Trançando histórias e cabelos, professora valoriza ancestralidade de estudantes  - PORVIR
Crédito: Cleide da Silva Magesk

Diário de Inovações

Trançando histórias e cabelos, professora valoriza ancestralidade de estudantes 

Após oficinas, pesquisas e rodas de conversa, jovens de Duque de Caxias (RJ) produzem documentário sobre o uso e o trabalho com tranças

por Cleide da Silva Magesk ilustração relógio 26 de julho de 2023

Entrar em uma sala de aula em que a maioria das meninas usava tranças africanas, assim como eu – mulher negra e professora – foi uma surpresa inexplicável. No CIEP 097 Carlos Chagas / Intercultural Brasil-China, em Duque de Caxias (RJ), senti na pele a sensação de reconhecer-me no outro. Percebi que essa empatia era mútua, pois as alunas também conseguiam se reconhecer em mim. Desse lugar, nasceu o projeto Trançando Histórias, que tem como mote a prática milenar de trançar os cabelos.

Com essa proposta, vislumbrei uma oportunidade de trabalhar com a minha turma a pesquisa, valorização da identidade e ancestralidade, atendendo à lei 10.639 (baixe infográfico do Porvir), que torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares.

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O Trançando Histórias foi planejado para ultrapassar os muros da escola. Por isso, desenvolvi todo o planejamento junto aos meus alunos, ouvindo as propostas e sugestões deles. Foi nesse momento que decidimos criar um documentário no qual o uso e o trabalho com as tranças seriam destacados de forma positiva.

Para chegar a essa ideia de produto, tracei um plano de aula com muitas atividades para ampliar o conhecimento da turma em relação às várias histórias sobre o uso das tranças. Era preciso formar um repertório cultural, por meio de atividades de leitura, interpretação e roda de conversa, pois havia alunos que nada sabiam sobre tranças africanas. As atividades teóricas seriam fundamentais para o êxito nas demais etapas.

Após as aulas em que trabalhamos textos diversos (literatura, artigo de revista e letra de música), propus a produção de podcasts. Levei para a sala de aula alguns exemplos de formatos, como entrevistas, bate-papos e monólogos, para que eles escolhessem. A partir daí, gravamos episódios com falas sobre o trabalho com as tranças e as histórias coletivas que envolvem as tranças afro. Para incentivá-los, postei cada episódio no Spotify (clique no play para ouvir).

Inicialmente, essa atividade foi desafiadora, pois não tínhamos recursos para desenvolvê-la. Como alternativa, sugeri que usassem o gravador do celular para captar o áudio. Fiquei surpreendida com o comprometimento da turma para a execução da tarefa e com a qualidade do que foi produzido apenas com o auxílio do celular. Naquele bimestre, os podcasts fizeram parte da avaliação.

O próximo passo foi a oficina de tranças que realizamos na escola. O primeiro objetivo era possibilitar aos alunos que sabiam trançar a experiência de repassar saberes adquiridos em casa com suas mães, avós e tias. O segundo objetivo era proporcionar a uma de nossas alunas a experiência de colocar tranças pela primeira vez, algo singular em minha vida de professora.

Para potencializar os principais objetivos do projeto, que são a valorização da negritude, a afirmação da identidade negra e a memória ancestral, realizei junto aos alunos uma oficina de bonecas africanas utilizando jornal. Além de trabalhar a estética negra na construção identitária, elas também proporcionaram, mais uma vez, o contato com o trançar e o compartilhamento de conhecimento entre os alunos.

Com a feitura das bonecas africanas, a proposta era desenvolver habilidades socioemocionais em que os alunos tinham que lidar, por exemplo, com suas limitações, empatia, consciência social e autoconhecimento. Nessa etapa do projeto, também os avaliei, tanto individualmente quanto coletivamente, incentivando a colaboração, a estética e o compromisso com o trabalho desenvolvido.

Enquanto as atividades eram realizadas na escola, os alunos também faziam as gravações das entrevistas que iriam compor nosso documentário. Nesse projeto, entrevistamos mães, amigas, as próprias alunas ou mulheres que sustentam suas famílias com o trabalho direto com as tranças (clique aqui para assistir ao documentário).

▶️ Assista ao documentário do projeto “Trançando Histórias”

Cada uma dessas atividades, aqui descritas, foi pensada para conduzir meus alunos a ampliar o conhecimento sobre as questões debatidas e já explicadas ao longo deste relato. A adesão às atividades propostas foi muito boa. Creio que parte dessa adesão tenha sido pelo fato de toda estrutura pensada para este projeto ter sido articulada a partir de algo real, onde cada aluno pode acrescentar suas próprias memórias.

Eu uso tranças há muitos anos, porém pensar nelas a partir de um projeto de pesquisa foi importante e renovador para minhas práticas futuras. Há urgência em levar o cotidiano para dentro da sala de aula e ensinar os alunos a pensarem a partir dele.

O Trançando Histórias é um projeto que pode ser desenvolvido em qualquer escola, visto que as atividades foram pensadas para promover a criatividade, a colaboração entre os alunos e, ao mesmo tempo, despertar o sentimento de pertença. Até hoje, os alunos e a direção sentem orgulho pelo desenvolvimento dessa prática, e sou grata por isso.


Cleide da Silva Magesk

Professora da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Formada em Letras/Literaturas - UFRJ, especialização em Literatura Africana, Literatura Infantil e Empreendedorismo. Fazer pedagógico voltado para projetos. 

TAGS

educação antirracista, ensino médio, Prêmio Professor Porvir, socioemocionais

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