Países devem rever seus currículos, diz Arun Gandhi - PORVIR

Inovações em Educação

Países devem rever seus currículos, diz Arun Gandhi

Neto de pacifista indiano usa instituto para ensinar jovens a construir relações respeitosas com pessoas e filosofias

por Patrícia Gomes ilustração relógio 13 de julho de 2012

Muito dificilmente alguém que tenha convivido com Mahatma Gandhi passou impunemente por essa experiência. Que o diga Arun Gandhi, que é o quinto neto do pacifista indiano e viveu parte da infância com o avô na África do Sul do apartheid. Hoje com 78 anos, Arun mantém na lembrança os traumas de um regime que o discriminava por sua cor de pele – para os brancos, ele era negro; para os negros, ele era branco – mas fez disso um motivo para colocar os ensinamentos do avô e dos pais em prática.

Como o avô, morto em 1948 enquanto lutava pela paz, Arun também dedicou a vida a promover os princípios da não violência. Depois de se casar, foi obrigado a sair da África do Sul. Mudou-se para a Índia, onde viveu por 30 anos como jornalista do Times of India, período no qual ele e a mulher, Sunanda, se dedicaram a ajudar crianças que viviam em condições degradantes. Já vivendo nos EUA, em 2008, um ano depois da morte de Sunanda, Arun lançou o Gandhi Worldwide Education Institute, uma instituição que pretende, pela educação, resgatar crianças da extrema pobreza, servindo tanto de abrigo quanto de escola para elas.

crédito Júlio Vilela / Divulgação

No instituto, Arun se preocupa em dar a essas crianças o acesso a uma educação holística, com base no aprendizado informal e na contribuição das experiências das famílias. “As pessoas acham que a educação começa e termina na escola. A própria vida é uma escola e, cada dia, cada pessoa que a gente conhece ou cada experiência que a gente tem é um aprendizado”.

Apesar de não ser novo, o princípio da educação para a paz, no qual o instituto se baseia e que tanto foi defendido por seu avô, ainda é atual e inovador, diz o pacifista. “Sua vida e sua filosofia são inovadoras porque a gente ainda não as aprendeu direito”, afirmou. Em entrevista exclusiva ao Porvir, Arun contou que, nos sistemas educacionais que tem visto pelo mundo, poucas são as escolas que oferecem a educação para a paz. “Precisamos ensinar as pessoas a terem respeito, compaixão, serem compreensivas e capazes de valorizar a diversidade de raças e filosofias.”

Arun, que esteve no Brasil no fim de junho, diz ter ficado impressionado com o interesse do cidadão comum em discutir a importância desse olhar na educação, mas não livrou o sistema brasileiro e o dos outros países de críticas. “Todos os países precisam rever suas políticas educacionais e seus currículos”, afirmou.

Confira, a seguir, trechos da entrevista.

O que está sendo feito de inovador e em educação para a paz no mundo?

As pessoas acham que a educação começa e termina na escola. Assim, elas acham que quando você pega seu diploma, a educação termina. A própria vida é uma escola e, cada dia, cada pessoa que a gente conhece ou cada experiência que a gente tem é um aprendizado

O que eu tenho visto nos programas educacionais de alguns países, como o dos Estados Unidos, Índia, África do Sul e outros é que apenas poucas escolas privadas oferecem o tipo de educação para a paz defendida por Mahatma Gandhi. De acordo com o meu avô, a educação precisa ser baseada em valores e, para tanto, precisamos ensinar as pessoas a terem respeito, compaixão, serem compreensivas e capazes de valorizar a diversidade de raças e filosofias.

Há também diversidade nos âmbitos econômico, social e político, e todas elas criam mais conflito do que compreensão. Se a gente vive em uma sociedade que acredita e promove a cultura da violência, então a paz é impossível. Se nós nadamos em um tanque de gasolina, devemos estar preparados para morrer.

A educação hoje está fortemente ligada com as demandas industriais e, por isso, a ênfase do ensino está em oferecer aos jovens uma carreira para que eles consigam ganhar dinheiro e prover os serviços que a sociedade pede. Eu não sou contra isso, mas é igualmente importante que os jovens aprendam a construir relações respeitosas com pessoas e filosofias, e a gente precisa sentir a dor dos que vivem na pobreza e na destruição.

O que o Brasil pode fazer para inovar em educação e na educação para a paz? 

Todos os países precisam rever suas políticas educacionais e seus currículos. Eu fiquei muito impressionado com o Brasil. Primeiro, porque alguns políticos perceberam que é preciso mudar. Por isso, eles organizaram um evento em Salvador para discutir formas para se chegar a isso. Eu também fiquei surpreso com o número de pessoas comuns interessadas no assunto e que participaram do congresso. Quando a gente tenta organizar conferências parecidas nos Estados Unidos e na Índia, dificilmente conseguimos reunir 200 pessoas e fazer os políticos aparecerem.

O que você quer dizer quando fala que é importante acreditar na educação informal?

As pessoas acham que a educação começa e termina na escola. Assim, elas acham que quando você pega seu diploma, a educação termina. A própria vida é uma escola e, cada dia, cada pessoa que a gente conhece ou cada experiência que a gente tem é um aprendizado. Mas se fecharmos as nossas mentes depois de sair da escola, não vamos aprender das experiências da vida. O conhecimento vem dos livros, a sabedoria vem da vida.

O que você tem feito nos seus institutos que você considera inovador? 

“Sua vida [Mahatma Gandhi] e sua filosofia são inovadoras porque a gente ainda não as aprendeu direito”

O Instituto M. K. Gandhi para a Não Violência [também criado por Arun, em 1991] nasceu para educar as pessoas segundo a filosofia da não violência. Pessoas de todo o mundo acreditam que a não violência é o fim de uma guerra ou o fim de uma briga. O que o instituto vem fazendo é contar para as pessoas que a gente comete violência de formas diferentes – jeitos não físicos, por discriminação, ódio, preconceito, excesso de consumo e mostrando falta de compaixão para com aqueles que vivem na pobreza.  Por exemplo, para manter o padrão de vida de uma pessoa rica,  em qualquer país, é preciso mais de 80% dos recursos do mundo. Isso significa que um número muito grande de pessoas nunca poderá usufruir do estilo de vida que muitas pessoas têm. Isso também é violência. Há centenas de maneiras de se cometer violência não-física e só quando entendemos o que estamos fazendo é que conseguimos fazer alguma coisa para mudar. E é apenas por essa mudança que a gente pode trazer paz e compreensão para o mundo.

O Gandhi Worldwide Education Institute é mais um que vai tirar crianças da pobreza e vai lhes dar uma educação holística, para que elas possam aspirar a quebra do ciclo da pobreza. É um instituto que coloca “a mão na massa”.

Por que você decidiu criar um instituto para educar pessoas pobres? 

Porque os meus avós e meus pais me ensinaram o valor da compaixão. Eles me ensinaram que eu não devo ser ganancioso e egoísta, mas aprender a dividir talento e riqueza para ajudar os pobres a terem um melhor padrão de vida. Meu avô dizia: “A melhor forma de oração é servir aos pobres. Orar não é ir a um templo, a uma igreja, a uma mesquita e ler os livros sagrados. É permitir que o que esses livros sagrados dizem faça parte da sua vida. Deus não vai ficar feliz se ‘ela’ ouvir que eu passei minha vida gastando milhões de dólares, mas ‘ela’ vai ficar feliz se perceber que eu gastei meus dias ajudando milhões de pessoas a ter uma vida decente”.

O que ainda é inovador nas ideias de Gandhi?

Sua vida e sua filosofia são inovadoras porque a gente ainda não as aprendeu direito. Precisamos olhar para a sua vida e para a sua filosofia, não do ponto de vista dogmático, mas do ponto de vista prático. Ele sempre disse que a verdade é inconsistente. O que aparentemente é uma verdade hoje não será amanhã. Assim como os homens, a filosofia só será pulsante se estiver viva e mudando.


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