O que explica a falta de professores nas escolas brasileiras?
Para responder a questão, José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP e pesquisador da Fineduca faz uma estimativa da demanda de professores nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio
por José Marcelino de Rezende Pinto 15 de outubro de 2015
O problema da falta de professores, em especial nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio é tema recorrente na mídia e na pauta dos gestores públicos que planejam e executam as políticas educacionais. Afinal, para qualquer rede de ensino que olhemos, logo constatamos a ausência de professores habilitados. A questão que fica é: faltam professores formados (licenciados) em número suficiente, ou aqueles habilitados buscam outras atividades remuneradas em função da pequena atratividade da profissão?
Não faltam licenciados formados no Brasil para atender a demanda de professores. Para isso estimamos a demanda de professores nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, considerando a carga horária legal, as matrículas e a média de alunos por turma. Do ponto de vista da oferta, consideramos o total de licenciados que concluíram seus cursos de 1990 a 2010. Considerando que o tempo de aposentadoria para uma professora é de 25 anos e de um professor, 30 anos, consideramos que a estimativa de um intervalo de 20 anos, mostra o potencial disponível. Os dados são apresentados na tabela.
Comparação entre a demanda estimada de professores e concluintes (1990-2010) por componente curricular (x mil)
Componente Curricular | Demanda | Concluintes | Razão Concluintes/demanda |
---|---|---|---|
Língua portuguesa | 131,3 | 325 | 2,5 |
Língua estrangeira | 72,1 | 52 | 0,7 |
Matemática | 131,3 | 147 | 1,1 |
Biologia | 25,8 | 202 | 7,8 |
Ciências* | 92,6 | 46 | 0,5 |
Física | 25,8 | 18 | 0,7 |
Química | 25,8 | 31 | 1,2 |
Geografia | 72,1 | 117 | 1,6 |
História | 72,1 | 173 | 2,4 |
Ed. Física | 72,1 | 219 | 3 |
Ed. Artística | 72,1 | 72 | 1 |
Filosofia* | 12,9 | 15 | 1,2 |
Sociologia* | 12,9 | 24 | 1,9 |
Período 2000 a 2001 – Fontes: Os dados referentes a 1990 a 2001 foram obtidos no estudo do CNE (2007) e para o período seguinte, foram calculados pelo autor a partir da base do INEP
Os dados da tabela indicam apenas três áreas em que, aparentemente, há falta de potenciais professores: língua estrangeira, ciências, física. Diz-se aparentemente, pois no caso de línguas estrangeiras, cuja formação exigida é Licenciatura em Letras, área em que há um grande excedente de licenciados, o problema pode decorrer mais da forma como os dados estão sendo contabilizados, até porque o mais comum é o licenciado em Letras sair com habilitação em português e uma língua estrangeira.
No caso de Ciências, objetivamente não há falta, pois os licenciados em biologia (área com grande excedente de licenciados), assim como aqueles licenciados em química e em física podem lecionar esta disciplina. Historicamente, inclusive, a licenciatura em ciências era considerada uma licenciatura de qualidade inferior, o que pode estar mudando atualmente. Também historicamente, os licenciados em biologia, pelo seu maior número, representam a maioria dos professores de ciências. Resta então ainda o gargalo da física, que já melhorou, mas ainda está longe da quantidade ideal de concluintes.
Ora, o que os dados indicados apontam é que, longe do que se imagina, não há no Brasil, um problema generalizado de falta de professores formados aptos a lecionar em suas áreas de formação. O problema persiste apenas em Física. Contudo, quando olhamos a oferta de vagas em licenciatura, constatamos que só a rede pública teria condições de atender a demanda de professores, se todas as vagas fossem preenchidas e se todos os ingressantes concluíssem seu curso.
Então, mais do que estimular a criação de novas licenciaturas, em especial na rede privada de ensino ou pela via da EAD, o que cabe ao governo fazer é estimular o preenchimento de todas as vagas da rede pública, o que pode ser feito através de bolsas de estudo com valores atraentes (associadas ao compromisso de futuro exercício do magistério) e zelar para que boa parte dos ingressantes conclua seu curso com sucesso. Agora, nada disso adiantará se não houver uma melhoria na remuneração dos professores.
* Nota: este artigo é parte de um trabalho mais amplo que pode ser obtido no site da UFPR.
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José Marcelino de Rezende Pinto
Licenciado em física pela Universidade de São Paulo (1982), bacharel em direito pela Universidade de São Paulo (1985), com mestrado e doutorado em educação pela Universidade Estadual de Campinas (1989 e 1994). Atualmente é professor associado da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de política e gestão educacional com ênfase em financiamento da educação, municipalização do ensino, regime federativo e educação do campo.