Game finlandês decodifica leitura pelo mundo
Graphogame, que já teve 300 mil usuários, ajuda crianças com dificuldade de aprendizado ou em situação social vulnerável
por Patrícia Gomes 28 de outubro de 2013
Por uma série de razões, que vão de dificuldades sérias de cognição ou um ambiente pouco propício ao aprendizado, muitas crianças ficam presas a um mundo sem legendas, em que as letras, juntas ou separadas, não fazem o menor sentido. São estudantes que, simplesmente, não conseguem aprender a ler e acabam não conseguindo acompanhar seus pares ao longo da vida escolar. Para ajudar esse percentual de alunos, estimado em mais de 10% da população, a se alfabetizar plenamente, um grupo finlandês desenvolveu o Graphogame, um jogo que vem sendo aplicado em 20 países de todo o mundo. Uma versão do game em “português-brasileiro” já está em processo de desenvolvimento em parceria com especialistas daqui.
“Se tivéssemos que apontar apenas uma coisa como algo importante para a humanidade, nós apontaríamos a habilidade de ler. Sem ela, nenhuma democracia pode ser imaginada. Sem a leitura, não há esperança de se viver um mundo pacífico”, diz Heikki Lyytinen, um dos responsáveis pela pesquisa do Graphogame. O professor de psicologia da Universidade de Jyväskylä estará nesta quinta-feira em São Paulo para discutir como estimular professores a ver a tecnologia como uma forma de oferecer um melhor ensino durante o Bett Latin America Leadership Summit.
Lançada em 2011, a iniciativa já chegou a mais de 300 mil pessoas, entre alunos, professores e famílias envolvidas com o uso da tecnologia. Em uma das fases do game, as crianças precisam fazer associações entre o som do nome de objetos que caem do céu e suas respectivas letras. Essas associações vão ficando gradualmente mais difíceis até que a criança, sem perceber, já se mostra capaz de formar sílabas e palavras. Cada lição dura, no máximo, 12 minutos e os idealizadores recomendam que as crianças façam até cinco sessões ao longo do dia. O diferencial deste game para outros que também ajudam na fase de alfabetização é que essa ferramenta é capaz de entender o grau de desenvolvimento de cada usuário e adaptar as próximas fases do jogo as necessidades de cada um.
O jogo vem sendo usado para ajudar tanto crianças com dificuldades de aprendizagem, como as que são diagnosticadas com dislexia e discalculia, quanto crianças que vivem em condições socioeconômicas difíceis. O próximo grande projeto da equipe do Graphogame, por exemplo, é levar o jogo em tablets a escolas na Zâmbia. Apesar de a língua oficial do país africano ser o inglês, dezenas de outros dialetos são falados em seu território. De acordo com Lyytinen, o game pode ajudar não só os alunos, mas também os professores de primeiro ano a aprender as línguas locais e estabelecer uma comunicação efetiva com as crianças. Na Finlândia, que se destaca nas provas internacionais como o melhor sistema de ensino do mundo, o Ministério da Educação adota o game e treina professores para utilizá-lo.
Ainda segundo o pesquisador finlandês, apesar de ser uma iniciativa mais recente, o game foi desenvolvido a partir de um processo que começou há 10 anos. Na época, outros acadêmicos chegaram à conclusão de que o quanto antes crianças com dificuldades de leitura recebessem uma atenção individual e adequada melhor seria para seu desenvolvimento futuro. O jogo foi então desenhado para dialogar com o desenvolvimento neurológico das crianças e também com os pré-requisitos de aprendizagem e com a cultura local. “Os sistemas de escrita, os hábitos culturais locais e os currículos são levados muito seriamente em consideração. O Graphogame pode ajudar não só no desenvolvimento de habilidades básicas relacionadas à leitura, mas também na sua fluência e ainda na compreensão de frases e textos mais longos”, afirma Lyytinen.