O aluno manda vários sinais antes da evasão
Plataforma Gesta discute causas, contexto e consequências, além de apresentar programas que atacam o abandono escolar de jovens com idade para estar no ensino médio
por Vinícius de Oliveira 17 de novembro de 2017
Encontrar a solução para o problema que faz com que 3 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 17 anos estejam fora da escola exige a cooperação dos mais diversos setores da sociedade. É isso que busca mostrar o estudo “Políticas Públicas para a Redução do Abandono e da Evasão Escolar de Jovens”, conduzido pelo economista Ricardo Paes de Barros e resultado da parceria entre Instituto Unibanco, Instituto Ayrton Senna, Insper e Fundação Brava, que recentemente ganhou uma plataforma que reúne causas, custos e consequências para o abandono escolar.
Com vídeos e infográficos interativos, o site apresenta o que está sendo feito em 245 programas (135 nacionais e 110 internacionais) para combater 14 fatores de desengajamento, tais como trabalho, pobreza, gravidez precoce, violência, problemas emocionais, clima escolar, entre outros. “Como são várias as razões envolvidas, é necessário ter programas específicos porque a solução é muito diferente”, diz Marina Gattás, coordenadora de projetos da Fundação Brava.
Ao clicar em cada um desses fatores, o usuário conhece como eles estão relacionados à educação, as possíveis soluções e o contato das organizações que já atacam suas causas. “Nos workshops que realizamos com as secretarias estaduais, percebemos que eles gostam muito de trocar práticas. Daí o esforço de colocar tudo isso no site, resumindo uma parte da pesquisa que no documento equivale à metade das 210 páginas”, diz Marina.
Por fim, o site detalha como seria a agenda ideal para o ensino médio e lista os 12 aspectos fundamentais que toda política pública deve atender. Segundo Paes de Barros, ao se depararem com tantos problemas, gestores se veem distantes de uma solução, porque o trabalho vai muito além do que uma secretaria de educação pode fazer e demanda iniciativas fora da escola. “Tem um pouco de (efeito) paralisante nisso. Será que se eu fizer alguma coisa já adianta? Eu preciso fazer tudo? E isso não é claro. É tudo tão integrado, existe tanta sinergia que se ele fizer apenas uma medida, não vai resolver o problema”. Entretanto, ele ressalta na entrevista abaixo que evasão não é uma lâmpada que queima de uma hora para outra. “O aluno manda vários sinais de que está descontente. A ideia é que todas escolas devem ter um sistema para monitorar isso”. Para conhecer mais sobre o tema, leia a entrevista abaixo e visite a plataforma Gesta.
Porvir – Existe um caminho mais apropriado para evitar a evasão ou é necessário um esforço conjunto das mais diversas áreas para que isso não aconteça?
Ricardo Paes de Barros – A primeira coisa é entender a gravidade do problema. Um aluno evadir da escola não é um problema menor, algo que se não for evitado, tudo bem. É uma coisa que tem que ser evitada porque seu custo é astronômico. Vai depender da conta que você faça, mas a cada geração isso tem um peso para o Brasil de R$ 200 bilhões. É inacreditavelmente caro e tem múltiplas causas. Uma escola perde um aluno por uma razão, enquanto outra escola por razão completamente diferente, e um mesmo aluno pode ter múltiplas razões para sair da escola. Ele pode não entender nada por ter um déficit de aprendizagem, mas também pode pensar que, mesmo se entender, não vai saber para que o conteúdo serve.
O problema da evasão é que o aluno pode dizer que vai sair porque se desentendeu com o professor e, mesmo depois de um esclarecimento, ele evade por outra razão. Depois, você ainda pode oferecer aula de reforço e ainda assim o aluno ir embora porque ele acha que não serve para nada. É uma luta pela vida. A política de cada escola precisa ser multidimensional e tem que envolver coordenação intersetorial porque muitas vezes a solução está fora da escola. Não adianta achar que a escola vai resolver 100% dos problemas porque às vezes ela faz um trabalho incrível e um problema externo a ela acaba afastando o estudante: uma menina grávida que se sente bem na escola e não encontra uma creche para colocar o filho, por exemplo.
Porvir – Como secretários reagem? Eles provavelmente já sabiam desses múltiplos motivos, mas o que disseram quando viram os 14 fatores que toda proposta de ensino médio deve atentar?
Paes de Barros – Por um lado foi um ‘vocês não estão dizendo nada que eu já não saiba’, por outro ‘vamos combinar que do jeito que vocês estão mostrando eu não vou conseguir resolver porque está além do meu alcance. O problema é gigante, eu vou continuar tentando, mas vejo que não vou conseguir’. Acho que falta uma abordagem gradual, que não sei ainda se existe. Tem um pouco de (efeito) paralisante nisso. Será que se eu fizer alguma coisa já adianta? Eu preciso fazer tudo? E isso não é claro. É tudo tão integrado, existe tanta sinergia que se ele fizer apenas uma medida, não vai resolver o problema.
Uma coisa que a gente não enfatiza tanto é que a evasão não é uma lâmpada que queima. O aluno manda vários sinais de que está descontente. A ideia é que todas escolas devem ter um sistema para monitorar isso. Ser sensível e ter empatia suficiente para chegar perto desses alunos parece ser muito importante. Identificar precocemente o problema e tentar evitar a evasão parece ser uma regra universal que todos devem seguir. Quando não tem como evitar e não há espaços e instrumentos para ajudar um aluno que não se entende com uma recuperação, o que pode ser feito?
Porvir – Uma escola que se abre ao diálogo com o aluno e permite sua participação em todas as instâncias estaria mais protegida contra a evasão?
Paes de Barros – Isso é superimportante, mas fica no meio do caminho. Vai resolver alguns problemas, mas o estudante que tem um déficit grave de aprendizagem no ensino fundamental e entrou no médio sem ninguém dar bola para isso não vai ver vantagem em participar. Quando você vai de terno a uma festa hippie, o que vai dizer? Certamente que está no lugar errado. Para um aluno que entende o que o professor ensina e acha que as regras podem ser mais flexíveis, que é possível usar celular na aula e que tem um tremendo anseio de se tornar protagonista, a participação é tudo. Ele precisa disso para se sentir bem. Agora, ele pode dizer que seu currículo é ridículo, porque ele não quer fazer universidade e quer trabalhar com o pai. Ele não quer um caminho mais acadêmico e precisa de algo mais prático.
O problema não é tanto a participação, é a escola que não faz sentido. Se a escola não faz sentido, dar a participação não resolve. Você precisa eliminar o déficit de aprendizado do aluno para que ele possa participar e fazer uma escola que tenha sentido. Se o currículo é absurdo, a participação não vai resolver. Dependendo da doença, esse pode ser o remédio. Mas é o remédio para todas as doenças? Participar resolve tudo? Não necessariamente. Depende do poder da comunidade escolar para criar um programa para atender alunos com déficit e tornar a matemática menos abstrata, combinada com programação, com jogos. Se a escola tem esse poder de flexiblizar, a participação vai ser muito importante. Naquela que não pode mexer no currículo e nem tem instrumentos para responder às demandas dos alunos, a participação pode gerar explicitação de conflitos sem solução.
Porvir – Com uma evasão tão grande, possível dizer que a universalização do acesso é um mito, visto que ele nunca é pleno?
Paes de Barros – Não sei se é um mito. É uma coisa meio utópica o PNE (Plano Nacional de Educação) colocar meta 100% de jovens com 15 a 17 anos na escola. Não é impossível, mas vai demorar muito tempo para ser alcançada. Agora, cada jovem desse fora da escola representa um custo absurdo e deve ser feito todo esforço possível e imaginável para que isso não aconteça. Eu diria que a gente tem que ter metas mais realistas e também um plano muito sério que justifique alcançar 100% de imediato. É aquela coisa ‘tá bom, não vou pagar tudo o que eu devo. Mas não pagar é grave e eu tenho aqui um plano bem sério. É uma dívida muito grave, que tinha que ser paga instantaneamente, mas acho que temos que fazer um plano para reduzir a evasão progressivamente na mais alta velocidade que conseguirmos. É um problema muito grave, que não demanda só ajustar expectativas, mas bater no limite do que realmente é factível.