Como fortalecer a permanência da juventude negra no ensino superior? - PORVIR
Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Inovações em Educação

Como fortalecer a permanência da juventude negra no ensino superior?

Em nova coluna para o Porvir, Daniel Bento Teixeira, diretor-executivo do CEERT, fala sobre como programas de fortalecimento, como o Prosseguir, são fundamentais para garantir a trajetória profissional de jovens negros

por Daniel Bento Teixeira ilustração relógio 22 de novembro de 2023

No último dia 13, o presidente Lula (PT) sancionou a lei que atualiza e amplia as políticas de cotas nas universidades federais. Trata-se da primeira revisão da Lei de Cotas, criada em 2012. A nova legislação prevê mudanças como o mecanismo de ingresso ao ensino superior federal, a redução da renda familiar para reservas de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários das cotas. O texto sancionado também determina que a lei seja monitorada anualmente e avaliada a cada dez anos.

Mas quais são os principais desafios da permanência da juventude negra no ensino superior? Em sua tese de doutorado doutorado pela USP (Universidade de São Paulo), a pesquisadora Sonia Maria Barbosa Dias refletiu justamente sobre o tema.

O estudo revelou que é necessário um lugar de fortalecimento que nós chamamos de aquilombamento, a partir do reconhecimento e da valorização do protagonismo da juventude negra, tendo a promoção da equidade racial como pressuposto, abrindo espaços e instâncias dentro e fora da universidade para encontros, discussões e fortalecimento mútuo. 

O acesso de pretos e pardos às instituições de ensino superior aumentou 25% entre 2009 e 2015. De acordo com Tatiana Dias Silva, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), autora da pesquisa “Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente”, “o crescimento advém não apenas das ações afirmativas, mas além delas, em um cenário de ampliação de vagas, de democratização dos instrumentos de acesso ao ensino superior e interiorização também das vagas, ampliação de cursos em outros horários, ampliação dos campi”, disse à Agência Senado. “Tudo isso favorece essa maior participação da população negra.” 

O ingresso de pessoas negras na universidade, porém, segue abaixo do ideal. O estudo do Ipea revela que, em 2017, enquanto 22,9% dos brancos com mais de 25 anos possuíam ensino superior completo, apenas 9,3% dos negros tinham a mesma formação. 

Recente reportagem do Portal Terra relata a dificuldade de acesso às bolsas existentes e ao auxílio para permanência aos universitários em condições de vulnerabilidade social. “É um problema. Esse universitário negro, além de ter que fazer a universidade, tem que trabalhar para se manter na cidade nova ou para se manter mesmo morando na casa dos pais”, disse o estudante Gustavo Paulo. 

Na mesma matéria, o professor Cleber Santos Vieira, da Unifesp (Universidade de São Paulo) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, enfatiza a necessidade urgente de políticas de permanência que considerem este perfil de estudantes e os apoiem psicologicamente. Ele aborda a questão das relações raciais e os impactos psicossociais do racismo. “Muitas vezes, nós chegamos à universidade com nossos corpos e com nossa vontade de estudar, mas falta um fortalecimento interior juntamente com o fortalecimento político e acadêmico, porque o racismo faz de migalhas a nossa identidade, o nosso pertencimento e a nossa estrutura mental.”

A ideia do “se ver possível” é fundamental, considerando que a juventude negra muitas vezes fica circunscrita a notícias como essas: entre 2016 e 2020, 80% dos jovens vítimas de morte violenta eram de negros (UNICEF, 2020). A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil (ONU). A renda média de trabalhador branco é 75,7% maior que de negros. A população negra representa 56% da população, sendo 75% entre os mais pobres (IBGE 2022). 

Apesar da dureza dos fatos, quando falamos dos jovens brasileiros, precisamos considerar as suas potências e singularidades, a partir das regiões do nosso país. 

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Certa vez, acompanhei uma entrevista em que Lázaro Ramos falava o quanto participar do Bando de Teatro do Olodum foi fundamental para que ele se visse possível nas artes  cênicas, conhecendo e se reconhecendo em todas aquelas pessoas negras atuando, dirigindo, escrevendo peças, enfim, protagonizando trajetórias potentes nas artes.

Neste mês da Consciência Negra, vale relacionar essa fala de Lázaro com projetos de fortalecimento aos jovens universitários. Destaco aqui o Programa Prosseguir do CEERT, que tem como finalidade evidenciar e desenvolver futuras lideranças negras que estão nas universidades públicas e privadas das regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Belém e Manaus, além de Brasília e sul da Bahia.

As estratégias do programa são de fortalecimento e permanência acadêmica, além de estabelecer diálogos e pontes com o mundo do trabalho. Com inscrições abertas, o programa oferece uma bolsa mensal de R$700 e destaca a importância de ‘se ver possível’. A vida negra deve prosseguir. É necessário possibilitar a concretização de aspirações acadêmicas, pavimentando o caminho para a trajetória profissional, sejam quais forem.

Por isso, o programa dialoga com questões comuns às juventudes negras, mas também assegura espaço para questões que são próprias de cada região.

Em 2007, quando estive como pesquisador visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, participei da Black Law Students Association (Associação de Estudantes Negros do Direito, em português). Isso me fez ver o quanto é importante o fortalecimento de coletivos negros na universidade.

As principais instituições locais dialogavam com a Associação, criando pontes, atraindo os estudantes para posições qualificadas no mundo do trabalho e dialogando sobre questões da sociedade.

No Brasil, isso tudo ainda era incipiente. O Prosseguir veio também para dialogar com os coletivos de estudantes negros e negras, fortalecendo a capacidade de interlocução com instituições mais estratégicas do país. A atuação do CEERT acompanha as ações afirmativas no Brasil. Dessa forma, o programa contribui para a articulação de estudantes. 

Considerando que nos últimos anos os programas de ações afirmativas em universidades tiveram suas políticas de permanência enfraquecidas, estrategicamente o Prosseguir surge em 2019, se antecipando a esse período, para a juventude negra se fortalecer e se aquilombar, em período de escassas políticas públicas. Afinal, a vida negra jovem, as ações afirmativas de ingresso na universidade e também as de permanência com êxito devem prosseguir. 


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consciência negra, educação antirracista, ensino superior

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