Secretaria da Cultura quer atrair público pela tecnologia
Marcelo Araújo, que assumiu a pasta, quer usar mecanismos digitais para difundir programas
por Patrícia Gomes 12 de maio de 2012
Com 30 anos de experiência na administração de dois grandes museus de São Paulo, o Lasar Segall e a Pinacoteca, o novo secretário estadual de Cultura quer lançar mão das novas tecnologias para levar a cultura aonde o cidadão está e para reconhecer novos produtores artísticos. Marcelo Araújo, que tomou posse no fim de abril, já tem a favor de sua estratégia um orçamento de R$837 milhões, uma secretaria capilarizada por todo o Estado, com teatros, museus, centros culturais, orquestras e oficinas que, no ano passado, chegaram a 8 milhões de pessoas.
Mas, segundo Araújo, que é graduado em direito, com mestrado em museologia e doutorado em arquitetura, ter os equipamentos não basta: é preciso que as pessoas se acostumem a frequentá-los, tenham uma relação “cotidiana, consistente, diária, intrínseca” com os espaços e aproveitem a experiência única que eles proporcionam para complementar o aprendizado formal, a partir do desenvolvimento de sensibilidades. Tudo isso em espaços disponíveis ao público e, muitas vezes, com entrada gratuita. O secretário revela dados de um levantamento inédito indicando que uma das pratas da casa, a Osesp, tem 65% das suas apresentações com entrada franca.
Confira, a seguir, trechos de entrevista exclusiva concedida ao Porvir:
O senhor tem planos de fazer a cultura chegar a pontos onde ela não costuma?
Garantir a acessibilidade da população à produção cultural é um dos objetivos básicos da política cultural do Estado de São Paulo. Isso vem sendo desenvolvido por meio de diferentes programas. Quando falamos em criar canais de acesso, é fundamental permitir acessibilidade a uma produção de qualidade, fazer com que essa relação seja ativa e se torne constitutiva de público, que não seja uma relação pontual. Pode até parecer utopia, mas o grande objetivo é estabelecer uma relação cotidiana, consistente, diária, intrínseca com os bens culturais, seja em termos de usufruto seja em termos de produção. Queremos que a cultura possa desempenhar esse papel fundamental que cabe a ela na construção das individualidades sensíveis e das relações sociais.
O que o senhor quer dizer com relação ativa?
Eu não vou convidar uma pessoa para assistir um concerto com a expectativa de que ela vá se tornar um músico. Eu convido com a expectativa de que essa pessoa se eduque, desenvolva sua sensibilidade em termos de aprendizado musical, para que possa se transformar numa frequentadora ativa no sentido de ter uma reflexão crítica e instigante a respeito daquela linguagem.
Como fazer isso?
A simples existência dos equipamentos se constitui num passo importante, mas não é suficiente. Faz parte dessa estratégia a utilização de tecnologias digitais, tanto no sentido de uma possibilidade maior de acesso quanto também do reconhecimento dessas tecnologias como um novo espaço privilegiado de criação artística. O mundo virtual é um espaço importante para ser pensado como um espaço de diálogo, de mediação e de interação na produção cultural.
Qual é o papel da cultura na educação?
A cultura desempenha um papel muito grande na educação dos sentidos. Nessa perspectiva, todos os equipamentos têm um papel complementar importante porque essa é uma área na qual a educação formal tem uma atuação relativamente pequena.
Como fazer dessa experiência com a arte uma experiência de qualidade?
Muitas vezes as pessoas me perguntavam [na Pinacoteca]: “eu tenho cinco minutos, o que eu vou ver?”. Eu dizia: “se eu só tivesse cinco minutos, eu entrava, dava uma olhada, reconhecia o espaço, mas voltava quando tivesse tempo”. Um dos requisitos fundamentais para essa experiência de qualidade que os museus, os teatros, as orquestras e as bibliotecas oferecerem para o público, é o tempo – a disponibilidade, o compromisso, a adesão. E nós sabemos que tempo é uma questão complicada na vida contemporânea.
Além de tempo, é preciso mais alguma coisa?
Todas essas linguagens demandam aprendizagem, da mesma maneira que nós somos alfabetizados e aprendemos a ler. A leitura visual requer aprendizado sobre como as cores e as formas se articulam, a historicidade desses elementos. Esse aprendizado vai qualificar a experiência. É responsabilidade dessas instituições contribuir para a educação do olhar e dos sentidos. Isso demanda tempo e articulação com outras esferas, principalmente com a [Secretaria de] Educação. A experiência tem mais chances de êxito quando se dá em conjunto com o ensino formal.
O que o senhor acha do Google Art Project?
É muito importante. Nessa segunda edição, os dois museus que entraram foram o MAM e a Pinacoteca. A internet é um mundo novo onde estão se desdobrando ou se criando novas relações, novos espaços de criação. A presença nesse universo, em um canal de tanta visibilidade quanto o Google, é muito importante para essas instituições e para a divulgação dos acervos. O Google Art Project, além da qualidade tecnológica, também permite o acesso a vários acervos ao mesmo tempo. Mas, por outro lado, é importante reconhecer que isso não exclui, de maneira nenhuma, a perspectiva da visita real.
O senhor poderia dar um exemplo de proatividade na secretaria?
Vou usar o exemplo da Pinacoteca porque, para mim, é mais fácil. Ela tem um programa chamado Pisc, que é de inclusão sociocultural voltado para públicos que, por diferentes razões, acabam ficando afastados do museu. O programa articula ações com espaços do centro da cidade de São Paulo e oferece atividades criativas e oficinas de gravura a moradores sem-teto dentro dos abrigos. Outro exemplo é a Fábrica de Cultura. O programa consiste na construção e na implantação de áreas que funcionam como centros culturais em regiões de grande vulnerabilidade na periferia da capital. Hoje em dia, já funcionam cinco Fábricas de Cultura e, até o fim deste ano, devem ser inauguradas mais quatro, oferecendo produção de qualidade com a ideia de que a cultura pode desempenhar um papel de coesão social.
Fora da secretaria, quais iniciativas o senhor apontaria como as mais inovadoras, no Brasil e no mundo?
A gente nem precisa ir muito longe. Temos aqui bem perto exemplos que estão oferecendo lições sobre a importância dessas ações no processo social como um todo. Vou te dar dois. Um é o Jamac, um projeto produzido pela artista Mônica Nador, no Jardim Miriam, que busca engajar adolescentes em criações artística, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da comunidade, trabalhar a construção da autoestima e até a formação profissional. Um outro exemplo é o Cooperifa, que é uma iniciativa na periferia de São Paulo que reúne criadores literários. Eles construíram um espaço que fomenta a criação e a circulação artística de poesias constituindo uma dinâmica social voltada também para essa questão de autoestima, da consolidação de relações e do aprimoramento da vida.
Entre as experiências educacionais que o senhor teve, formais ou não, qual destacaria como a mais rica?
Algumas das maiores experiências educativas que eu tive foram as oportunidades de visitar exposições com a presença dos artistas que estão expondo. Nesse diálogo, extremamente privilegiado, porque eu estou falando com o criador na presença da obra, as questões que surgem, os olhares, os estímulos são extremamente instigantes e ricos.