditar a ciência, a razão, os argumentos”, comentou. “A crescente onda de desinformação é uma ameaça significativa, principalmente para os jovens, que enfrentam um futuro marcado por crescente desigualdade e incerteza.”
Tanto Clara quanto Cristian concordam que não existe um único modelo de educação para a cidadania que possa ser aplicado a todos os países. No entanto, ambos enfatizam a importância de aprender com as experiências uns dos outros e trabalhar juntos para desenvolver abordagens eficazes e inspiradoras.