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Inovações em Educação

Propósito de vida e felicidade no centro do projeto de universidade mexicana

Como a TecMilenio nasceu, cresceu e se transformou para formar estudantes com um modelo de ensino que adota currículo personalizado baseado no desenvolvimento de competências

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 22 de agosto de 2019

Em um ambiente de crise financeira em que famílias e estudantes se questionam se  um curso superior será suficiente para garantir um futuro próspero, Héctor Escamilla, reitor da universidade mexicana TecMilenio, trouxe ao 3º Seminário O Futuro do Ensino Superior, evento promovido pelo Semesp (entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil) na última sexta-feira (16), novos argumentos para o debate: felicidade e propósito de vida.

Privada e sem fins lucrativos, a TecMilenio nasceu em 2002 para atender a uma população que não poderia pagar pelo irmão mais caro, o Tecnológico de Monterrey, e precisava continuar trabalhando para completar seus estudos. Após um rápido crescimento logo nos primeiros anos (13 vezes), em 2012 a curva virou. “As crises nos ajudam a inovar, você já deve ter ouvido isso em algum lugar. Em 2012, quando as matrículas diminuíram, a direção se reuniu em busca de respostas à pergunta ‘Qual é o futuro desta universidade?'”, contou o reitor Héctor Escamilla.

Foi nesse momento que a instituição resolveu rever seu papel (o tal “mindset”, jargão da moda) e partir para um modelo que ainda hoje é visto como necessário, porém enormemente desafiador: uma educação baseada no desenvolvimento de competências. Muitas instituições alardeiam que tem esse objetivo como foco principal, mas nem sempre isso acontece. Nos Estados Unidos, uma pesquisa detectou exatamente essa disparidade entre o que as instituições de ensino pensam que oferecem, o que a opinião pública entende e o que as empresas demandam. De 99% no primeiro caso, os números caem para 13% e 11%, respectivamente.

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Na busca por um modelo que lhe garantisse uma nova identidade e diferenciação em relação às concorrentes, a TecMilenio olhou para a lista de habilidades mais necessárias em 2022 feita pelo Fórum Econômico Mundial e apostou em duas: bem-estar e projeto de vida. Para atingir esse objetivo, no entanto, era urgente repensar o modelo baseado em um currículo linear e padronizado (dando lugar a uma personalização) e colocar o aluno no centro do processo educativo.

“As empresas buscam as necessidades dos clientes e, como universidade, precisamos atender às necessidades dos alunos, dos pais de família e das empresas. O importante sempre é que vivemos uma pirâmide de cultura invertida, onde identificamos que nós, que estamos aqui, não somos a parte mais importante de uma universidade”, disse o reitor.

Divulgação/Semesp

Personalização e prática
Em busca de alternativas para tornar a trajetória acadêmica mais flexível e a serviço do interesse de cada aluno, a TecMilenio olhou para o que acontece em diferentes universidades do mundo. Esse mapeamento identificou uma média de 40 a 60 matérias necessárias para se obter um diploma de nível superior, mas alunos geralmente só conseguem personalizar cerca de 27% do currículo.

“Quando você desenha um programa com base em competências, acaba descobrindo que algumas disciplinas não fazem sentido. Começamos a analisar as carreiras da TecMilenio e decidimos que matérias que não tinham foco no desenvolvimento de competências do século 21 deveriam ser retiradas”.

Deste modo, a TecMilenio atingiu 40% de flexibilidade nas áreas de engenharia e negócios – o restante é formado por conhecimentos básicos. Em carreiras como engenharia industrial, a nova configuração permitiu a criação de trilhas que garantem sete certificados (administração, criação de empresas, inovação e empreendedorismo, vendas, mercadorias digitais, psicologia organizacional e logística), que o reitor compara a peças de LEGO. Quando colocadas lado a lado, comprovam o desenvolvimento de competências. “Uma universidade tradicional poderia dizer ‘aqui preparamos engenheiros’. Na TecMilenio, dizemos personalize sua carreira e faça escolhas de acordo com suas preferências. Se quiser seguir como engenheiro, escolha certificados relacionados, mas se precisar combinar engenharia e negócios, por que não? Isso nos dá muitas possibilidades de estudar engenharia”, explicou Escamilla.

Para juntar as peças de LEGO, a instituição mexicana se inspirou no modelo alemão, que estimula que alunos dividam sua jornada entre teoria e prática para que logo cedo tenham uma experiência ligada ao mundo real. “Se quisermos alcançar altos níveis de empregabilidade, temos que mudar. Temos 9 em cada 10 alunos trabalhando antes de terminar a graduação porque estabelecemos 950 convênios com empresas. Em cada lugar onde existe um campus, criamos conselhos que reúnem líderes de recursos humanos e executivos para gerar conexão das universidades com as empresas e, ao mesmo tempo, criar oportunidades de trabalho”.

Reprodução

Educação para felicidade
Uma terceira dimensão que também impactou o jeito de ensinar e de gerir a TecMilenio tem a ver com a visão de que a universidade precisa ser o melhor lugar para estudar e preparar alguém para ser feliz. Harvard e Yale, duas universidades que integram o grupo de elite dos Estados Unidos, já perceberam isso e suas disciplinas ligadas ao ensino da felicidade e à psicologia positiva têm registrado grande procura. Segundo artigo do New York Times, enquanto matérias normais atraem em média 600 alunos, essas novas disciplinas chegam a registrar cerca de 1.000 inscrições.

A TecMilenio, por sua vez, seguiu uma estratégia mais abrangente e lançou um ecossistema de bem-estar e felicidade que deu origem a uma caixa de ferramentas com sete itens: positividade; envolvimento, realização, bem-estar físico, relações positivas, atenção plena e significado. Ao centro desse projeto está o aluno e, em um segundo nível os programas acadêmicos, a infraestrutura física, o corpo docente e demais funcionários e os clubes. “Não é uma aula (sobre felicidade) que faz a diferença. É todo o ecossistema. Para isso, temos que preparar os professores e o corpo diretivo para que estejam 100% certos que liderança e psicologia positivas trazem bons resultados. O que buscamos com alunos também é possível realizar com as pessoas que trabalham na universidade”.

A mais recente medida da universidade nesta área foi a criação do Instituto de Ciências para Felicidade e Bem-Estar, que desenvolve pesquisa e realiza um fórum anual (atualmente na 7ª edição, a ser realizada em novembro em Monterrey). “Doze anos atrás as pessoas davam risada quando falávamos sobre felicidade. Hoje nos respeitam muito”, disse o reitor.

Resultados
O que aconteceu com a TecMilenio desde que a ficha caiu em 2012? A instituição passou de 34 mil alunos para os atuais 60 mil, em 30 campi, e sonha em chegar a 160 mil em seis anos. Em parceria com organismos como ONU (Organização das Nações Unidas) e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a universidade mexicana também é uma das instituições criadoras da Rede Internacional de Educação Positiva, dedicada a levar essa abordagem holística para instituições de todo o mundo, desde a educação infantil ao ensino superior.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, competências para o século 21, educação mão na massa, empreendedorismo, ensino superior, equidade, personalização, socioemocionais, tecnologia

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