Isaac Asimov, acertando na mosca desde 1964
Futurologista fez previsões para a educação que adiantavam tendências que só se firmariam décadas mais tarde
por Patrícia Gomes 7 de janeiro de 2014
Os aficionados por ficção científica sabem bem quem é ele. O norte-americano de origem russa Isaac Asimov escreveu – e escreveu muito – durante sua vida. Foram mais de 450 livros, em temas que variavam da astronomia à história e à biologia. Ele tem o mérito de ter previsto a internet, a automação dos equipamentos, conseguiu fazer uma descrição muito precisa sobre as novas formas de comunicação, de trabalho e de aprendizagem. Morreu em 1992, aos 72 anos, antes que boa parte de suas previsões se concretizasse.
Nos primeiros dias de 2014, um texto célebre que publicou no The New York Times em 1964 com previsões para dali a 50 anos – ou seja, agora! – reapareceu e tem sido apreciado com admiração e surpresa. Ele então apresentava a Feira Internacional de Nova York, evento que expunha produtos inovadores com o tema “A Paz pela Compreensão”. Asimov apresentou o que esperava para o futuro em diversas áreas e acertou na mosca em quase tudo. Quando não acertou, passou perto. E parte de suas análises diziam respeito à educação. Ele previu o uso de máquinas na escola e a necessidade do ensino de programação no ensino médio.
Suas reflexões sobre educação não pararam. Anos mais tarde, em entrevista concedida em 1988 ao jornalista Bill Moyers, Azimov mais uma vez traz seu olhar de vanguarda e fala de novos modelos educacionais, descreve o que hoje o mundo conhece por Google e fala de como a educação baseada em interesse promove um aprendizado profundo.
Confira, a seguir, frases do autor retiradas do texto de 1964 e da entrevista de 1988.
Novos empregos e novas escolas
O mundo de 2014 terá poucas funções que não possam ser mais bem exercidas por máquinas do que por humanos. A humanidade, portanto, vai se tornar, em grande parte, uma corrida das oferta de máquinas. As escolas terão de ser orientadas neste sentido. Parte da exposição General Electric hoje [em referência à Feira de Internacional Nova York, por ocasião da qual o texto foi escrito e que começava naquele dia] consiste em uma escola do futuro em que tais realidades presentes como TV de circuito fechado e fitas programadas auxiliam o processo de ensino.
(The New York Times, 1964)
Programação nas escolas
Não são apenas as práticas didáticas que vão avançar, mas também os assuntos estudados. Todos os alunos de ensino médio deverão aprender os fundamentos da tecnologia computacional. Eles se tornarão proficientes em aritmética binária e serão treinados para usar linguagens computacionais que ainda iremos desenvolver.
(The New York Times, 1964)
Aprendizado baseado em interesse
[Para ensinar qualquer coisa a qualquer um] as palavras-chave são “que atingem nossa fantasia”. Há algumas coisas que simplesmente não atingem a minha fantasia e eu duvido que eu posso me forçar a estudar isso. Nunca me interessei por economia ou psicologia ou artes. Por isso, mesmo que eu tente ler a respeito, não consigo. Mas se há um assunto em que eu seja muito interessado, consigo aprender sobre ele com facilidade. Eu leio, eu absorvo, vou me familirizando com o assunto gradualmente e com prazer. Eu escrevi mais livros sobre astronomia do que sobre qualquer outra ciência, mas eu nunca tive uma aula de astronomia. Sou completamente autodidata no assunto. Por outro lado, escrevi relativamente poucos livros sobre química, o que é minha especialidade. Sou phD em química. Mas eu sei muito de química para me empolgar com ela.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
Criatividade e… internet (!)
Você não pode levar alguém para trabalhar em um emprego que subutiliza o cérebro, mantê-lo trabalhando por décadas e décadas e, em seguida, dizer: “Vá fazer algo mais criativo”. Você ceifou a criatividade dele. Mas se, desde o início, as crianças fossem estimuladas a valorizar a própria criatividade, provavelmente quase todos poderíamos ser criativos. Antigamente, poucas pessoas sabiam ler e escrever. Mas, com a educação de massa, descobriu-se que a maioria das pessoas poderia aprender a ler e escrever. Da mesma forma, isso pode acontecer uma vez que tenhamos computadores em todas as casas, cada um deles ligado a enormes bibliotecas, em que você pode fazer qualquer pergunta e ter respostas, em que você pode procurar algo que você está interessado em saber, por mais bobo que essa dúvida possa parecer a outra pessoa.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
Google e Siri
Um aspecto fundamental [dessa máquina de aprender] é que ela terá uma tela na qual coisas aparecem. Outra parte essencial é que vai haver um mecanismo de impressão em que você consegue ter coisas impressas. E você terá um teclado onde você digita suas perguntas – eu acho que isso também pode acontecer com um comando de voz. Você poderia falar com essa coisa e essa coisa poderia falar com você: “Tenho algo aqui que pode lhe interessar”.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
Personalização
Hoje o que as pessoas chamam de aprendizado é algo imposto. Todo mundo é obrigado a aprender a mesma coisa, no mesmo dia, no mesmo ritmo em sala de aula. Mas cada um é diferente. Para alguns, a aula vai rápido demais. Para outros, muito devagar. Para outros, vai na direção errada. Mas dar a todos a chance de, fora das escolas, poder seguir seu interesse em sua casa, em seu ritmo. Aí todo mundo vai gostar de aprender. (…) O aluno poderá escolher o que quer estudar. Mas ele vai continuar indo para a escola para aprender algumas coisas.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
Para todos e para toda a vida
A educação não é só para os jovens. Isso é outro problema que temos com a educação da forma como ela é hoje. As pessoas acham que o período de educação na vida acaba. Se você não é mais uma criança, nada mais lhe lembra a escola: ler livros, ter ideias, fazer perguntas. (…) Se você tem um sistema de educação a partir de computadores, então qualquer um, de qualquer idade, pode aprender sozinho. Se você gosta de aprender, não há razão de parar em determinada idade.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
(Des)humanização do aprendizado
[Os computadores não desumanizam o aprendizado]. É pelo computador que, pela primeira vez, seremos capazes de ter uma relação de um para um entre a fonte de informação e o consumidor da informação. Em outros tempos, nós contratávamos um professor ou um pedagogo para ensinar nossos filhos. Se ele fosse habilidoso, ele conseguiria adaptar suas aulas para os gostos e habilidades específicas de seus alunos. Mas quantas pessoas têm condições financeiras de contratar um pedagogo? A maior parte das crianças não tiveram acesso à educação. Chegamos a um ponto em que é absolutamente necessário educar todo mundo. A única forma com que conseguimos fazer isso foi ter um professor para uma quantidade enorme de alunos, e dar ao professor um currículo para se basear. Mas quantos professores são bons nisso? Como em qualquer área, o número de professores é infinitamente maior do que o número de bons professores. Então ou a gente tem uma relação de um para um com capacidade de servir muito poucos, ou temos uma relação de um para muitos com capacidade de servir a muitos. Agora, com os computadores, é possível ter uma relação de um para um para muitos. Todo mundo pode ter um professor em forma de acesso ao conhecimento acumulado pelo ser humano.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
Acesso e popularização dos computadores
Talvez não seja possível [levar computadores a crianças pobres] bem no início. É como perguntar se é possível que todos tenham água potável. Em muitos países, isso é impossível… Podemos tentar e, com o tempo, mais e mais pessoas terão acesso. Quando eu era pequeno, pouquíssimas pessoas tinham carro ou telefone e menos ainda eram os que tinham ar-condicionado. Agora essas coisas são quase universais e isso também deve acontecer com os computadores.
(entrevista concedida a Bill Moyers, 1988)
Veja trechos da entrevista concedida em 1988 (ative as legendas em português).