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Como Inovar

Coparticipação é a chave das escolas democráticas

Instituições apostam no modelo onde alunos são corresponsáveis pela gestão escolar e pelo conteúdo que vão estudar

por Patrícia Gomes ilustração relógio 26 de outubro de 2012

Em escola democrática é assim, todo mundo é responsável por tudo. Por isso, quando Nina, 6, passou saltitando e caiu, os meninos mais velhos correram para socorrê-la e a trouxeram carregada. Também por isso, na hora de decidir como seria o acantonamento, dia em que os alunos trariam seus colchonetes para passar a noite na escola, todos eles, os pequenos de 6 a 9 anos, e os grandes, de 12 a 14, se reuniram em assembleia para decidir que atividades fariam, quantas pizzas seriam necessárias, que filme assistiriam na sessão de cinema. Valeu o voto da maioria.

Essas situações ocorreram na Politeia, escola localizada na zona oeste paulistana e adepta da educação democrática. Mas ela não está sozinha na aposta em um ensino que valoriza a coparticipação de alunos e educadores na decisão de assuntos da escola, na relação próxima com a comunidade e no aprendizado construído a partir dos interesses das crianças. O modelo, que teve seu primeiro exemplo ainda em 1852 com a escola Iaslaia Poliana, do russo Liev Tolstoi, vem ganhando mais força nos últimos anos. “Sem dúvida nenhuma, as escolas democráticas são uma tendência”, diz Helena Singer, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz e autora do livro República das Crianças.

E essa tendência, explica Helena, ocorre porque as abordagens propostas pelo modelo tradicional não estão dando conta das necessidades contemporâneas, ao passo que as escolas democráticas têm se mostrado uma alternativa válida nesse quesito. “As dinâmicas de trabalho em equipe e de realização de projetos segundo os interesses dos alunos estão no DNA dessas escolas. É isso que o mercado e a vida real requerem.” Apesar de cada instituição ter sua fórmula, a especialista aponta dois pontos que costumam estar presentes em todas elas: as assembleias, para decisão coletiva de assuntos de interesse comum dos estudantes, e a liberdade curricular, que permite que os alunos sejam mais autônomos naquilo a que vão se dedicar.

Nas assembleias, a escola se reúne – alunos, professores e demais educadores – para colocar em pauta questões comuns, resolver conflitos em uma espécie de tribunais informais com poder até de definir punições, ditar as regras do lugar e analisar as exceções a elas. “Se eu quiser propor que eu não deva enfrentar fila para almoçar, eu posso. Aliás, eu fiz isso”, diz o engenheiro Augusto Cognotti, que acaba de voltar da experiência de ter sido professor de ciências na britânica Summerhill. A instituição, que aos 91 anos usa o mote de ser “a democracia infantil mais antiga do mundo em funcionamento”, é um internato.

Os alunos assumem a responsabilidade de conduzir o aprendizado – que pode ser uma pesquisa sobre um tema ou o desenvolvimento de um produto. Os professores dão orientações e tentam aproximar os projetos dos conteúdos que lhes cabe

Lá, professores e alunos vivem em comunidade e, claro, enfrentam a mesma fila na hora do almoço. Augusto conta ter proposto que, em determinado dia da semana, ele pudesse furar fila porque terminava tarde a última aula da manhã e começava cedo a primeira da tarde. Os alunos ouviram, acharam justo e, daquela assembleia em diante, ele não precisou mais enfrentar a fila em um dia específico da semana. Como o professor brasileiro, qualquer aluno pode colocar em pauta o direito de infringir alguma lei, desde que tenha um bom motivo para isso. “Quando os alunos percebem que têm o direito de propor, eles ficam maravilhados”, afirma Augusto.

Quanto à liberdade curricular, também não há um modelo único, até porque as legislações locais podem ser mais ou menos permissivas. Mas, no geral, as escolas apostam no aprendizado por projetos ou nas chamadas “trilhas educativas”. Nos dois casos, os alunos assumem a responsabilidade de conduzir seu aprendizado – que pode ser uma pesquisa sobre um tema ou o desenvolvimento de um produto. Os professores das diferentes disciplinas dão orientações e tentam aproximar os projetos dos conteúdos que lhes cabe.

Osvaldo de Souza, gestor da Politeia, diz que a preocupação é dar aos alunos condições de, autonomamente, ir atrás do próprio aprendizado. “Nós ajudamos as crianças a desenvolverem habilidades de pesquisa para que as crianças saibam lidar com as informações do mundo”, diz ele. Se, por acaso, algum assunto for trabalhado superficialmente e esse conhecimento for cobrado do aluno no futuro, Osvaldo está convicto de que ele terá segurança para saber onde encontrá-lo.

Em alguns casos, as escolas fazem grupos multissérie, também orientados pelo interesse. Neles, alunos mais velhos e mais novos interagem, aprendem empaticamente uns com os outros. Esse modelo, adotado pela Politeia, se baseia na Escola da Ponte, inciativa portuguesa que inspirou muita gente por aqui. Só em São Paulo, exemplos de escolas que compartilham a ideologia são a Lumiar, a Teia Multicultural, o Projeto Âncora, o Cieja Campo Limpo e as municipais Presidente Campos Salles e Desembargador Amorim Lima.

Internacionalmente, não há uma contagem oficial de quantas escolas democráticas existem no mundo – até porque não há um modelo único. Mas especialistas acreditam que sejam cerca de 500.


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autonomia, educação democrática, educação integral, escola da ponte, escolas inovadoras

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