Cresce o número de crianças de 0 a 8 anos com celulares próprios
Pela primeira vez, a pesquisa do Cetic.br apresenta dados desta faixa etária. Rodrigo Nejm, especialista em educação digital do Instituto Alana, analisa o estudo e explica como esses dados podem impactar políticas públicas
por Ruam Oliveira 12 de fevereiro de 2025
O debate sobre o acesso e uso de internet e dispositivos móveis por crianças está dentro e fora da escola. Se no ambiente escolar os aparelhos estão restringidos por lei ao uso pedagógico, dentro de casa e em outros espaços talvez o cenário seja outro.
Novos dados divulgados pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) nesta terça-feira, 11, Dia da Internet Segura, mostraram que crianças de 0 a 8 anos, têm mais acesso não só ao uso, como também à posse desses aparelhos. As informações fazem uma comparação entre 2015 e 2024.
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A pesquisa, que historicamente analisava informações de acesso e uso entre 9 e 17 anos, trata pela primeira vez da faixa etária entre 0 e 8, com base nas respostas dos familiares entrevistados para comparar diferentes períodos.
Os dados são preocupantes: a porcentagem de crianças brasileiras de 0 a 2 anos com acesso à internet passou de 9% em 2015 para 44% em 2024, um aumento de quase 400%. O número de crianças dessa faixa etária com celular próprio cresceu de 3% em 2015 para 5% em 2024.
Conforme a idade vai avançando, há também um aumento exponencial nessa posse. Crianças de 3 a 5 anos saíram de 6% em 2015 para 20% em 2024, e as de 6 a 8 anos, foram de 18% para 36% no mesmo período.
Confira a pesquisa na íntegra
Acesso às telas cada vez mais cedo
Ter um celular em uma idade tão precoce reforça a apreensão dos especialistas em primeira infância, principalmente no que se refere ao desenvolvimento cognitivo dos bebês. A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é que as crianças não sejam expostas a qualquer tipo de telas até os 2 anos.
No estudo “Desenvolvimento da linguagem e da leitura no cérebro atualmente”, Augusto Buchweitz, pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, descreve como atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem é frequente em bebês que ficam passivamente expostos às telas por períodos prolongados.
Rodrigo Nejm, doutor em psicologia e especialista em educação digital no Instituto Alana, aponta que contar com uma pesquisa como essa e com os dados compilados dados era algo urgente para proporcionar um contexto mais preciso da primeira infância nesse universo digital, a fim de permitir o embasamento de políticas públicas e o subsídio de ações objetivas.
Levando em consideração as recomendações feitas por diversos setores médicos e da educação, Rodrigo comenta que o alto índice de crianças usando a internet chama muito a atenção. Para ele, principalmente na faixa entre 0 e 2 anos, há que se fortalecer o contato com a natureza, além das relações interpessoais, para que a criança possa se desenvolver com o mundo à sua volta.
A pesquisa do Cetic se baseia nas informações oferecidas pelos responsáveis das crianças, mas não detalha os tipos de uso de internet.
“Esses dados começam a abrir um campo para que a gente possa ter mais evidências e as escolas, assim como as políticas públicas em geral, possam tomar atitudes e planejar ações com base em algum grau de evidência e não só na percepção individual”, afirma Rodrigo.
Educação infantil e tecnologia
“No caso da educação infantil, algumas escolas, inclusive particulares, usavam telas. Algumas delas, com o acesso via dispositivos pessoais das crianças. Isso não é de forma alguma bem-vindo.”
Em nota técnica publicada pelo Instituto Alana, a organização sugere que, na educação infantil, nem mesmo o uso pedagógico de celular faz sentido. Contar com algum elemento de tecnologia nesse faixa etária, dentro da escola, pode acontecer, mas nunca com o aparelho pessoal do estudante. O mesmo vale para os tablets.
“Com base nos estudos que acompanhamos, o dano é maior do que o benefício de usar o celular e outros equipamentos portáteis na educação infantil”, afirma Rodrigo. A despeito do alto índice de crianças com acesso ao celular, é possível tratar do assunto de maneira desplugada, recomenda o especialista.
“Isso pode ser feito por meio de atividades lúdicas, nas quais as crianças possam falar de suas experiências digitais, guiadas por professores – mas não os professores apresentando elementos do digital. É preciso colher das crianças quais são as experiências de lazer delas e, dentro disso, conseguir perceber qual é a presença da internet e desses aparelhos no seu repertório”, afirma.
Conversar com os estudantes para entender o quanto eles sabem sobre esse universo digital é uma chance de conhecê-los melhor, além de uma oportunidade de se aproximar das famílias para levar informações sobre o uso seguro de dispositivos. É, também, um bom momento para explicar a lei 15.100/25, que restringiu os celulares nas escolas.
Para Rodrigo, este trabalho junto às famílias pode melhorar a relação das crianças com o ambiente digital quando elas não estiverem na escola.
Acesso à internet
As informações coletadas pela pesquisa do Cetic usaram como base os dados da TIC Domicílios e TIC Kids Online Brasil e também apresentaram um quadro sobre o acesso à internet e a computadores.
No caso do acesso à internet, os números também subiram. O percentual de crianças de 0 a 2 anos que utilizam a internet subiu de 9% para 44%, entre os de 3 a 5 esse número saiu de 26% para 71%. Seguindo uma tendência de alta semelhante à posse de celulares, a faixa etária de 6 a 8 anos também apresentou aumento, quase dobrando de porcentagem: de 41% em 2015 para 82% em 2024.
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Rodrigo Nejm afirma que a pesquisa abre espaço para novas descobertas e reforça ser urgente definir parâmetros para o uso crítico de plataformas digitais tanto para a educação infantil quanto para o ensino fundamental. Afinal, as plataformas são pensadas para “maximizar lucros usando o tempo das crianças”.
“Especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental, onde há mais presença dessas tecnologias, é fundamental que o ponto de partida seja um design ético e pedagógico que atente, também, para as questões de proteção de dados além do desempenho acadêmico”, diz.
Classe e renda
Os dados apresentados na pesquisa também levam em consideração a classe social à qual as crianças pertencem. A análise mostrou que o uso de tecnologias digitais varia a depender da condição socioeconômica. Nas classes AB, por exemplo, 97% das crianças de 6 a 8 anos acessam a internet em 2024, enquanto 88% delas na classe C e 69% nas classes DE para essa mesma faixa etária.
Computadores em queda
Enquanto meninos e meninas têm cada vez mais acesso a celulares, os computadores estão em declínio nessa faixa etária. A pesquisa mostrou que 26% das crianças de 3 a 5 anos e 39% das crianças de 6 a 8 anos usavam computador – sejam os de mesa, notebooks ou tablets. Esse número caiu para 17% e 26%, respectivamente, em 2024.