As inspirações do fliperama de papelão do Caine
Garoto de 9 anos, famoso na internet por criar jogos em caixas de papelão, está motivando professores e projetos pelo mundo
por Patrícia Gomes 8 de junho de 2012
Uma caixa de papelão, duas, três. Nas mãos de Caine Monroy, um menino norte-americano de 9 anos, o que poderia ter ido direto para o lixo se transformou em inspiração para pessoas de várias idades no mundo inteiro. O fliperama do Caine, ou a Caine’s Arcade, é hoje muito mais do que pode parecer à primeira vista, um amontoado de caixotes em uma loja num bairro afastado de Los Angeles. É um lugar que, presencialmente, recebe voluntários e curiosos aos fins de semana interessados em jogar em brinquedos artesanais feitos por um garoto e, virtualmente, por meio de um vídeo que viralizou na internet, tornou-se um exemplo que tem mobilizado ao menos 50 escolas de vários países.
Tudo começou em meados do ano passado. O pai de Caine, George, tem uma loja de autopeças usadas em uma rua pouco movimentada da cidade. No estoque, guarda caixas e mais caixas de papelão. Durante as férias, Caine ia todos os dias ao trabalho do pai. Enquanto George vendia seus produtos, o menino começou a confeccionar fliperamas de mecânica simples, manuais. Um depois do outro, acabou enchendo a loja do pai. Entre as brincadeiras artesanalmente construídas havia um jogo de arremessar bolinha em um gol protegido por soldadinhos; outro de içar prêmios; um terceiro que se assemelha a um pinball. Os prêmios eram seus próprios brinquedos.
Antes de abrir seu negócio para os clientes, porém, Caine ainda desenvolveu um sistema de cobrança sofisticado. Quatro rodadas custariam US$ 1. Mas, se o interessado pagasse US$ 2, ele receberia um cartão de passe livre e poderia jogar 500 rodadas em até um mês. Por questão de segurança, no verso de cada passe livre, Caine anotou um número com várias casas decimais. Além disso, quem opta pelo passe recebe também uma senha. Caine, então, prendeu com fita adesiva uma calculadora em cada fliperama que construiu. Para jogar, o interessado deve colocar a senha na calculadora. Caine aperta a raiz quadrada. Se o resultado for o número de segurança que está no verso do cartão, o jogo é liberado.
Com os brinquedos construídos, os prêmios colocados à disposição e o sistema de cobrança implantado, Caine passou a ficar sentado diante da sua obra esperando que algum cliente se interessasse. O problema é que as poucas pessoas que passavam pela loja do pai não queriam jogar nos brinquedos do Caine. Mesmo na escola, de volta às aulas, seus amigos não se interessaram. Mas o menino não desistia. Todos os fins de semana, ia para a loja do pai, sentava-se à porta e esperava.
Um dia, no entanto, o diretor de cinema Nirvan Mullick foi até a loja de George para comprar uma peça para seu carro. Ele viu os jogos de Caine e comprou, por US$ 2, o passe livre. Achou a iniciativa do menino tão incrível que perguntou a George se ele poderia voltar com mais gente para brincar. Foi aí que a história de Caine começou a mudar.
Sem o garoto saber de nada, Nirvan começou uma campanha pela internet que chamava pessoas para, em um determinado dia, aparecerem na loja de George e jogarem. Centenas de pessoas se interessaram e equipes de telejornais também compareceram. No dia marcado, George levou Caine para passear enquanto os convidados chegavam e se posicionavam. Na volta, ao chegar em sua loja, uma multidão esperava o menino para jogar. Diante de tantos interessados, seus jogos, que até então só haviam tido um cliente, viraram um sucesso. A surpresa que Nirvan preparou para Caine rendeu um curta-metragem que foi lançado em abril deste ano. Desde então, o vídeo teve mais de 3 milhões de acessos e se tornou hit na internet.
Mas o filme foi só o primeiro passo. Nirvan criou a Caine’s Arcade Foundation que já recebeu cerca de US$ 200 mil em doações, recursos que, segundo a própria instituição, serão destinados a encontrar, promover e estimular a criatividade e o empreendedorismo entre as crianças. Para tanto, Nirvan lançou um programa piloto para educadores inspirados, que já tem mais de 50 escolas inscritas do mundo todo e que incentiva as crianças a fazerem seus próprios jogos. “As crianças vão construir brincadeiras como as que o Caine fez e vão desenvolver todos os tipos de habilidades, de matemática a finanças, de arte e desenho até engenharia”, afirmou Nirvan.
No grupo do Facebook que reúne pessoas interessadas pelo programa, professores dos EUA, Canadá e México já relataram atividades com seus alunos na confecção de jogos a partir de caixas de papelão. Além disso, Nirvan também está organizando um Dia de Desafio Global. Na última semana de setembro, as pessoas que se registrarem deverão construir algo divertido a partir de uma caixa de papelão na sala de aula, na escola, na cozinha ou até mesmo no escritório. Em 2 de outubro, a comunidade será convidada para brincar. Enquanto o dia não chega, Nirvan e sua equipe estão desenvolvendo uma nova plataforma com conteúdos de suporte ligados ao currículo escolar e kits de atividades para ajudar quem participar do desafio.
Uma das assíduas participantes das discussões via Facebook é Carolina Garcia, da Costa Rica. A educadora tem um projeto em que convida crianças e pais de regiões de alta vulnerabilidade a construírem jogos em ruas e parques do centro da capital, São José, a partir de materiais como caixas, barbantes, cordas, pneus. “Os eventos que organizo geram novos espaços de aprendizagem não formal”, diz. Segundo Carolina, seu projeto tem muito em comum com a iniciativa do Caine por colocar as crianças como protagonistas de seu aprendizado. “Meu projeto dialoga com o do Caine porque dá visibilidade à imagem das crianças fortes, à importância do jogo livre, de sua capacidade de gerar ideias, de lidar com o pensamento divergente”, afirma Carolina.