Novas escolas privadas investem em educação por projetos e aulas em inglês
Interdisciplinaridade e cidadania global são as palavras de ordem nas escolas Avenues, Concept e Eleva
por Vinícius de Oliveira 10 de março de 2017
O foco total no vestibular parece não fazer mais sentido. É isso o que sugere a proposta de ensino de um grupo de novas escolas privadas do país. Eleva, Concept e a americana Avenues pretendem oferecer uma imersão na metodologia de projetos como alicerce para conectar conteúdos aos interesses dos alunos e, assim, formar cidadãos conscientes e preparados para enfrentar os problemas de sua comunidade sem perder de vista o que acontece no mundo.
Para dar conta desta missão, as três instituições seguem caminhos semelhantes: investimentos da ordem de centenas de milhões de reais, currículo de ensino fundamental e médio flexível para receber novas disciplinas, tecnologia presente em todos os ambientes para equipe gestora e alunos, inglês em sala de aula desde o início da trajetória escolar, avaliações para considerar o que as provas não enxergam e, para cumprir metas, professores recebem formação contínua.
No Rio de Janeiro (RJ), a Escola Eleva, do Grupo Eleva, começa suas atividades com 370 alunos, em período integral, no palacete localizado no bairro de Botafogo, na zona sul da cidade. Com exceção da turma do primeiro ano do ensino fundamental, todos os demais ingressantes tiveram que passar por um processo seletivo.
Na escola, que tem mensalidades a partir de R$ 3.900, os projetos se apoiam nos pilares de excelência acadêmica, cidadania global e desenvolvimento de habilidades. “A gente vai pegar o que existe de melhor no modelo tradicional e adicionar novos sabores com uma metodologia onde o aluno é o protagonista, que já passou do tempo de ser adotada em todas as escolas brasileiras”, diz o diretor Amaral Cunha, que também é professor de inglês, biologia, anatomia e teoria do conhecimento.
A estratégia é fazer com que as matérias regulares convivam com temas atuais com a entrada na grade de disciplinas eletivas, como a cidadania global. “Vamos adotar uma praça que fica em frente à escola e, desde os pequenininhos até os grandes, falaremos de empreendedorismo. Tem também a questão da economia, das artes, de como decorar a praça, de qual planta é melhor, quais existem na escola e na cidade em que a gente mora”, explica Amaral.
Para a Concept, que abre unidades em Salvador (BA) e Ribeirão Preto (SP) com mensalidades começando em R$ 3.800, a inspiração para desenhar a estrutura pedagógica veio de uma visita a escolas e representantes de governos em lugares como Los Angeles e Seattle (EUA), Helsinque (Finlândia), Frankfurt (Alemanha), Genebra e Lugano (Suíça), além de Singapura, país que liderou o último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Da série de entrevistas, Thamila Zaher, presidente e diretora-executiva do Grupo SEB, lembra uma em específico, com Marjo Kyllonen, secretária de educação de Helsinque, na Finlândia. “A Marjo disse que a educação tem que preparar o aluno para 20 anos a frente, e isso deu uma aproximação muito grande. Quando a gente foi até a Finlândia, olhar um país que está na proeminência do PISA, viu que eles fazem muito mais pela consequência do que pela causa”, afirma.
Com essas ideias trazidas na bagagem, a Concept coloca como eixos transversais o empreendedorismo, a sustentabilidade, a programação e a colaboração, sempre mediados pelo uso intenso de tecnologia. Para dar conta dessa tarefa, o formato de avaliação também mudou e deve ser constante. “A gente acredita que o feedback [retorno] e a proximidade faz muito mais sentido para a evolução do aluno. Serão várias avaliações diferentes para que se possa ter uma visão holística, com conteúdos, habilidades e competências, com comportamentos e atitudes, que hoje a gente precisa ajudá-lo a desenvolver para seu futuro, uma vez que no mercado de trabalho e na vida dele, ele não é só avaliado pela parte técnica”, ressalta.
A Avenues, que segue o calendário dos EUA e começa as aulas somente em agosto de 2018, para 2.100 alunos (a lista de interessados dispostos a pagar cerca de R$ 8.000 por mês já atingiu metade desse número) do berçário ao 10º ano, aposta na possibilidade de conectar a unidade de São Paulo a sua rede mundial de escolas localizadas em grandes metrópoles mundiais. “Em 10 anos, haverá 25 escolas Avenues em metrópoles ao redor do mundo. É por isso que escolhemos Nova York e São Paulo. Estamos trabalhando em Shangai e Shenzhen (China), Londres (Inglaterra), Vale do Silício e Miami (EUA) e Doha (Catar). Isso terá como resultado o primeiro sistema global de escolas, e não uma coleção de instituições diferentes”, afirma Alan Greenberg, cofundador da escola.
Para o executivo, estar em grandes cidades do mundo cria oportunidades, como conectar as escolas com ajuda da tecnologia para que estudantes e professores possam trabalhar com seus pares onde quer que eles estejam. Isso abre a possibilidade de alunos brasileiros terem apoio de especialistas de outros países ao desenvolver projetos como a escola de espiões (assista ao vídeo), em que alunos precisam desvendar a localização de dois criminosos enquanto aprendem, dentro de uma metodologia de aprendizagem baseada em problemas, conteúdos de artes, geografia, humanidades e matemática, com o apoio de profissionais da Interpol e do Departamento de Defesa dos EUA, que são convidados pela escola.
Aulas em inglês
Nas três escolas, a apresentação do inglês acontece cedo, e integrada aos demais conteúdos da matriz curricular. É um processo de transição semelhante ao que aconteceu com o uso de tecnologia: diferentemente do que acontecia no passado, agora as aulas não são mais para explicar o que é e como funciona o computador, mas para aprender outros conhecimentos.
Assim, as aulas de inglês nessas novas escolas são integradas e, quando se fala e interdisciplinaridade, o idioma também entra como ponto a ser desenvolvido no currículo escolhido pelo aluno ou, no caso da educação infantil, como uma chance de aproveitar o período mágico para aprender uma nova língua.
“Não é só adequado como recomendável. Ser bilíngue não é só falar inglês. É ter contato com outra cultura, respeitar e entender. É um contato diferente com a língua e usá-la a serviço de uma comunicação e de uma integração cultural”, diz Thamila Zaher, responsável pela Concept, que dedica 80% da carga horária da educação infantil é dedicada ao inglês. O número cai para 50% no ensino fundamental 1 e 40% no fundamental 2.
Na Avenues, o inglês é o idioma usado na educação infantil e também mais tarde, nas disciplinas de ciências e matemática. A Eleva, por sua vez, coloca o idioma a partir do 1º ano do ensino fundamental nas disciplinas de música, artes (que inclui também teatro), educação física, IPC – sigla para International Primary Curriculum, que inclui História, Geografia e cidadania global –, e no makerspace, o laboratório de criação e prototipagem rápida.
Formação continuada do professor
Para inovar na metodologia, é primordial apoiar o professor e as três escolas oferecem programas de formação e benefícios para que eles busquem se atualizar. No caso da Eleva, além do incentivo para que os profissionais acompanhem a aula de seus colegas em sala de aula e formem grupos de discussão, também é oferecida uma bolsa para que professores realizem cursos.
“Todos os nossos professores vão receber um valor X anual para investir em desenvolvimento profissional, em qualquer área que ele julgue que vá trazer melhora no ensino dele dentro da escola. Além disso, eu tenho outro valor interessante também para treinamento de tópicos que ache interessante para ir além do previsto no budget (orçamento) dele de desenvolvimento”, diz Amaral Cunha, diretor da escola.
Na Avenues, o calendário de aulas paralelo com o americano também deve facilitar o intercâmbio de profissionais. Inicialmente, cerca de 40% do corpo docente virá dos Estados Unidos, mas, no futuro, a mesma possibilidade será ofertada a brasileiros. No período de “aclimatação” da escola, a direção tem se preocupado em mudar a mentalidade do professores brasileiros para fazer com que eles sintam-se seguros em experimentar o novo. “Um dos grandes desafios que temos no Brasil é a forma de avaliação, porque o professor não pode pensar nela como um ponto final. Para isso, damos início a um processo de mentoria de dois anos”, diz Lyle French, diretor de ensino e aprendizagem da Avenues.
Uma vez dentro do quadro de profissionais da escola, o professor deve atender a determinadas metas, que podem ser monitoradas pela gestão, como em um livro de registro de ações que técnico de basquete faz sobre seu time, descreve French.
Inspirada no exemplo de Singapura, que tem um programa rígido para formação e avaliação docente, a Concept decidiu privilegiar o tempo destinado à capacitação profissional. “O ministro (Lee Sing Kong) nos disse que o professor é fator crítico de sucesso e a gente colocou isso em prática. Os nossos professores dedicam 1/4 do tempo deles (10 horas semanais) para formação continuada e planejamento. Eles precisam estar preparados para transformar esse novo aluno”, diz a executiva da escola.
Acompanhamento do aluno
Acompanhar os projetos e entender em que aspectos os alunos desejam se aperfeiçoar demanda uma mudança no perfil do professor, que passam a exercer o papel de tutor. A matriz de conteúdos existe, mas nem sempre o aluno deseja cumpri-la da mesma forma que o colega. O tutor pode ajudá-lo nessa tarefa.
Durante a primeira semana de cada trimestre, a Concept realiza um processo de ideação de projetos. Os mais novos escolhem os temas que integram um portfólio, enquanto os dos anos finais trazem suas próprias sugestões. A partir desse momento é decidido o currículo que o aluno deve cumprir.
Em outros casos como na Avenues, existe a figura do orientador, que é mais um integrante da equipe retaguarda do professor para apoiar apoiar o aluno e fazer a ponte de comunicação com os pais. No sexto ano, os alunos são apresentados a um orientador que irá acompanhá-los até o 9º ano. No 10º, os alunos são designados um novo orientador, com experiência em orientação universitária.