Impacto da educação integral é medido por novo centro de estudos
Insper lança o Centro de Evidências da Educação Integral para sistematizar e produzir conhecimentos sobre as experiências brasileiras
por Vinícius de Oliveira 15 de julho de 2022
Educação integral é possível e o Brasil já sabe que a abordagem traz resultados tanto para o estudante quanto para a sociedade. Mas como torná-los ainda mais evidentes para os tomadores de decisão? O Insper, instituição de ensino superior, com apoio do Instituto Sonho Grande e do Instituto Natura, lançou na última quinta-feira (7) o Centro de Evidências da Educação Integral, que busca sistematizar e produzir conhecimento sobre o impacto do ensino integral para a sociedade a partir de experiências do Brasil e internacionais.
Atualmente, o ensino integral está presente em uma em cada cinco escolas públicas de ensino médio do país. Marcos Lisboa, presidente do Insper, lembrou que se trata de mais um daqueles processos em que o país se encontra atrasado: “Isso é uma prática comum nos países arrumados, nos países emergentes, há muito tempo. A boa notícia é que começou a andar essa agenda”.
Sempre reforçando o poder das evidências científicas para a tomada de decisão em políticas públicas, o presidente do Insper criticou a forma com que a sociedade lidou com a ciência. Isso teve um custo social muito alto, algo que não pode se repetir com a educação. “Uma imensa parte da sociedade está distante do que é ciência. Mesmo pessoas que ficaram indignadas com as posturas de alguns contra vacina ou defendendo tratamentos sem um mínimo protocolo de ciência”, disse.
“E outros aspectos da política pública defendem temas com a mesma escassez de evidências científicas, o que é surpreendente Criticaram muito mais o uso da cloroquina pela política do que pela falta de ciência”, comparou o presidente do Insper. “A ciência é a maneira que temos de desconfiar de nós mesmos e cair menos nos discursos delirantes e cuidar mais do aprendizado dos alunos”.
David Saad, presidente do Instituto Natura, afirmou que a nova iniciativa surge para convencer não apenas os tomadores de decisão, mas a população em geral sobre a necessidade de continuidade de políticas públicas a partir de evidências. “É preciso mostrar os benefícios dessa política para que a sociedade a queira e ela não seja interrompida”.
Ao mencionar que atualmente quase 22% das escolas de ensino médio já ofertam ensino integral, Ana Paula Pereira, diretora do Instituto Sonho Grande, também fez a ressalva de que, para cumprir a meta 6 do PNE (Plano Nacional de Educação), o país corre contra o tempo. Pelo documento, é previsto um mínimo de 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% de estudantes da educação básica.
Os benefícios, segundo ela, já são perceptíveis por todos os envolvidos. “Maior nível de aprendizado quando a gente olha para resultados de Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), para resultados de avaliações estaduais e outras avaliações Brasil afora”. E quem aprende mais, vê uma escola que faz sentido e não abandona os estudos. No longo prazo, a política também se mostra benéfica. “A gente já conseguiu encontrar evidências da educação integral, gerando maior chance de entrar no ensino superior, maior renda, empregabilidade em profissões que requerem maior qualificação e redução de índices de desigualdade do ponto de vista salarial entre negros e brancos”.
Primeira publicação
O lançamento da nova organização também foi marcado pela divulgação de um livreto que sistematiza 200 trabalhos científicos nacionais e internacionais sobre a abordagem educacional.
Pelo lado econômico, o material traz duas conclusões, sendo a primeira relacionada à geração de renda para a sociedade como um todo. “Para cada jovem que tenha acesso a uma educação média integral, ela (geração de renda para a sociedade) será de R$ 145 mil. Na medida em que o custo de assegurar educação integral a esse jovem é de R$ 24 mil, chega-se à conclusão de que o benefício social da educação integral é 6 vezes o seu custo”, diz o texto.
Uma segunda reflexão diz respeito à estimativa de remuneração recebida ao longo de toda vida produtiva de um jovem estudante que tenha acesso ao ensino médio integral. Ela será R$ 64 mil a mais em relação ao que ele receberia caso não tivesse tido acesso à educação integral. “Na medida em que o custo dessa educação integral é de R$ 24 mil, chega-se à conclusão de que o benefício privado da educação integral (isto é, para o jovem que teve acesso a ela) é 2,7 vezes o seu custo.”
Educação integral como direito
Para além dos ganhos econômicos, o economista e professor do Insper Ricardo Paes de Barros coloca a educação integral entre os direitos que o Brasil precisa colocar como prioridade. “Se você olhar a tendência histórica, conclui que nem a 25% (a meta do PNE) talvez a gente consiga chegar. Logo, se a educação integral é realmente importante, está na hora de parar e pensar se as nossas metas não estão pouco ambiciosas e se não estamos dispostos a fazer um esforço muito maior do que tem sido feito até agora”, disse.
Entre os países que adotaram tal política, Ricardo enfatizou o exemplo do Chile, que começou o processo em 1987 e hoje consegue saber o impacto e comparar a empregabilidade de pessoas que tiveram toda a trajetória escolar dentro desse projeto de maior carga horária e atividades relevantes com aquelas que não tiveram, em praticamente todo o território nacional.
Ricardo mencionou, ainda, um estudo experimental realizado entre 2018 e 2020, em 24 escolas de Santa Catarina, que teve impacto positivo especialmente na aprendizagem de matemática. A experiência resultou em um aumento equivalente a 20 pontos na prova do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), conjunto de avaliações externas em larga escala que permite ao governo federal realizar um diagnóstico da educação básica brasileira e de fatores que podem interferir no desempenho do estudante. “É mais ou menos tudo que se aprende no ensino médio (regular). Ou seja, a recomendação aqui é: faça a educação integral e dobre o aprendizado dos seus alunos ao longo do ensino médio”.
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Mais evidências
Outros dois estudos recentes também mostram como a educação integral aponta caminhos para um menor envolvimento de jovens com a violência. Um levantamento liderado por Leonardo Rosa, Raphael Bruce e Natália Sarellas, economistas e pesquisadores do Insper e da USP (Universidade de São Paulo), e apoiado pelo Instituto Natura, mostrou que em Pernambuco houve uma diminuição nos níveis de homicídio envolvendo jovens entre 15 e 19 anos. No estado, mais da metade da rede e 75% das matrículas já são para educação integral.
“Nessa escola, é importante entender o jovem em sua inteireza. Falar que a educação integral impacta a aprendizagem já é algo entendido. A pesquisa mostra que,conforme a política avança, a gente vai entendendo nuances. Universalizada a política integral (no ensino médio), começamos a ir aos municípios, inclusive olhando para o fundamental 2”, disse Maria Medeiros, secretária-executiva de educação integral e profissional de Pernambuco, que abraçou a abordagem em 2008.
Na Paraíba, um estudo similar, realizado pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o Instituto Natura, também correlaciona o ensino médio integral à melhoria nos índices educacionais e de segurança, que compreendem segurança comunitária, índices de criminalidade e sensação de segurança no entorno das escolas. No estado, a política de educação integral no ensino médio teve início em 2016.
Como motivos, estão: 1) a mudança, no médio e no longo prazo, na trajetória de vida dos alunos; 2) efeito imediato da permanência do aluno no ambiente escolar pelo período estendido – o que o coloca fora do ambiente de criminalidade; e 3) efeitos de transbordamento comunitário que a mudança na escola pode provocar, especialmente por meio do aumento do pertencimento do aluno ao ambiente escolar.
O evento no Insper também contou com a participação de José Mendonça Bezerra Filho, ex-ministro da Educação, que ressaltou a importância de coordenar e vocalizar o interesse dos estados na elaboração de política de educação integral.
Vitor de Ângelo, secretário de estado da Educação do Espírito Santo e presidente do Consed (Conselho Nacional de Educação), destacou como em sua rede o programa de educação integral teve como foco escolas em regiões mais vulneráveis e violentas. Mesmo com a dificuldade inicial de ter tempo integral e parcial em uma mesma escola, hoje 18% das matrículas e 33% das escolas estão nesse formato.
Em São Paulo, Hubert Alquéres, recém-nomeado secretário estadual de Educação, mencionou que sua rede tem hoje, na modalidade integral, 43% das escolas e 30% das matrículas. Elas estão espalhadas em 91 diretorias de ensino, distribuídas por 500 escolas.
Para saber mais sobre educação integral
Além de sistematizar estudos e difundir o conhecimento disponível sobre educação integral, o Centro de Educação Integral do Insper vai oferecer cursos e pretende ainda promover o intercâmbio com outras instituições, professores e alunos com interesse em educação integral.
Confira as publicações lançadas nos links abaixo:
- Educação em tempo integral: impactos econômicos de médio e longo prazo
(Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado) - Educação em tempo integral na América Latina: estimativas de impacto sobre a proficiência
(Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado) - Educação em tempo integral: impacto sobre crescimento econômico via maior escolaridade
(Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado) - The effects of public high school subsidies on student test scores: The case of a full-day high school in Pernambuco, Brazil
(Leonardo Rosa, Eric Bettingera, Martin Carnoy e Pedro Dantas)