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O silêncio que adoece: saúde mental em risco nas escolas

Pesquisa “Saúde mental na educação básica”, do Instituto Educbank, revela a perda da escola como espaço de proteção e propõe ações concretas para promover saúde mental, bem-estar emocional e senso de pertencimento, com o objetivo de transformar a instituição em um verdadeiro ambiente de cuidado

por Redação ilustração relógio 25 de setembro de 2025

Uma pesquisa lançada pelo Instituto Educbank de Educação e Cultura, em parceria com a consultoria Great Place to Study, neste mês de setembro que marca a campanha Setembro Amarelo, pela prevenção ao suicídio, alerta para uma crise silenciosa de saúde mental na educação básica brasileira. O levantamento, intitulado “Saúde Mental na Educação Básica“, teve a participação mais de 18 mil pessoas (estudantes, educadores e familiares) entre novembro de 2024 e maio de 2025, revelando que a escola, em muitos casos, “deixou de ser espaço de proteção e pertencimento”.

Os números são fortes: 75% dos educadores e 64% dos estudantes indicam que o ambiente escolar prejudica a sua saúde mental. Professores e alunos associam a instituição a sentimentos de cansaço, ansiedade, isolamento e sobrecarga emocional.

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Lara Crivelaro, diretora acadêmica do Instituto Educbank, detalha a gravidade dos achados. “Esses dados nos permitem identificar padrões, tensões e oportunidades de intervenção. Eles mostram o que os números sozinhos não capturam: o cansaço que não é dito, o isolamento que não é visto, o desamparo que não é compreendido”. Contudo, ela ressalta que essa “escuta com profundidade abre espaço para reconstruir vínculos, redesenhar práticas e renovar sentidos”.

Saúde mental no contexto escolar

No âmbito desta pesquisa, a saúde mental é abordada como o bem-estar emocional, psicológico e social que permite a estudantes e educadores viverem suas experiências escolares de forma plena e produtiva. A pesquisa aponta para uma deterioração da saúde mental que se manifesta em diversos sentimentos e condições. Entre os principais sinais observados estão:

  • Cansaço constante e sobrecarga emocional: exaustão diante das demandas escolares e profissionais.
  • Ansiedade: preocupação excessiva, especialmente entre estudantes do ensino médio.
  • Isolamento e falta de pertencimento: ausência de vínculos e de reconhecimento no ambiente escolar.
  • Desgaste emocional crônico: resposta prolongada a pressões, aproximando-se de um quadro de esgotamento profissional.
  • Ambiente hostil ou violento: situações de bullying e exclusão silenciosa.
  • Desconexão institucional: sensação de que a escola não se preocupa com o bem-estar de seus membros.

Dores distintas, sofrimento compartilhado: estudantes e educadores

O estudo, que dedicou uma parte à percepção dos estudantes e outra aos educadores, revela um adoecimento coletivo, ainda que com especificidades para cada grupo.

Para os estudantes:

  • 64% dos alunos relatam sentir-se “constantemente sobrecarregados, cansados e desgastados pela escola” em níveis que afetam sua saúde mental.
  • 24% dos estudantes não se sentem pertencentes a nenhum grupo na escola, e a maioria não percebe apoio ou preocupação dos colegas com seus sentimentos.
  • O índice de saúde psicológica despenca de 80 pontos nos anos iniciais para 64 pontos no ensino médio, indicando um adoecimento progressivo ao longo da vida escolar.
  • Os anos finais do ensino fundamental (8º e 9º anos) são a fase mais crítica, com o índice de convivência escolar caindo para 46 pontos, configurando um ambiente percebido como violento e hostil. A pesquisa identificou a naturalização do bullying (intimidação sistemática) e da exclusão silenciosa.
  • Mais da metade dos estudantes, 57%, não acredita que a escola ou os professores se preocupem com seu bem-estar, e apenas 22% se sentem plenamente reconhecidos e acolhidos.
  • O cansaço (43% a 48%) e a ansiedade (que supera sentimentos positivos no ensino médio) são os sentimentos mais prevalentes.

Para os educadores:

  • 75% dos educadores indicam que o ambiente escolar prejudica sua saúde mental.
  • O mesmo percentual relata sentir-se “constantemente desgastados pelo trabalho” em níveis que comprometem sua saúde mental, aproximando-se de um quadro de burnout (termo em inglês relacionado ao esgotamento mental e físico pelo trabalho).
  • Um paradoxo emerge: embora 91% dos educadores associem a profissão à felicidade e 90% relatem conexões profundas com colegas de trabalho, isso coexiste com altos níveis de desgaste. Essas conexões entre pares funcionam como fator de proteção, mas “não substituem políticas institucionais de cuidado”.
  • A pesquisa também evidencia uma “normalização da exaustão” na docência, onde o autocuidado se torna uma estratégia de sobrevivência, e não uma política institucionalizada de bem-estar.

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Recomendações: escola que cuida e escuta

O estudo não se limita ao diagnóstico, mas propõe caminhos para a ação. A principal mensagem é que o cuidado precisa deixar de ser responsabilidade individual para se tornar política institucional.

As recomendações são divididas em cinco frentes:

  1. Repertório emocional como currículo oculto:
    • Inserir atividades regulares de educação socioemocional no currículo, articuladas com diversas áreas do conhecimento.
    • Utilizar metodologias como rodas de conversa e diários reflexivos.
    • Formar docentes para identificar e mediar conflitos com abordagem empática.
  2. Escola como espaço de relações e pertencimento:
    • Criar estruturas permanentes de participação estudantil (conselhos de alunos, assembleias).
    • Promover ações institucionais que reforcem vínculos e reconhecimento.
    • Garantir representatividade estudantil em decisões pedagógicas e disciplinares.
  3. Gestão escolar com escuta institucionalizada:
    • Implantar uma agenda permanente de escutas com professores, alunos e famílias (questionários, grupos focais).
    • Desenvolver políticas de devolutiva transparente e publicização dos resultados, com planos de ação compartilhados.
    • Formar gestores para conduzir conversas difíceis com ética e sensibilidade.
  4. Cuidado sistêmico: educadores que cuidam também precisam ser cuidados:
    • Criar políticas institucionais de cuidado docente: pausas programadas, redução de carga horária e apoio psicológico.
    • Criar espaços de escuta e acolhimento entre pares: círculos de cuidado docente e mentorias.
    • Integrar indicadores de bem-estar docente nos processos de avaliação institucional.
  5. Revisões estruturais da lógica escolar:
    • Formação para educadores em práticas não-coercitivas e novas estratégias de engajamento (aprendizagem baseada em projetos, sala de aula invertida).
    • Investir na construção de significado e no diálogo aberto sobre o processo educacional entre estudantes e professores.
    • Revisar sistemas de avaliação, tornando-os mais justos e coerentes.

A pesquisa conclui com um chamado urgente à transformação: “Não podemos mais normalizar o sofrimento como parte do aprendizado. Precisamos reencantar a escola como espaço de convivência, escuta e pertencimento”.

O estudo funciona como um “convite à ação”, esperando que gestores, educadores, famílias e instituições construam escolas que não apenas ensinem, mas que também cuidem, escutem e reconheçam a integralidade de todos os que nelas convivem.


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socioemocionais

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